quarta-feira, agosto 10, 2005

Diretinho da Redação (24)



Diálogo Distante e Impreciso

Quando a vida se degrada e a esperança abandona o coração dos homens, só mesmo a revolução. O mantra de Oscar Niemeyer me martela a cabeça no dia quente do sufocante verão nova-iorquino. Vá lá, me diz a amiga, a tal revolução do arquiteto não pode mais nascer de uma mobilização pela ética comandada por intelectuais cada vez mais desimportantes no tresloucado dia-a-dia que nos invade feito filme de Wong Kar Wai. Alguém ainda os escuta? Seus seminários e manifestos ainda ecoam em uma sociedade seqüestrada pela imagem, que absorve idéias de forma completamente diversa do que a de dez anos atrás?

Outra amiga me conta que próceres da inteligência brasileira, gente admirável mesmo, estão evitando sair de casa. Temem ouvir do barbeiro e do porteiro cobranças embaraçosas: por que cargas d'água o senhor me convenceu a votar nos companheiros? Dureza. Afinal, qual a resposta a ser dada? O que fazer quando a vida se degrada e a esperança abandona o coração dos homens? Outro amigo me sugere em missiva emocionada que talvez a revolução já tenha começado, ali mesmo com o gasto princípio de se tratar o outro como se fosse vocêzinho mesmo. Lá vem ele com o velho trotskismo cristão, mais demodé impossível, outro rebate. Tá certo.

Afeita a desafios, aquela outra amiga tinhosa que luta para não cair no niilismo-quase-espelho-do-cinismo tenta avançar. E pondera que chegamos ao ponto-limite em que a coisa pública não pode mais ser tratada como um patrimônio à disposição dos mais ditosos. Algo assim como um fundo comum que, aqui e acolá, vai sendo apropriado por gente diferente, mais ou menos conectada a grupos que chegam ao poder em um rodízio viciado e sufocante. Se continuarmos tratando do tema com a naturalidade própria de quem já viu tudo, estaremos oficializando a barbárie. E aí, ela abre os grandes olhos amendoados, é que eu quero ver!

Mais constatações óbvias? O produtor de eventos me garante que não. E sugere que cada brasileiro passe uma semana - com ou sem crise - pelos corredores de qualquer estatal brasileira. Qualquer uma, ele me diz. Neste país de miseráveis, a mesma gente que sai às ruas vestida de branco pedindo paz na Zona Sul carioca acha correto receber R$ 20 mil dos contribuintes para proferir palestras sobre a importância do dia da mulher. Ou superfaturar naquela genial série de espetáculos musicais que, no fim das contas, garante um apartamento por ano mas também leva o circo ao povo. E um bom circo. Este, me conta o produtor, é o mensalão mais profundo, geral e restrito. Um mensalão que corta a sociedade de modo desconcertante - quem tem e mama, sem culpa, quem tem e não mama, com mais ou menos revolta, e quem chora, não mama e nem tem como protestar. Estes últimos, claro, configuram a maioria da nação.

Nesta conversa de bar sem chope gelado e com copos vazios o outro amigo que vive fora do Brasil me lembra que a mentalidade da corrupção não está só em Brasília, não é exclusiva dos políticos e dos lobistas, não pode ser representada apenas por personagens mais ou menos folclóricos que garantem, aqui e ali, assunto para mídia e humoristas. Que nada. Ela também está nas comissões levadas por funcionários de todos os escalões, na muda de planta do parque nacional que vai parar no jardim da casa da madame, e, principalmente, no voto de quem elege o mesmo parlamentar que renunciou ao mandato no escândalo anterior e que agora é presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Congresso. O nome deste, aliás, é Antônio Carlos Magalhães.

A catequese da picaretagem também se encontra nas falas do presidente. Daquele que foi saudadado pelas elites do país - especialmente a pensante -como 'o representante mais genuíno do brasileiro'. Então o 'brasileiro' - esta figura que para o intelectual pode ser encontrada ali do outro lado do interfone_ pensa que 'é assim mesmo', que 'todo mundo faz', como vem repetindo Luiz Ignácio de Garanhuns?

Eu digo aos amigos que ele ainda pode surpreender. O 'brasileiro', não o Luiz Ignácio. Que ele pode até nos dar algumas dicas do que fazer quando a vida se degrada e a esperança abandona o coração dos homens. Digo que a primeira talvez seja a de aceitar nossa ignorância momentânea. Reconhecê-la e até aprender a conviver com ela. Ignorância, veja bem, não impotência.

Sim, pois o segundo pitaco será o de que é preciso reagir. De que mais que nunca é preciso reagir. De que é preciso reagir depositando um derradeiro ato de fé no 'brasileiro'. De que é cada vez mais necessário deixar que o porteiro e o barbeiro nos digam o que fazer. Esta mera inversão de papéis pode até não dar em nada muito maior do que irmanarmos, uma vez só, na obscuridade e desimportância de nosso destino verde-e-amarelo. Mas, daqui de longe, e corrijam-me se estiver americanizadamente errado, parece ser o que de mais revolucionário poderíamos alcançar em momento tão cinzento.

Enquanto escrevo o termômetro avança sorrateiro para os 42 graus. Lembro dos amigos, penso no país e tento me refrescar em meio a uma incômoda certeza: a de que esta nossa febre nada tem de êfemera.

p.s: o texto acima tambem pode ser lido no www.diretodaredacao.com e no www.click21.com.br

Um comentário:

Olga de Mello disse...

Dá um desânimo, querido. Eu não acreditava em santos, mas fiquei muito decepcionada.
Ouvir a blague de quem não votou no PT é difícil, mas pior é constatar que não passou de um sonho.