segunda-feira, julho 14, 2008

Entrevista/STEPHEN DUNCOMBE (NYU)

Saiu neste fim de semana, no Terra, minha conversa com o professor Stephen Duncombe, da NYU. O sociólogo fez uma análise interessante sobre o aspecto 'espetaculoso' da libertação de Ingrid Betancourt e outros 14 reféns pelo exército colombiano e afirmou que a ação, ao contrário do que muita gente acredita, pode acabar prejudicando o candidato republicano à presidência, John McCain, que estava em Bogotá justamente no dia em que as FARCs sofreram o revés.

Analista: resgate de reféns pode atrapalhar McCain
Sexta, 11 de julho de 2008, 20h41

EDUARDO GRAÇA
DIRETO DE NOVA YORK


Na semana passada o exército da Colômbia, libertou 15 reféns das Farc, incluindo a ex-senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt, três americanos e 11 policiais e militares colombianos. Para o professor Stephen Duncombe, da Universidade de Nova York (NYU), o episódio mais atrapalha do que ajuda o candidato republicano à presidência dos EUA, senador John McCain, que estava visitando a Colômbia no momento em que a libertação das vítimas da guerrilha marxista era anunciada.

Autor do livro Dream: Re-Imaginging Progressive Politics in an Age of Fantasy, o sociólogo conversa sobre a espetacularização da política, a manipulação da opinião pública nas democracias modernas e a face mais moderada apresentada pelo candidato democrata, Barack Obama, em busca dos votos dos independentes que decidirão as eleições de novembro.

A seguir, a entrevista com Duncombe.


Em editorial, o Financial Times celebrou a libertação dos reféns como a operação militar mais bem-sucedida desde que os israelenses invadiram o avião tomado pelos militantes palestinos em Entebbe, na Uganda, há 32 anos. O senhor concorda que foi um feito e tanto do governo Uribe?
Não há dúvidas de que a operação foi um grande sucesso. A questão é que tipo de sucesso foi este. Foi um golpe de propaganda brilhantemente executado. Todos os ingredientes estavam lá: reféns de alto gabarito, um elenco internacional, espiões infiltrados, dois presidentes (Uribe e Sarkozy) e um candidato (McCain) à presidência jogando pesado no episódio e um ato perfeito de resgate. Sem esquecer da campanha da mídia - com vídeo mostrando os reféns na selva sendo levados por seus algozes e depois, no helicóptero, celebrando sua libertação com lágrimas nos olhos. Aqui nos EUA, pelo menos, todos os órgãos de imprensa apresentaram histórias quase que idênticas, o que, em geral, é resultado de uma ação de imprensa cuidadosamente planejada. Foi uma operação tão brilhante que parece um filme. A rede de televisão ABC chegou a dar na chamada de suas reportagens sobre o tema o título Fugindo do Inferno (The Great Escape, em inglês), título do filme de 1963 com Steve McQueen sobre soldados aliados escapando de um campo de concentração alemão.

Parece que o senhor acredita em algum grau de ficção no resultado da operação...
Não! Não estou afirmando que acredito que a operação tenha sido uma completa obra de ficção e que as Farc tenham sido compradas. Neste momento, nós não sabemos o que de fato aconteceu. E o ponto aqui é outro: o que estou dizendo é que, ainda que o resgate tenha sido real, ele foi sim encenado. A política, hoje em dia, pressupõe o espetacular, e o ato político da semana foi particularmente bem executado, bem encenado.

O senhor acredita que esta vitória política de Uribe ajuda o Partido Republicano de alguma maneira? A presença de John McCain na Colômbia, o principal aliado dos EUA na América do Sul, não reforça a idéia de que ele é mais bem preparado do que Barack Obama quando se trata de relações internacionais e questões de segurança?
Não há dúvida alguma de que o sucesso de Uribe aumenta sua importância em Washington, assim como a presença de McCain no momento e no lugar exato o conecta de forma firme com o sucesso do resgate. Mas foi mesmo coincidência a presença dele lá? Talvez, mas se você de fato acredita nisso, parabéns, você é um dos últimos ingênuos da face da Terra. Uribe sabe que se McCain for eleito sua relação com Washington será a mesma - ou seja, o país seguirá recebendo a maior ajuda financeira dos EUA na América do Sul. Não seria difícil avisar aos auxiliares mais próximos de McCain que seria uma boa idéia o senador visitar o país em determinado momento. Claro, isto é pura especulação minha e espero que repórteres sérios continuem a investigar o tema até que saibamos todos os detalhes desta operação, inclusive os relacionados à eleição de novembro.

Mas então o resgate dos reféns ajuda a candidatura McCain?
Aí está a grande ironia desta história. Não ajuda muito, não. Nós, americanos, estamos tão focados nos assuntos domésticos, como nossa economia fraca e o preço exorbitante da gasolina que pouco se prestou atenção ao resgate de alguém que estava em cativeiro por tanto tempo. Veja bem, o resgate ganhou imensa atenção a curto prazo da mídia americana mas já será esquecido completamente na semana que vem, justamente como os últimos episódios de American Idol e Survivor (dois dos reality shows de maior audiência nos EUA). Este é o preço que se paga ao se viver em uma sociedade saturada por entretenimento. Tudo se torna um espetáculo para se consumir, e, depois, esquecer. Enquanto isso, a realidade de se pagar US$ 4 por um galão de gasolina e ser colocado na lista negra do cartão de crédito são acontecimentos do dia-a-dia que as pessoas não têm como expurgar.

Há também o fator de ligação entre McCain e Bush, os dados negativos da economia o afetam mais do que a Obama...
Sim, e também no caso dos reféns libertados! A administração Bush é mais do que famosa por sua criatividade ao lidar com a verdade e a realidade que nos cerca. Então, ainda que o resgate não tenha sido uma obra de ficção completa e McCain não tivesse sido convocado para aparecer na Colômbia naquela época, aqui nos EUA boa parte do público vê a operação com grande desconfiança.

Outro aspecto incômodo é o fato de que se falou muito em Ingrid Betancourt, um pouco menos sobre os americanos libertados e absolutamente nada sobre as centenas de reféns colombianos que seguem em poder das Farc. O senhor concordaria que o esforço mais do que válido em libertar a ex-senadora franco-colombiana deixou em segundo plano pais e mães de família que seguem em poder da guerrilha?
Eu diria que cada história precisa de um herói e de um vilão. Na narrativa que vimos esta semana, as centenas de reféns se transformaram, sim, em coadjuvantes anônimos.

O presidente Uribe chegou a 80% de aprovação popular, de acordo com pesquisas, após o sucesso da operação de resgate, aumentando as possibilidades de uma alteração na constituição colombiana, afim de criar-se a chance de um terceiro mandato. O senhor acredita que a manipulação da opinião pública é parte inerente da democracia?
Sim, sempre foi. Mas é importante pensar que apenas quando a voz do povo (e seus votos) realmente interessa é que há um esforço para manipulá-lo. Em outros regimes o povo é simplesmente manipulado e brutalizado. No entanto, utlizar uma crise para ganhar aprovação popular é um negócio arriscado. Os nazistas souberam usar esta tática com grande efeito no incêndio do Parlamento em 1933. A administração Bush fez o mesmo com os ataques às Torres Gêmeas em 2001. Mas não podemos esquecer as bombas no metrô de Madri em 2004, que derrubaram o governo conservador após uma tentativa de explorar o evento eleitoralmente. Ou a tentativa de libertar os reféns americanos no Irã que afundaram de vez o governo Carter em 1980. O que teria acontecido se o resgate da semana passada, por alguma razão, tivesse sido um fracasso? Qual seria agora a aprovação de Uribe?

Este mês um assessor próximo de McCain disse à revista Fortune que um ataque terrorista aos EUA, inegavelmente, ajudaria a candidatura republicana...
Pode ser que eu seja o inocente-mor agora, mas não consigo imaginar John McCain desejando um atentado em solo americano. Já a velha turma de Bush; Karl Rove, Dick Cheney, Donald Rumsfield, hum, aí seria uma outra história.

Analistas foram enfáticos ao apontarem semelhanças entre a maneira como o resgate foi feito na Colômbia e as iniciativas do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, que conseguiu a libertação de reféns usando sua influência sobre lideranças das Farc. Pareceu-me um clássico caso de apropriação de uma tática usada por um governo dito de esquerda por um considerado conservador. Em seu livro mais recente, o senhor incitava os setores progressistas a utilizarem métodos de apropriação da mídia que os republicanos aprimoraram nos EUA, a adotaram a espetacularização da política de modo ético. O senhor acredita que a canditaura Obama possa ser a resposta para o que o senhor denomina dreampolitik?
Na semana passada, Obama anunciou que vai aceitar sua escolha como candidato à presidência pelo Partido Democrata em um ginásio esportivo aberto ao público e não em uma sala de convenções, como tem acontecido na política americana desde os anos 30. E ele fará isso no mesmo dia em que, 45 anos atrás, Martin Luther King pronunciou seu famoso discurso "Eu Tenho um Sonho". Ou seja, a campanha de Obama entende o poder político do espetáculo e da necessidade de sonhar, da fantasia. Curiosamente, o anúncio de Obama sobre a convençao de Denver foi justamente o que tirou do topo das notícias aqui nos EUA o resgate na Colômbia!

Como o senhor vê a movimentação de Obama em direção ao centro político, anunciando anistia para as companhias telefônicas que participaram do programa de escuta inciado pelo governo Bush e suas novas declarações sobre a guerra do Iraque e o direito de porte de armas nos EUA?
Trata-se de um movimento-padrão nas eleições americanas, que sempre ocorre apos os candidatos assegurarem suas nomeações. Foi o que George W.Bush fez com seu "conservadorismo de compaixão" a fim de atrair os independentes nas eleições de 2000. É um movimento inteligente, já que os liberais neste país estão tão sedentos por uma vitória que votarão por Obama não importa o que ele diga. Mas a questão agora é saber qual é o Obama real: o esquerdista liberal que venceu as primárias do Partido Democrata ou o conservador que quer vencer as eleições? Há algo importante a ser dito aqui, de qualquer modo, há neste momento um realinhamento das forças liberais nos EUA, exatamente como aconteceu com os conservadores vinte anos atrás durante os anos Reagan. Creio que Obama está desenvolvendo uma nova linguagem para a esquerda, tentando recapturar parte do idealismo e do auto-sacrifício proposto por John Kennedy em 1960, ao mesmo tempo em que abandona a retórica da vitimização que atravancou o Partido Democrata desde o fim dos anos 60.

Um comentário:

Olga de Mello disse...

Eu também achei tão interessante que os três gringos americanos estivessem no mesmo acampamento que a Bettancourt... Se vc tem reféns preciosos, porque vai juntá-los todos no mesmo local?
Tudo bem que eu jamais cometi seqüestros, mas, pense bem. Por que eles teriam todos os reféns importantes agrupados?
Que a ação é legítima, a gente percebe pela reação dos reféns ao subirem no avião. Ingrid está contrita, tem um cara fazendo um discurso raivoso. Depois, eles estão felicíssimos, radiantes mesmo. Não dava para falsear isso. Agora, bem que podem ter pago um resgate, claro. Com a palavra, Oliver Stone.