O discurso do Estado da União, tradição secular da democracia norte-americana, transfigurou-se ontem em um pastiche dos programas comandados por evangelistas, tão comuns na televisão local. Ao lado da sorridente primeira-dama Laura Bush, sentaram-se na sala de discusos do Capitólio uma refugiada afegã, uma dissidente iraquiana cujo pai foi assassinado pela polícia secreta de Saddam Houssein, e um casal de norte-americanos, pais de um soldado morto na invasão do Iraque. Todos testemunhas da salvação promovida pelo fundamentalismo cristão republicano. Quando anunciou a presença da iraquiana, o presidente teve de conter o choro.
A platéia – dominada por seus auxiliares mais diretos, mas também composta por constrangidas estrelas democratas do Congresso, como os senadores Hillary Clinton e John Kerry – urrava em delírio. O transe coletivo teve seu auge com o abraço demorado dado pelos pais dos americanos à sofrida iraquiana. Pronto. O abraço, com direito a V de vitória e pausa para fotos, era o símbolo da reconciliação neste mundo imaginário criado pelos neo-cons de Washington. O teatro contou até mesmo com uma irônica ajuda da genética: no culto de ontem todos eram muito, muito gordos. A refugiada, os pais, boa parte da claque. Um detalhe a mais para compor o quadro de um espetáculo assustadoramente grotesco.
quinta-feira, fevereiro 03, 2005
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