quinta-feira, dezembro 01, 2005

Diretinho da Redação (37)


A coluna da semana já está lá no www.diretodaredacao.com


Da Alegria de se Viver em uma Democracia


Nos EUA, só falta a opinião pública sair do armário e as bengalas começarem a bater no cocoruto dos políticos. A picaretagem é a mesma!


A sensação foi de filme repetido. Quando vi a imagem na televisão, imediatamente me veio à cabeça a conversa que tive recentemente com o jornalista britânico Andrew Gumbel. Tratávamos do escândalo do mensalão em Brasília e ele saiu-se com a pérola de que ‘ao menos no Brasil a prática de pagar legisladores para votar com o governo ainda é ilegal’. Correspondente do jornal "The Independent” aqui nos Estados Unidos, Gumbel escreveu o ótimo "How To Steal A Vote”, infelizmente apenas em inglês, sobre a precariedade do sistema eleitoral norte-americano.

Esta semana, aqui na tevê de casa, me aparece o deputado republicano Randy Cunningham, o Duke, um dos principais aliados do governador-exterminador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, constrangido, coçando os olhos por detrás dos óculos de bom-moço, renunciando publicamente ao mandato. Foi pego com a mão na botija – recebeu pelo menos US$ 2,4 milhões em propinas para ajudar contribuintes de sua campanha a conseguirem contratos vantajosos com o Pentágono.

Mas logo o Duke? Respeitado herói da guerra do Vietnã, do alto de seus 63 anos, ele seguia na televisão, pedindo perdão à família e aos colegas. Mas esqueceu de se desculpar com os eleitores. Ato falho? Nem tanto. A democracia norte-americana, afinal, ostenta o título inglório de menos representativa (uma média de 40% dos eleitores saiu de casa para votar nos últimos três pleitos) do ocidente. Com raríssimas exceções, os deputados não respondem ao eleitorado e sim aos lobistas e às grandes corporações, que financiam suas campanhas.

Até esta semana sabia-se que Duke, em seu sexto mandato, era um dos pilares do conservadorismo do oeste americano, um estudioso de temas espinhosos como a segurança nacional e o terrorismo. Também sabia-se, por conta das reportagens do tinhoso “The San Diego Union-Tribune”, que sua casa em Del Mar fora comprada pela MZM Inc., uma das empresas especializadas em prestar serviços para os militares, por US$ 1,7 milhão em 2003. E, que, mesmo com a mega-valorização imobiliária no pais, ela fora vendida, nove meses depois, por US$ 700 mil a menos.

O que parecia estranho revelou-se tenebroso. Hoje, descobre-se que Duke viveu durante anos em um luxuoso iate em Washington às custas de uma das empresas interessadas em fechar contratos vantajosos com o governo Bush. Que, entre outros presentes, ele ganhou um Rolls Royce avaliado em US$ 200 mil, móveis, a festa de formatura de sua filha, o pagamento de seu condomínio, férias e viagens. Tudo saiu da conta de seus satisfeitos parceiros eleitorais. E Duke, é claro, não declarou nada, nadinha mesmo, em seu imposto de renda.

A opinião pública norte-americana, cada vez mais voltada para o atoleiro do Iraque, parece mais estarrecida do que indignada. Um amigo conservador me disse, no feriado do Dia de Ação de Graças, que tão pouca gente vota nas eleições ianques porque a maioria da população está satisfeita. Vai-se às urnas, ele me dizia, para se protestar contra alguma coisa.

Ainda não apareceu, é certo, um idoso americano para dar uma bengalada bem-dada no Duke, mas ele pode pegar até 10 anos de cana. E olhem que seu caso é apenas mais uma peça no quebra-queças da crise da representação legislativa que tanto preocupa as democracias ocidentais! No senado, Bill Frist, virtual candidato à sucessão de Bush, se enrolou em uma negociação para lá de suspeita que valorizou as ações da companhia de seguro-saúde da qual era proprietário. Ela acabou sendo vendida por um montante estratosférico. Outro republicano encalacrado é o deputado Tom DeLay, do Texas, que teve de abandonar a liderança do governo depois de acusado de chefiar um esquema que garantia votos no Capitólio a partir dos interesses de financiadores de campanha. Soa familiar?

Bem, no meio de tanta lama, o governo Bush ignorou a sugestão de se criar uma legislação específica para punir os corruptores, que elegem deputados e senadores país afora. Também deixou para lá os projetos de se criar uma Justiça Eleitoral independente dos governos do Estado e do financiamento público das campanhas eleitorais em todos os níveis. Não. Cenho franzido, o presidente anunciou a instalação de uma série de seminários na Casa Branca sobre ética. Isso mesmo. Altos funcionários e grandes figurões republicanos foram convocados para comparecer a uma sala de aula improvisada em Washington. Ele jura que, agora, os ‘deslizes’ dos companheiros neo-conservadores vão acabar. Ufa! E eu aqui preocupado. Como é bom a gente viver em uma democracia de verdade, não?

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