domingo, abril 24, 2005
Diretinho da Redação (11)
Capitalismo de Desastre
O que Iraque, Indonésia, Sri Lanka, Afeganistão e Haiti têm em comum? São países que, por diferentes motivos, vivem às voltas com o que a escritora Naomi Klein batiza de Capitalismo de Desastre. Em artigo que ganhou a capa da The Nation que está nas bancas daqui, a autora do campeão de vendas Sem Logo aponta para a "ideologia da reconstrução", na verdade um disfarce para uma forma recauchutada do velho colonialismo de quinta categoria.
Klein conta que, em agosto último, em um ato que despertou pouco interesse da mídia, o governo Bush criou o cargo de Coordenador de Reconstrução e Estabilização, comandado pelo embaixador Carlos Pascual, dentro do poderoso Departamento de Estado. Curta e grossa, Klein não titubeia: "um governo que vem se dedicando a perpetuar a destruição prévia de países que não o atacaram agora cria um departamento para perpetuar a reconstrução prévia".
Do pequeno escritório de Pascual em Washington já foram traçados, em quase um ano de trabalho, cenários de "ocupação" e "reconstrução" para 25 países em todo o globo. Seus esforços já garantem à administração Bush a possibilidade de coordenar três "operações de reconstrução em larga escala em diferentes países, ao mesmo tempo, em um período de cinco a sete anos".
Em outubro, em uma conferência aqui no Center for Strategic and International Studies, Pascual contou que algumas empresas particulares, ONGs e think-thanks já foram até contratatados para reconstruir países que ainda não foram "destruídos". Para o governo Bush, trata-se de um bom negócio, pois esta antecedência "diminui em até seis meses o esforço de reconstrução". Klein conta que em Washington o escritório de Pascual é conhecido como o "daqueles homens que podem fabricar de fato um novo país". Se não se gosta do jeito que as coisas vão indo no Irã, na Síria ou na Venezuela, elabora-se um plano que vai dar o que se convencionou chamar aqui de 'choque social' no país invadido. E pronto.
O novíssimo Capitalismo de Desastre entra em cena como a faceta mais perversa do colonialismo do Terceiro Milênio, ainda interessado em levar a luz a terras nunca dantes civilizadas. Estas, agora, no entanto, não são mais os "novos mundos a serem descobertos", mas as muitas áreas em "estado de destruição" - seja por conta de tragédias naturais, como tsunamis e terremotos, ou por soldados armados. Atos de Deus ou de Bush, não importa. O que vale é "reconstruir".
Medo e desespero são as matérias-primas por excelência do Capitalismo de Desastre. Herman Kumara, líder de uma ONG dedicada a ajudar as famílias de pescadores desabrigadas no Sri Lanka, conta que seu país está enfrentando um "segundo tsunami de globalização corporativa e militarização". Moradores estão sendo forçados pelo governo a não reerguerem suas casas em frente ao mar. Estas áreas estão sendo entregues, diz Klein, a multinacionais interessadas em erguer uma série de resorts voltados para o tursimo de luxo. No Iraque, antes mesmo de a guerra terminar oficialmente, o governo americano anunciou a privatização de inúmeras indústrias estatais.
Um estupendo negócio, a "reconstrução" de países destruídos permite a empresas como a conhecida Halliburton fecharem contratos de US$ 10 bilhões cada para "ações de reestruturação" no Iraque e no Afeganistão. Não por acaso, o Banco Mundial vai cair agora nas mãos afoitas do Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Paul Wolfowitz. A lógica é crua: cabe a quem pôs abaixo a tarefa de reedificar o que ruiu.
No Haiti, o Banco já propõe uma "parceria em todas as decisões governamentais envolvendo os setores de Educação e Saúde" como contra-partida para um investimento de US$ 61 milhões. O Departamento de Estado de Bush mandou avisar que "recomenda" ao Haiti a imediata privatização de empresas ainda presas às amarras do setor público. Detalhe importante - no passado, o Banco negou repetidas vezes auxílio ao país por conta do caráter anti-democrático do governo Aristide, deposto em um golpe de Estado. Lá, como Klein e todos nós sabemos, coube aos soldados brasileiros o comando da Força de Paz da ONU. Tarefa árdua, inglória e, até onde se sabe, sem conexão direta com o escritório do poderoso senhor Pascual.
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