sexta-feira, outubro 28, 2005

Eu & Cultura - Valor Econômico de 28/10




Amigos, deixei o blog um pouco de lado, por conta da quantidade de reportagens que estive tocando nas duas últimas semanas. Esta aqui, sobre a ascensão da pornografia digital em terras de Uncle Sam, que inclui um bate-bola com a jornalista Pamela Paul, autora de 'Pornified", acaba de sair, neste fim de semana, no Valor Econômico.

TUDO O QUE VOCÊ GOSTARIA DE SABER SOBRE SEXO

Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor

Eles são jovens e decidiram encarar de frente o que consideram ser um aspecto sufocante da atual cultura pop americana: a pornografia. Colaboradora da revista “Time”, Pamela Paul escreveu ‘Pornified: How the Culture of Pornography Is Changing Our Lives, Our Relationships and Our Families’, um libelo contra os efeitos da exposição à pornografia vinte e quatro horas por dia que será lançado no Brasil pela Editora Cultrix. Repórter da “New York”, Ariel Levy acaba de lançar ‘Female Chauvinist Pigs: Women and the Rise of Raunch Culture’, em que cerra fogo contra uma visão vulgarizada da sexualidade feminina. E dois pastores da costa oeste, Craig Cross e Mike Foster, criaram a única igreja do mundo dedicada exclusivamente ao combate da pornografia. Afinal de contas, o que está acontecendo de tão intrigante assim na vida sexual dos americanos?

Pamela Paul, ‘trinta e poucos anos’, decididamente não gosta do que vê. Ela decidiu escrever ‘Pornified’ depois de terminar, há pouco menos de dois anos, uma reportagem para a ‘Time’ intitulada ‘O Elemento Pornô”. Os anos 90, conta, trouxeram o que ela qualifica de ‘massificação da pornografia’, com sua transformação em valor positivo, libertador e ‘cool’ dentro da cena cultural americana.

“O Elemento Pornô” se tornou a reportagem mais procurada e enviada por e-mail pelos assinantes da “Time”. Todos queriam ler a história dos homens que admitiam não conseguir mais manter uma ereção com suas esposas de 40 anos ou namoradas de 25. O motivo: elas não se pareciam nada com as estrelas pornográficas que passavam o dia, fogosas e lampeiras, nas telas de seus computadores.

Para investigar os efeitos da pornografia no cidadão comum, a repórter entrevistou mais de uma centena de pessoas e contratou um instituto de pesquisas. Os dados encontrados resultaram em um livro controverso, desde a capa – uma calcinha com as cores da bandeira americana, de dimensões mínimas, pendurada por pregadores em um varal. Por “Pornified” passam personagens como as meninas interessadas em criar seu próprio site erótico, a mulher que descobre a caixa secreta do marido com disquetes repletos de imagens de pornografia infantil e os garotos que gravam, exatamente como em um caso recente no Rio de Janeiro, suas relações sexuais com as adolescentes da escola.

Um mundo em que a intimidade é substituída pela valorização extrema da fantasia, do cinismo, da constante insatisfação e do isolamento emocional. E em que espectadores passivos vêem de casa, em rede de tevê aberta, os seios de Janet Jackson, para logo depois correr para a internet a fim de conferir o vídeo explícito de Paris Hilton, guardando um tempinho para devorar a autobiografia da atriz pornô Jenna Jameson, durante meses na lista dos mais vendidos na categoria não-ficção dos principais jornais do país. “A pornografia está em todos os lugares. Ela se tornou ‘hip’, sensual e divertida. É, oficialmente, parte de nossa rotina e interfere de modo inequívoco com a vida real”, diz a autora.

Se “Pornified” foi recebido por liberais como uma apologia alarmista dos tempos ‘neo-conservadores’ de Bush & cia, “Female Chauvinist Pigs” percorre caminhos diversos para chegar a conclusões parecidas. Para Ariel Levy, 30, o problema se agravou com as políticas neo-conservadoras: “Eu discordo de que a cultura americana seja sexualizada em demasia. É exatamente o oposto. Nós ainda estamos tão desconfortáveis com a complexidade do sexo que precisamos nos cercar destas caricaturas de ‘gostosonas’ para aceitarmos o prazer e a paixão. E agora, com a educação sexual pública direcionada para a abstinência, os adolescentes ficam espremidos entre duas mensagens opostas e radicais – a política conservadora do ‘apenas diga não’ e o discurso do ‘quanto mais selvagem melhor’”.

Ariel batizou uma personagem já conhecida da maioria dos americanos– a ‘mulher chauvinista’. Se o ‘porco chauvinista’ era aquele que tratava o sexo oposto como mercadoria, as meninas agora se apresentam felizes como objetos sexuais. Um dos exemplos de ‘mulheres chauvinistas’ usados por Ariel são as protagonistas do filme “As Panteras”, que chegou ao topo da bilheteria em 2000: “As atrizes falavam o tempo todo de estarem encarnando ‘mulheres fortes’, ‘senhoras de si’, enquanto seu figurino era baseado no estilo ‘soft-porn’. E a seqüência, em 2003, exigiu que elas fizessem um strip-tease para vencer os antagonistas”.

Mas Ariel sabe que ali mesmo, no mundo das revistas, um novo gênero emerge como sucesso de público – as ‘Lad Mags’, que incluem títulos como ‘Maxim’ e ‘Stuff’, oferecendo celebridades fotografadas em minúsculas roupas nas posições mais ousadas. Quando conversou com as editoras das revistas, Ariel ouviu que ‘finalmente as mulheres conseguiram o direito de ler a ‘Playboy’, de não se preocupar com a fetichização e a misoginia’. Se os homens tinham o direito de se afirmarem como ‘porcos chauvinistas’, por que não as mulheres?

Os dois estudos chegam às livrarias ao mesmo tempo em que a Universidade da Califórnia divulga uma pesquisa comparativa sobre os hábitos sexuais dos jovens americanos. De acordo com o estudo, , publicado pela ‘Review of General Psicology” e que se debruça sobre um universo de mais de um milhão de jovens entrevistados em cinco décadas, de 1943 a 1999, a idade em que a maioria das mulheres perdeu a virgindade caiu dos 19 para os 15 anos de idade. E a porcentagem de adolescentes sexualmente ativa subiu de 13 para 47%. Se a geração do ‘baby boom’ teve sua iniciação sexual na universidade, a garotada de hoje começa a manter relações sexuais na escola secundária.

Uma mudança cultural, observa Ariel, muito veloz: “Apenas trinta anos atrás minha mãe estava queimado sutiãs e comandando um boicote à ‘Playboy’. Agora minhas amigas estão colocando prótese e vestindo camisetas do coelhinho como símbolo de liberação. Para mim, liberada e libertária ainda são termos bem díspares. E acho válido perguntar a nós mesmas se este mundo de ‘peitolas’ e ‘coxões’ que ressuscitamos reflete o quão longe nós chegamos ou apenas o quão longe nos deixaram chegar”.

Em uma de suas edições deste outubro, outra revista, a insuspeita semanal ‘Time Out-New York’ dedicava-se justamente a mapear a invasão da indústria pornográfica no cotidiano cidade. “Talvez por nossa herança puritana, nós lidamos com a pornografia em um arco que vai da hipocrisia à esquizofrenia”, justificou o editor Howard Halle, ao explicar aos leitores por que a revista decidira abrir na capa uma foto de uma perna não-identificada, usando meia arrastão com o carimbo: ‘cuidado, contém material explícito!’.

Halle lembrou que até mesmo os conservadores já se renderam ao vocabulário da pornografia como uma maneira mais direta de se comunicar com seu rebanho. Uma dupla de pastores da Costa Oeste, Craig Gross, 29 e Mike Foster, 34, decidiu, com sucesso, se dedicar ao ministério da anti-pornografia.“Um dia eu estava no chuveiro e Deus disse uma única palavra – pornografia. E assim tudo começou”, lembra Foster no documentário “Missionary Positions”, hit entre jovens cristãos.

No filme, o diretor Bill Day acompanha os pastores em suas peregrinações por feiras de eventos eróticos em Las Vegas, sets de filmes de sexo explícito em Hollywood, casas de reabilitação para viciados em sexo no Kentucky. A dupla revela sua missão: “recuperar os profissionais do sexo e ajudar a pobre massa de sofredores afetada pela praga pornô que toma conta do planeta”.

O que atraiu Day para o projeto foi a transformação de dois surfistas que se utilizam das gírias da chamada ‘geração Jackass’ para difundir uma mensagem religiosa de grande aceitação nos flancos conservadores do país. No endereço www.xxxchurch.com, com a paginação gráfica típica dos sites de sexo pago, seios são substituídos por sermões, atos sexuais por salmos, contos eróticos por depoimentos de gente que deixou de lado a ‘dependência pornográfica’ para seguir ‘uma nova vida’. O sucesso da ação da dupla pode ser medido pela centena de igrejas que já aderiram ao “Porn Sunday”, um pacote de pregações que inclui um ‘kit-pornô’ para se discutir o tema e a apresentação do documentário. Tudo a módicos US$ 2.500, utilizados para a compra de materiais eveangélicos. “As pessoas ainda pensam que a pornografia é apenas uma questão de foro íntimo. Mas de acordo com nossa experiência ela é a responsável por um terço dos divórcios neste pais”, prega Gross.

Halle lembra que o ‘Journal of Religion and Society’ acaba de publicar uma pesquisa mostrando que os Estados Unidos são a nação do Primeiro Mundo que têm a maior incidência de aborto e doenças sexualmente transmissíveis, exatamente pela presença maciça de campanhas religiosas conservadoras: “Vai ver que isso também explica nosso caso de amor e ódio com a pornografia”.

ENTREVISTA/ PAMELA PAUL

- Qual a diferença entre o momento que vivemos agora e os anos 80, quando os vídeo levou a pornografia para dentro de casa?

- É muito importante destingir sexualidade e pornografia, que é a representação comercial de certas formas de sexualidade. Tende-se a pensar na pornografia como um entretenimento inofensivo, mas há efeitos colaterais extremamente negativos para quem a consome, particularmente em quantidades cavalares e em tempo real. A invenção do vídeo-cassete mudou sim a maneira das pessoas lidarem com a pornografia. Mas os canais à cabo e a internet intensificou este processo. Ninguém precisa mais ir ao cinema de filmes adultos, diminuindo-se, assim, o risco e a vergonha. A indústria pornográfica é hoje um negócio anônimo, acessível e razoavelmente barato, muito diferente de vinte anos atrás.

- Quando uma pessoa pode começar a pensar que a pornografia é um problema em sua vida pessoal?

- Alguns homens que eu entrevistei para o livro me contaram que para conseguir chegar ao orgasmo eles tinham de imitar os movimentos do que viam na internet. Outros contavam que perdiam horas no computador, viciados na pornografia, e que não conseguiam se dedicar da mesma forma ao trabalho. E outros se descobriam assustados com seu excitamento por um lado mais ‘hardcore’, incluindo falsas cenas de estupro.

- - “Pornified” defende a tese de que, hoje em dia, é mais difícil evitar a pornografia do que encontrá-la...

- É muito difícil evitar a pornografia on-line porque ela surge nos lugares mais inesperados. Trata-se de um negócio lucrativo e seus criadores são insaciáveis na promoção de seu produto. Há detalhes perniciosos como os sites com nomes de personagens de Disney, com a pronúncia alterada, criados especialmente para atrair crianças.

- Você diria que a pornografia na rede afeta a educação sexual de adolescentes?

-Ela é bem diferente das velhas imagens de mulheres nuas da “Playboy”, é mais extrema e mais literal. Adolescentes muitas vezes não conseguem realmente entender o que estão vendo. Pior: muitas crianças entram em contato com este mundo antes da puberdade. Outro dia eu conversei com uma pediatra que tratou de crianças que repetiam cenas pornôs que viram nos computadores de seus pais.

- 11 milhões de vídeos pornográficos são alugados todos os dias nos EUA. Você não acha que é um tempo imenso dedicado à pornografia?

- O tempo aumenta com o incremento da oferta. Imagine se as bebidas alcoólicas passassem a ser aceitas normalmente durante o dia. Se, ao invés de cafés, os bares abrissem de manhã e todos tomassem um coquetel antes de ir para o trabalho. E, no escritório, ao invés do cafezinho, as pessoas bebessem goles do seu drinque favorito o dia todo. Obviamente, o consumo de álcool seria elevado ao cubo! É exatamente o que está acontecendo com a pornografia. Ela é tão acessível, tão naturalmente aceita, que as pessoas estão consumindo-a aos borbotões.

- E por que você acha que um governo tão cioso da moral e dos bons costumes não se dedica a uma cruzada contra a pornografia?

-Porque estamos lidando com uma indústria imensa, poderosa, com um lobby muito eficiente. A maioria das empresas de comunicação a vê como uma cliente endinheirada, disposta como poucas a investir em propaganda. E os republicanos são ardentes defensores do mercado livre, contrários a qualquer medida reguladora. Mais: a pornografia ainda é vista por muitos como um assunto ‘feminista’.

- Mas você não acha que, de fato, a pornografia heterossexual retrata as mulheres de uma maneira ofensiva?

- Claro que sim, e o livro da Ariel(Levy) trata com atenção deste aspecto. Eu penso que a pornografia apresenta uma visão limitada e negativa da sexualidade feminina. Não concordo que ela possa ser sensual ou liberalizante. Ela é estreita, comercial e estereotipada. Mas ela limita igualmente o papel do homem.

- Mas não há nenhum momento em que a pornografia possa ser saudável?

- O sexo é saudável, a fantasia pode ser saudável, a masturbação é saudável e representações artísticas e sexualizadas da realidade podem ser maravilhosas. A pornografia, não. É terrível viver em uma sociedade em que nossas idéias sobre sexualidade são mediadas pela indústria pornográfica a um ponto tal que muitos pensam no consumo de seu produto como um sinal de saúde sexual.

Um comentário:

ipaco disse...

Me meti a besta e fiz uns comentários sobre a Pamela no meu blog.