segunda-feira, abril 14, 2008

CARTA CAPITAL/Eleições

A Carta Capital publicou esta semana minha reportagem sobre a corrida eleitoral aqui nos EUA e as (muitas) histórias de falcatruas e fraudes nas eleições norte-americanas. A reportagem nasceu de uma conversa que tive com a amiga Maria Rezende, no Humaitá, Rio, quando acompanhávamos, nariz grudado na tevê, os votos na super-terça-feira das primárias democratas.

NOSSO MUNDO


Os Riscos do Tapetão
POR EDUARDO GRAÇA, de Nova Iorque

Raça, gênero, recessão, cobertura universal de saúde, ocupação do Iraque. Enquanto pesquisas de opinião são encomendadas diariamente pelos três principais candidatos à Casa Branca a fim de entender os temas mais caros aos eleitores, a guerra fratricida entre os senadores Barack Obama e Hillary Clinton pelo tíquete democrata voltou as atenções para um dos problemas mais graves da democracia norte-americana - a falta de transparência. “Não dá para saber com exatidão o quão suja as eleições de novembro serão, mas há esta regra oficiosa sobre as eleições aqui nos EUA: quanto mais apertada é a briga, quanto mais expectativas são colocadas nos candidatos e quanto mais poder é concentrado em um mesmo partido em nível estadual, aumentam os riscos de o processo ser mais viciado, com clara manipulação eleitoral”, diz Andrew Gumbel, correspondente do jornal britânico The Independent e autor de Steal This Vote: Dirty Elections and the Rotten History of Democracy.

Lançado em 2005, o livro se transformou em uma espécie de compêndio das mazelas eleitorais nos EUA. Com relatos que vêm desde o século XVIII e chega às duas contestadas vitórias de George W. Bush, Gumbel bate na tecla de que voto justo por aqui sempre foi uma exceção à regra de desmandos, compra de votos e legislação hermética, utilizada pelos dois grandes partidos – tanto republicanos quanto democratas – para manter-se no poder a todo custo. Algo assim como uma República Velha eternizada sob a imagem de maior democracia do mundo ocidental. E as primárias democratas deste ano, com a disputa apertada entre Obama e Clinton, só intensificam os receios do que temem por uma disputa a ser resolvida, mais uma vez, no tapetão. Em Ohio, que acabou dando uma vitória importante para Clinton, a campanha do senador de Chicago denunciou que, nas áreas urbanas, aonde os simpatizantes de Obama eram franca maioria, centenas de eleitores foram informados de que só haviam disponíveis cédulas eleitorais para votar nos candidatos republicanos. Muitos outros voltaram para casa pois seus nomes simplesmente não apareciam nas listas de votação.

O vale-tudo eleitoral de Ohio e a importante vitória de Hillary no Texas não modificaram o tabuleiro de xadrez do Partido Demcorata. A senadora não teria mais como ultrapassar, matematicamente, Barack Obama, nem na contagem dos delegados nem no voto popular. Mas pode ser a ungida na Convenção Democrata de agosto, em Denver, Colorado, se conseguir a maioria dos 796 superdelegados, um colégio eleitoral à parte, formado por governadores, senadores, ex-presidentes, comandantes estaduais do partido e deputados. Na manhã seguinte às chamadas Primárias dos Quatro Estados (Ohio, Texas, Rhode Island e Vermont), Harold Ickes, um dos principais conselheiros de Hillary, avisou que a estratégia da senadora, a partir de agora, seria convencer estes superdelegados – há cerca de 330 ainda não-comprometidos - a anunciarem seu apoio apenas na convenção. “Nós vamos fazer de tudo para convencê-los de que Obama não é o candidato mais forte para enfrentar McCain em novembro”, afirmou. Uma das primeiras reações de Obama foi o discurso, considerado histórico, desta terça-feira, em que repudiou a retórica tida como radical de seu pastor em Chicago, o reverendo Jeremiah A. Wright Jr., e pregou ser o candidato da conciliação racial, que pode levar a nação a uma nova era de congregação e solidariedade. Mas o fato é que, depois de tanto carnaval e de levar milhões às urnas, há o claro risco de que o candidato democrata à presidência seja escolhido pelos caciques do partido.

Risco que deixou enfezado nova-iorquinos que moram em áreas aonde o apoio popular à candidatura Obama não impediu que seus respectivos superdelegados declarassem o apoio a Hillary. Geoff Johnson, morador de Crown Heigts, Judy Goldberg, que vive no mais afluente Park Slope, e Michael O’Regan, de Fort Greene, todas áreas de classe média no Brooklyn, resolveram começar campanhas para pressionar os delegados – no caso os deputados Yvette Clarke e Edolphus Towns - a aceitarem o voto popular e oficializarem o apoio a Obama. “Vai ser suicídio eleitoral se Obama chegar em agosto com mais estados e mais votos populares e os caciques decidirem por Hillary”, disse Johnson, em entrevista ao semanário Village Voice. Os três ameaçam ficar em casa em novembro se as regras herméticas – e pouco democráticas, de acordo com os três simpatizantes da candidatura do senador negro – das primárias Partido Democrata desrespeitarem o voto popular. A confusão é tanta que uma modificação no calendário eleitoral, feita à revelia da presidência do partido, fez com que os delegados de Flórida e do Michigan, dois estados importantes e que penderam para Hillary, sejam desconsiderados na convenção, provocando mais descontentamento entre os eleitores democratas. Os republicanos, unidos em torno da candidatura do senador John McCain, agradecem tanta anarquia.

Andrew Gumbel pondera que os enfezados eleitores não podem ignorar que os superdelegados foram criados, no começo dos anos 80, justamente para que os comandantes do partido tenham a palavra final na escolha do candidato presidencial. “É verdade que as coisas nunca chegaram a este ponto, mas este sistema foi criado para combater candidatos como Jesse Jackson, que tinha uma grande entrada entre os eleitores negros e do sul do país mas não era bem-quisto pelo establishment do partido. Não deixa de ser fascinante o fato de Obama ter conseguido levar os democratas, de forma inédita, a discutir com quem ficar em novembro – o que tem mais votos ou a favorita da cúpula? Ao abrir espaço para esta questão ele já deu um passo importantíssimo em direção à democracia representativa de fato, deixando para trás a velha política do cala-a-boca de cima-para-baixo que sempre imperou nos dois partidos”.

Já pensando na grande batalha de novembro, o The New York Times, jornal mais influente do país, pediu em editorial uma ‘briga justa e limpa’ este ano. O texto começa de forma impiedosa: “Se a história recente nos servir de guia, as eleições deste outono serão manchadas pela supressão do direito de voto e por cínicas e sujas armações eleitorais”. O jornal implora ao Congresso pela aprovação em tempo hábil de projetos de lei que poderiam ‘diminuir os descalabros’ vistos nos últimos anos. Um deles busca suprimir o chamado ‘vote-caging’, quando um candidato de um distrito claramente dominado pelo partido adversário envia pelo correio cartas a fim de confirmar se de fato o tal eleitor vive naquela municipalidade. Se o Correio retornar a carta com a justificativa de que foi ‘impossível contatar o destinatário’, é possível impugnar o direito de voto do cidadão. Em Louisiana, um importante líder republicano confirmou ao NYT que ‘esta é uma estratégia válida para diminuir o peso do voto do eleitor negro, tradicionalmente mais próximo dos democratas’. O projeto do senador democrata Sheldon Whitehouse prevê que, para impedir o voto do eleitor, os fiscais eleitorais precisarão de uma prova real de mudança de localidade ou falecimento.

Irregularidades, incluindo o voto dos mortos, acontecem sem que haja uma Justiça Eleitoral per se. Nos EUA, as questões jurídicas envolvendo qualquer pleito passam pelos governos estaduais. “É uma anomalia o fato de os EUA não terem pelo menos uma comissão eleitoral centralizada que implemente regras gerais para as eleições”, diz Gumbel. O escritor destaca, no entanto, alguns esforços feitos por alguns estados após o fiasco das eleições presidenciais de 2000, em que Al Gore venceu no voto popular mas perdeu para George Bush no colégio eleitoral e levou a briga até a Suprema Corte. Um dos avanços é a obrigação de se aceitar o chamado ‘voto provisório’ (de cidadãos impossibilitados de provar imediatamente sua condição de eleitores por falta de documentação, mais comum em minorias como negros e hispânicos) em todas as jurisdições do país. “Mas isso não é nada frente ao que se precisa fazer para combater a corrupção eleitoral no nível distrital, que segue intensa”, diz o jornalista.

2 comentários:

Patrick disse...

Os dois livros de Greg Palast, "A melhor democracia que o dinheiro pode comprar" e "Armed Madhouse" também tratam desse tema.

Eduardo Graca disse...

Oi Patrick, bela lembrança!