quinta-feira, maio 04, 2006
Diretinho da Redação (43)
A coluna da semana, a um clique, no DR e aqui embaixo:
QUE PAÍS É ESSE?
Parece tema secundário e a grande imprensa não vem dando a atenção que ele merece. Mas a reação da sociedade civil americana à tragédia de Darfur, no Sudão, vem conseguido uma façanha: unir, em um mesmo espaço físico, um país que desde o 11 de setembro se viu dividido entre ‘vermelhos’ e ‘azuis’, ‘republicanos’ e ‘democratas’, ‘belicistas’ e ‘pacifistas’, ‘neoliberais’ e ‘neoconservadores’, pró-imigrantes e xenófobos, ‘pro-life’ and ‘pro choice’.
No último domingo, milhares de americanos se uniram no National Mall, em Washington, em frente ao Capitólio, para protestar contra os três anos de anarquia total no distante Sudão. O movimento Salve Darfur conseguiu um garoto-propaganda de peso: o ator George Clooney, que acaba de voltar da África. Ele conta, horrorizado, que viu vilas inteiras dizimadas, crianças assassinadas, outras de arma em punho. Que o governo do Sudão fecha os olhos para as milícias de tribos árabes – os janjaweed - que estariam dizimando a população negra do oeste do país. Dezenas de sudaneses negros refugiados nos EUA contaram para o público histórias tenebrosas, de ‘limpeza étnica’, pois os massacres já chegaram às vilas do Chade, do outro lado da fronteira. E as vítimas são sempre negros.
De acordo com a ONU já são três milhões de desabrigados, pelo menos 200 mil mortos e sete mil soldados da União Africana (UA) estacionados no país. Depois de pressões de grupos de direitos humanos, o Congresso americano aprovou uma resolução classificando de genocídio o que acontece no sul do Egito. O resultado prático – além do aumento de doações do governo Bush a entidades filantrópicas criadas para ajudar os refugiados sudaneses – foi a formação de uma aliança entre as poderosas comunidades judaica e negra sob o polêmico slogan ‘Genocídio – Nunca Mais’.
No domingo que passou impressionava a quantidade de jovens americanos de origem judaica acampados em frente ao Congresso. Alguns deles me contaram que cansaram de ouvir as histórias de seus antepassados sobre o holocausto, mas que jamais imaginaram um dia sair às ruas de seu país para exigir a preservação da vida de um outro grupo étnico. Agindo desta maneira, me diziam, se sentiam ‘mais judeus’. Dois dos oradores mais aplaudidos por eles, na ordem, foram o reverendo negro Al Sharpton, um liberal exaltado, e o escritor Elie Weisel, sobrevivente do terror nazista e um dos remanescentes de Auschwitz.
Apesar de alguns dos oradores representarem a comunidade muçulmana nos EUA, boa parte dos manifestantes deixava claro, em faixas e cartazes, que concordam com a idéia de apertar o certo ao governo de Khartoum, mas recusam uma ação militar, tônica do discurso negro-judaico. Os democratas – um animado grupo de senhoras, cadeiras a tiracolo, revelava que desde o Vietnã não participava de manifestações de rua – mantinham sua postura internacionalista pedindo ao governo que ‘saia do Iraque e entre no Sudão, mas com o apoio da ONU’. E os ‘socialistas libertários’ e os setores ligados ao Partido Verde distribuíram material pedindo cautela, lembrando que o governo sudanês é um aliado do Irã e da Síria, inimigos de Bush Júnior e que, dado o desastre da ocupação no Iraque, uma nova intervenção americana poderia piorar ainda mais a situação. Mas estavam todos lá, acreditando que é preciso fazer algo.
Sim, os americanos continuam indo fundo no que olham, mas não no próprio fundo. Em um domingo de tantos discurso não se ouviu uma única menção à opressão israelense na Palestina ou o lobby judaico que distorce a política externa de Washington. Também ignorou-se solenemente as manifestações dos imigrantes sem-documentos, os refugiados da miséria, que, no dia seguinte, parariam o país em uma série de manifestações pacíficas que entraram para a história dos EUA. Mas a manifestação de Washington mostrou que estes americanos de idéias e origens tão diversas ainda podem dividir a mesma grama. Já é alguma coisa.
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