quarta-feira, setembro 28, 2005

Diretinho da Redação (31)


O texto abaixo já pode ser lido no Direto da Redação

A Desgraça dos Flagelados, II

É feia a situação.‘Seu Mister’ chega em casa depois de um dia duro de trabalho e ouve Jim Lehrer falar no jornal das sete que não tem nem Rita nem Katrina. O mais novo furacão que ameaça o sul dos Estados Unidos chama-se capitalismo de desastre, em sua versão caseira. Histórias e imagens do desespero e da miséria americanas continuam pipocando na televisão, mas o chocante agora é a disputa para saber quem é que vai ganhar mais dinheiro com a tragédia. A briga é de cachorro grande.

A AshBritt, empresa ligada ao governador republicano do Mississippi, Haley Barbour, saiu na frente e fechou contratos no valor de US$ 568 milhões para ‘remoção de entulho e lixo’ das áreas atingidas pelo furacão. Ela entra na categoria ‘emergencial’, que inclui 80% dos US$ 1,5 bilhão de contratos sem licitação já assinados pela FEMA (a agência federal de gerenciamento de emergências, uma espécie de Defesa Civil mais inflada e burocratizada).

Como a saudável e capitalista competição não aconteceu, ‘Seu Mister’ não se surpreendeu quando Lehrer contou que dois dos contratos mais suculentos – voltados para a reconstrução de infra-estrutura e saneamento básico em toda costa do Golfo do México – pararam justamente nas mãos da Halliburton e do Shaw Group. A primeira, como todos sabem, foi comandada pelo vice-presidente Dick Cheney. Já o Shaw Group tem entre seus representantes mais conhecidos ninguém menos que Joe Allbaugh, gerente das campanhas de Bush e diretor, até 2003, da mesma FEMA. Geni da vez, a agência foi responsabilizada pelo fiasco no atendimento aos flagelados de Nova Orleans. Foi Allbaugh quem (des)montou a equipe de emergência da FEMA, substituindo nos primeiros anos do governo republicano especialistas por quadros políticos.

Quando o Congresso liberou verbas especiais para a reconstrução da costa do Golfo do México (até esta semana US$ 250 milhões/dia), 'Seu Mister’ imaginou que estava dando dinheiro para os flagelados, não para os barões do capitalismo de desastre. Quando pensa na Halliburton, ele lembra que esta é a empresa que cobrou do governo (isto é, dos bolsos de seus amigos, o médico de Nova Jérsei, o mecânico de Detroit e o advogado de Manhattan) US$ 100 por trouxa de roupa dos militares americanos das bases de Bagdá. E que ofereceu para centenas de trabalhadores de origem filipina e turca contratados para a ‘recuperação’ do Iraque as sobras de comida vindas do lixo das tropas.

O senador negro Barack Obama, democrata de Chicago, já elaborou um projeto de lei exigindo que o governo Bush explique, tim-tim por tim-tim, como está gastando os bilhões de dólares liberados para a ‘recuperação dos nossos irmãos sulistas’, nas palavras do presidente. Ninguém sabe se o rolo-compressor republicano na casa vai aprovar esta boa iniciativa. Crente como a maioria de seus patrícios, 'Seu Mister' me diz que ainda aposta que não há nada como um dia atrás do outro. Mas até ele, quem diria, já começa a temer pelas ramificações desta tragédia, que começou com o abandono dos miseráveis e segue impiedosa na farra do dinheiro público e do lucro fácil a partir da desgraça dos flagelados americanos.

2 comentários:

maria rezende disse...

Eduzinho,
adoro a sua escrita ácida e inteligente! A parte boa do ano correr com pernas cada vez mais velozes é que dezembro tá aí e com ele vem você pra cá! Um beijão, Maricota

Olga de Mello disse...

E a nojeira do capitalismo selvagem, quem limpará?