quinta-feira, junho 30, 2005

Diretinho da Redação (21)



O texto abaixo pode ser lido tambem no www.diretodaredacao.com e trata da praga nossa de cada dia, a corrupção.

Dia desses um amigo brasileiro me disse que uma de suas alegrias era saber que eu não precisava acompanhar de lá a lama ocupando cada vez mais espaço nos prédios de nossas instituições nacionais. Muito que bem. Na quinta-feira desliguei todas as conexões eletrônicas que me transportavam para Brasília e, ecoando o amigo, resolvi encarnar o presonagem que vive a quilômetros de distância do centro da crise do governo e do PT. Andei cinco blocos e me enfiei no centro cultural aqui perto de casa. Fui assistir “Hécuba”, com Vanessa Redgrave, 68 anos, no papel-título, à frente dos atores da Royal Shakespeare Company.

A adaptação do poeta britânico Tony Harrison prometia uma passagem, via Grécia Antiga, para o campo de destruição de Bagdá e adjacências. As críticas ao governo Bush e ao caráter belicoso dos norte-americanos seria o centro desta nova encenação. Mas nem bem me acomodo na belíssima sala de espetáculos do século XIX e a rainha de Tróia fala do grande vício da humanidade – a corrupção. Não dá para escapar.

Ali por volta de 425 A.C., em meio à Guerra do Peloponeso, Eurípedes viajou oito séculos no passado e situou sua tragédia logo após a queda de Tróia. Ou, como Redgrave prefere dizer, ‘durante a primeira grande guerra conhecida entre o Ocidente e o Oriente, comandada por uma coalização de estados que invade e pilha uma área da Ásia’. No palco, tendas verde-oliva aglomeradas umas nas outras remetem a um campo de prisioneiros povoado por desespero, tortura e ódio.

Rainha sem coroa de Tróia, Hécuba-Redgrave nos diz que será transportada para a Grécia em breve com todas as mulheres de Tróia. Que seus filhos foram mortos, um a um. Que sua filha acaba de ser assassinada pelo exército ocupado. E que ela está organizando, de modo racional, uma vingança sangrenta, ávida que está por fazer justiça pelas próprias mãos. Não parece familiar? Além de esfregar na cara dos americanos o desespero de mães palestinas, bósnias e iraquianas, “Hécuba” trata de traição e corrupção, do abandono de princípios éticos em favor do ouro e do poder.

Do palco, Redgrave nos encara. Redgrave, a que declarou publicamente seu apoio a Fidel nos anos 60. A que recusou o título de nobreza do Reino Unido. A que advogou em Hollywood, ao receber o Oscar em 1977, em favor dos palestinos. A embaixadora da UNICEF que pagou a fiança de US$ 50 mil para libertar o separatista Akhmed Zakayev, da Chechênia, preso pelo governo russo. Olhos nos olhos ela nos conta que, pior do que a guerra, pior do que a escravidão, só mesmo a corrupção. Onipresente, ela não é o mal do século. É o mal da humanidade, nos garante a rainha-escrava.

Nos anos 80, a atriz foi acusada de participar de um equema de corrupção no Partido Revolucionário dos Trabalhadores (WRP), organização marxista inglesa de tendência trotskista, comandada por, entre outros, seu irmão, Corin, e da qual foi militante até 1986. A acusação era a de que o partido receberia ajuda financeira do Iraque de Hussein e da Líbia de Khadafi. Em tempo: nada ficou provado contra os Redgrave.

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