quarta-feira, novembro 02, 2005

Diretinho da Redação (34)



A AMERICANIZAÇÃO DA POLÍTICA BRASILEIRA

Já são favas contadas o referendo do dia 23 de outubro. Sim ou não? Ora, o que menos importou, já é consenso, foi se posicionar sobre a livre comercialização de armas de fogo e munição no território brasileiro. Mas, para além de uma derrota do governo ou de um recado dado pela população à classe política – uma versão verde-e-amarela do “Que Se Vayan Todos” – chama a atenção um aspecto pouco explorado das seqüelas deste plebiscito inoportuno: a galopante americanização da cultura política brasileira.

Um dos melhores textos sobre o que de fato aconteceu no dia 23 de outubro foi a análise de Wilson Tosta, no site ‘Vida & Política’, sobre a consolidação de um novo pensamento conservador brasileiro, ‘supostamente racional e capaz de dialogar com faixas do eleitorado que chamamos de progressista’. O jornalista chama a atenção para a tática de apreensão do imaginário popular a partir da ‘racionalização do irracional’. A direita brasileira deixa de lado os Sivucas e os Bolsonaros e substitui o ‘bandido bom é bandido morto’ por um discurso ‘aparentemente’ não-emocional, com ênfase no direito individual.

Depois do fim da ameaça vermelha, foi justamente este movimento – a substituição do medo dos comunistas, dos pobres, das massas, dos imigrantes, pela aversão aos homossexuais, aos pró-aborto, aos verdes – que impulsionou a sociedade americana a eleger por três vezes um presidente com sobrenome Bush e a transformar o Capitólio – inclusive nos dois governos Clinton – em domínio absoluto dos republicanos. Aqui, as chamadas ‘guerras culturais’ são centradas na idéia de que a ‘elite liberal’ é formada por milionários da Park Avenue e estrelas excêntricas de Hollywood, interessados em impregnar a sociedade de valores alienígenas à grande massa ordeira e trabalhadora. Valores que não se coadunam com a tradição puritana de um pais imaginado por missionários.

E o que nós temos com isso? Tosta conta que no Brasil vai-se erguendo diariamente um muro entre as ‘elites esclarecidas’ e o povo ‘abandonado’. A propaganda do ‘sim’ menosprezou este aspecto: o que pode me dizer esta gente que vive em condomínios fortemente protegidos com seguranças por todos os lados ou em suas coberturas na Vieira Souto, de frente para o mar? Se é bom para o Chico Buarque e para a Fernanda Montenegro, porque é que seria para mim também? Os defensores do não se apresentam como ‘gente comum’, distante dos privilégios das ‘celebridades’, interessados em preservar os ‘direitos individuais’ do grosso da população. Este raciocínio encontra campo naturalmente fértil no Brasil, com a notória incompetência do setor público para resolver nossos gigantescos problemas sociais.

Em um movimento raro na política brasileira, o plebiscito do dia 23 marca o avanço do conservadorismo para além de seu gueto social e político. Mais: ele se consolida como primeiro herdeiro oficial do PT ao tomar deste o discurso moralista que o impulsionou – na definição brizolista da ‘UDN de macacão’ – nas décadas que passaram. Esta inversão de papéis no tabuleiro político revela-se tão instigante quanto perigosa. Não é por acaso que próceres da ‘nova’ direita já decidiram centrar sua munição em alvos bem específicos: a redução do limite de idade (fala-se em 12, 13 anos) para a penalização de infratores jovens, a oposição à união civil dos homossexuais, o combate à regulamentação do consumo e venda de drogas e do aborto. Vem mais por aí.

links: DR: www.diretodaredacao.com
Vida & Política: http://www.blog-se.com.br/blog/conteudo/home.asp?idBlog=11888

Nenhum comentário: