segunda-feira, fevereiro 16, 2009

CORALINE

O filme está em cartaz nos cinemas Brasil desde sexta e é uma delícia. Aqui o texto que escrevi para o UOL:

"O livro já foi feito; no cinema tem que ser outra coisa", diz Neil Gaiman sobre "Coraline"

EDUARDO GRAÇA
Colaboração para o UOL, de Los Angeles

Já seria o bastante dizer que "Coraline" é uma excepcional adaptação para o cinema do mundo maravilhoso criado por Neil Gaiman, autor do premiado livro que deu origem ao filme. Mas a direção de Henry Selick (o mago por trás de "O Estranho Mundo de Jack", de Tim Burton) e a decisão de se produzir o filme todo em 3D transportaram as aventuras da jovem rebelde e insatisfeita com seus pais literalmente para uma outra dimensão. A psicodelia das imagens hipnotiza o espectador e vale a pena assistir ao filme em 3D: o futuro do cinema já chegou, e é sensacional.

Divulgação
"Coraline e o Mundo Secreto" estreia nesta sexta (13) nos cinemas; filme é inspirado em livro de Neil Gaiman

Quando decidiu levar sua "Coraline", lançada em 2002, para a tela grande, Neil Gaiman (autor de "Stardust", "Sandman" e do roteiro de "Beowulf") conta que ficou ao mesmo tempo feliz e intrigado ao saber que a ideia do estúdio era fazer um filme convencional, "de carne e osso", e não uma animação. Quando o projeto foi parar nas mãos de Henry Selick e Dakota Fanning pediu para encarnar a protagonista, uma menina de cabelos azuis, filha de pais escritores, entediada em uma casa nos confins do meio-oeste americano, ele quase vibrou de felicidade.

Mas e os cabelos azuis? E o jardim das delícias na casa dos pais imaginários e perfeitos de Coraline? E a passagem secreta para o outro lado da casa? Como ficariam no cinema? "Pensava no uso de efeitos especiais, naquelas inserções digitais e balbuciava, sozinho: 'não!'", conta Gaiman.

Divulgação
Neil Gaiman no lançamento de "Coraline" nos EUA

Quando o primeiro roteiro de Selick chegou em suas mãos, Gaiman se assustou. "Vai parecer maluquice, mas o que eu achei estranho era o fato de o roteiro ser excessivamente fiel ao livro. Liguei para o Henry [Selick] e disse: 'meu caro, liberte-se'. O livro já foi feito, no cinema tem de ser outra coisa", conta Gaiman, em entrevista ao UOL realizada em um hotel de luxo de Santa Mônica, nos EUA.

O recado de Gaiman foi a deixa para que Selick convencesse o estúdio a criar um mundo absolutamente surrealista, repleto de cores, possibilidades e invenções, na animação favorita de críticos e público na temporada de inverno americana. E o melhor: totalmente produzida em 3D.

Selick lembra que quando dirigiu "O Estranho Mundo de Jack", viu alguns stills em 3D do set de filmagem e saiu cismado com a idéia de que não havia "dividido a experiência completa de nossa criação com o público".

Duas cenas em seu mais novo filme parecem reforçar sua teoria: as flores tomando forma e desaparecendo no jardim e o confronto final entre Coraline e a Outra Mãe, que se transforma em uma figura mitológica, uma espécie de aranha que em sua fúria ultrapassa em muito os limites da tela. A teia que se move na frente dos olhos do público é uma das grandes sacadas de Selick.

Filha rabugenta
O filme, que estréia nesta sexta-feira (13) nos cinemas brasileiros, conta a história de Coraline, baseada, por sua vez, na rabugice e no charme da filha mais velha de Gaiman. "É exatamente como mostra o desenho; ela era uma menina com idéias bem próprias que se entediava com a ideia de seus pais estarem o tempo todo em trabalhando com prazos apertados. E me perturbava me mostrando as histórias que ela tinha escrito no colégio, sempre com uma menina como heroína, mas não uma menina frágil, e sim decidida. Comecei a pensar que aquele cenário todo daria uma bela história", conta Gaiman.

Quando Selick convenceu o estúdio a partir para a animação, não sabia que iria comandar uma equipe gigantesca, com 20 mesas de filmagem, 30 animadores e 50 sets em miniatura. A reportagem do UOL pôde ver as maquetes em miniatura - com cerca de 25 centímetros - de cada personagem, criado por especialistas em marionetes importados dos quatro cantos da Europa.

Divulgação
Henry Selick no lançamento de "Coraline" nos EUA

Novo personagem
Com orelhas pontudas, cabelo liso repartido minuciosamente no meio e uma testa proeminente, Selick parece um elfo saído diretamente de "O Senhor dos Anéis" para o litoral californiano. Os olhos, sempre muito abertos, não piscam quando ele conta de uma maiores dificuldades e prazeres da produção de "Coraline": como ela é uma menina, foi necessário providenciar nada menos do que nove pares de roupas e vestidos para a fashion radical. "Elas ajudam a contar a história de forma intensa. Foi também a partir dos moldes que pensamos em criar um dos personagem, o velho russo do circo, com proporções maiores do que os demais. E também trouxemos uma nova criatura, que não existe no livro, um amigo que mora ao lado e que será fundamental para a resolução da história", conta Selick.

No desenho animado, somos apresentados a Wybie Lovat, o vizinho que aumenta o tom de suspense do filme. "Este foi o único momento em que fiquei apreensivo ao ler o roteiro final. Ora, se há algo definitivo a respeito de "Coraline" é o fato de se tratar de uma história em que uma menina é a grande protagonista. Mas percebi que Wybie era perfeito para estabelecer a ponte de afeição e entendimento que nos levará ao desfecho, fundamental para a versão cinematográfica", diz Gaiman.

Alem de Coraline Jones e Wybie Lovat, o filme também mostra seus pais "verdadeiros" e "falsos" (as duas mães receberam a voz de Terri Hatcher, do seriado "Desperate Housewives"), o gato falante, as ex-estrelas do teatro, as senhoras Spink e Forcible (vividas pelo impagável duo inglês Jennifer Saunders e Dawn Fench), e o senhor Bobinski, o russo apaixonado pelo circo,

Nas palavras do próprio Selick, sua Coraline é um mix de "Alice no País das Maravilhas" com "O Estranho Mundo de Jack". Tiradas de humor são mescladas com imagens aterrorizantes, como os botões que substituem os olhos dos que decidem permanecer no mundo paralelo habitado pelos pais falsos e aparentemente perfeitos de Coraline.

"Meu objetivo foi criar um desenho ao mesmo tempo original e atemporal, daí a opção pelo 3D. Sabia que seria arriscado, mas qual o prazer se não se arrisca um pouco nesta vida?", diz Selick. Como nos EUA, "Coraline" será apresentada no Brasil na versão convencional e em 3D.

Se o leitor tiver a oportunidade, não hesite: encare filas se for preciso, mas veja o filme em 3D. E tente não se deliciar com as flores psicodélicas e a audiência de cachorros no teatro imaginado pelas mentes privilegiadas de Gaiman e Selick. Ah, e não perca a surpresa nos créditos finais.

Nenhum comentário: