quarta-feira, abril 08, 2009

ESPECIAL - CARTA CAPITAL: CRISE NA IMPRENSA AMERICANA

A Carta Capital que está nas bancas esta semana trás uma reportagem do escriba aqui sobre a crise na mídia impressa nos EUA. O texto foi escrito antes de o New York Times anunciar o provável fechamento do maior jornal da Nova Inglatetrra, o Boston Globe, mas depois de eu conferir o ótimo Intrigas de Estado, que chega aos cinemas americanos na sexta-feira e nos brasileiros em junho.

Na foto acima, Russell Crowe é o jornalista velha-guarda, Rachel McAdams a blogueira e Helen Mirren a poderosa editora de um jornal lutando para sobreviver na nova e dura realidade econômica pós-crise.

Segue o texto:


A Era do Gelo
POR EDUARDO GRAÇA, DE NOVA YORK

Os últimos minutos
de Intrigas de Estado, filme de Kevin Macdonald que chega aos cinemas brasileiros no dia 12 de junho, não é dedicado aos protagonistas Russell Crowe ou Ben Affleck. Um tributo a Todos os Homens do Presidente, o clássico de Alan Pakula com Dustin Hoffman e Robert Redford, Intrigas de Estado termina com uma “elegia ao processo de impressão em papel do jornal”, nas palavras do diretor britânico. A audiência é convidada a observar, passo a passo, o processo de criação da primeira página de um diário nos dias de hoje, do computador à impressão final. “Esta foi a maior homenagem que poderia fazer ao jornalismo impresso e à sua importância na vida contemporânea. Quis registrar, na tela, o fim de uma era”, diz o diretor, conhecido do público por O Último Rei da Escócia, que narra as aventuras de um médico escocês na Uganda do ditador Idi Amin.

Aqui jaz o jornalismo
norte-americano? Hollywood, desta vez, não parece estar exagerando. Desde o início da crise financeira, nada menos que 93 jornais norte-americanos diminuíram sua periodicidade, cortando pelo menos um dia de circulação. Outros cinco simplesmente abandonaram seus parques gráficos e optaram por versões exclusivamente on-line, diminuindo radicalmente o número de funcionários e, conseqüentemente, a produção de reportagens.

Ainda circulando normalmente, mas com redações em pânico, estão jornais-símbolo da imprensa dos EUA, como o Los Angeles Times, o Chicago Tribune e o Philadelphia Inquirer. Todos entraram com pedido de falência nos últimos meses. Como o Inquirer é também o dono do Daily News e o Chicago Sun-Times anunciou no último dia de março seu débâcle financeiro por conta de uma dívida de mais de 60 milhões de dólares com o Fisco americano, todos os grandes jornais das capitais do Illinois e da Pensilvânia faliram.

Do outro lado do país, a situação não é mais animadora. Denver e Seattle perderam a primazia de ter jornais concorrentes. Enquanto o Post-Intelligencer, um símbolo da capital do estado de Washington, decidiu na segunda quinzena de março que passaria a ter apenas uma versão na internet, ofuscando o globo adornado por uma águia, um dos mais reconhecíveis símbolos de Seattle, o Rocky Mountain News simplesmente fechou as portas depois de 150 anos de jornalismo local.
Intrigas de Estado serve-se deste cenário de terra-arrasada para contar a história de um jornalista investigativo do diário The Washington Globe (mesclando os nomes do Post com o maior jornal da Nova Inglaterra, o Boston Globe), decidido a desvendar um crime que envolve parlamentares e lobistas em uma Washington mais sofisticada em todos os âmbitos, incluindo nos artifícios utilizados para apropriar-se do Erário. “O grande risco do desmantelamento da imprensa norte-americana, com toda sua tradição combativa, é o enfraquecimento da democracia tal qual a conhecemos. Intrigas de Estado funciona como uma metáfora do que acontece com os grandes jornais americanos nos dias de hoje, estes imensos animais que vão morrendo lentamente”, diz Macdonald.

O tinhoso escocês
, que sonhava ser jornalista e iniciou-se na produção cinematográfica dirigindo documentários depois de mendigar por um emprego, sem sucesso, nos principais jornais britânicos durante a recessão dos anos 90, é um fã declarado de Todos os Homens do Presidente.

No clássico de Alan Pakula, Dustin Hoffman e Robert Redford encarnavam os repórteres do Washington Post responsáveis por desvendar o escândalo do Watergate, que levaria à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974. Em Intrigas de Estado Mcdonald opõe ao velha-guarda Russell Crowe – com cabelos longos, barba por fazer e usando pouco mais do que uma mesma peça de roupa durante as duas horas de ação – a blogueira vivida por Rachel McAdams, representante de um novo jornalismo, mais asséptico e conformista.

“Abordo, no filme, aquele que considero ser o tema mais importante de nossos tempos. Qual será o poder da opinião pública com a decadência da imprensa diária? Como a sociedade poderá fiscalizar seus governantes? O que acontecerá com o jornalismo diário e de âmbito local? Como serão filtradas as notícias internacionais se não há dinheiro para bancar grandes reportagens investigativas?”, pergunta o cineasta.

Se os jornais tentam sobreviver e cortam custos, os mais badalados sites e blogs da internet buscam formas de financiar um tipo de trabalho mais semelhante ao que tornou a mídia impressa essencial no mundo contemporâneo. O Huffington Post, de Ariana Huffington, acaba de anunciar a criação de um fundo para financiar reportagens investigativas, item casa vez mais raro nas edições de jornais e revistas ao redor do mundo.

O fundo terá dinheiro do próprio Huffington Post e do The Atlantic Philantrop, organização que tem entre seus maiores mecenas o bilionário Chuck Feeney, criador das lojas Duty Free. Em San Diego, na Califórnia, um grupo de jovens repórteres criou o Voice of San Diego, sustentado por contribuições voluntárias e que se propõe a oferecer uma cobertura da cidade que os meios tradicionais abandonaram faz tempo. Seria esse o caminho do jornalismo na web?

Ainda é cedo para avaliar se essas experiências serão bem-sucedidas. O caso de Ariana é, poré, distinto do dos jovens do Voice of San Diego. A ex-socialite
conservadora de origem grega metamorfoseada em darling da esquerda festiva tornou-se na mais improvável das baronesa da mídia dos EUA. Há quem a chame de ‘viúva negra’ do jornalismo ou considere seu trabalho desonesto por, em tese, valer-se do material publicado por veículos impressos.

Ariana acaba de ser retratada em um perfil da revista Time. O título não poderia ser mais apropriado: O Oráculo. O subtítulo, bem menos lisonjeiro, anuncia: Como Ariana Huffington golpeou a mídia de dentro usando charme, amigos, dinheiro, a internet e o trabalho alheio.

O Huffington Post é hoje o décimo-quinto mais popular da internet na área de notícias, poucos cliques atrás do The Washington Post e acima da BBC. São 8,9 milhões de usuários e 1 milhão de comentários por mês, de acordo com a Nielsen, no que já é o maior cartão de visitas do jornalismo participativo. E enquanto o New York Times emprega mais de mil funcionários em sua área editorial, o The Huffington Post conta com 55. Apenas cinco são repórteres. “É preciso ter um cuidado enorme na hora de dizer crise da imprensa. Os americanos nunca tiveram tanto acesso à informação como nos dias de hoje. Prova disso foi a maneira como se acompanhou a campanha presidencial no ano passado. Há sim uma crise, mas de um certo tipo de imprensa”, afirma o professor da Universidade de Nova Iorque (NYU) Mitchell Stephens, um dos maiores especialistas em comunicação de massa dos EUA.

Autor do clássico Uma História da Imprensa, eleito pelo New York Times um de seus livros do ano na virada dos anos 80, Stephens foi convidado este ano pela Universidade de Harvard para trabalhar em um projeto piloto que pretende propor mudanças na prioridade de cobertura da mídia americana, acentuando a importância das análises voltadas para um leitor já saturado de notícias.

Para Stephens, se podemos olhar para clássicos como Todos os Homens do Presidente afim de encontrar pistas sobre o que aconteceu com a imprensa americana, o paralelo mais exato do jornalismo nos tempos de Barack Obama é estabelecido com a indústria da música. “Durante 150 anos o jornalismo mudou muito pouco. A função do jornalista é a de reportar notícias, que são vendidas em forma de papel. Exatamente como a música, que até a invenção do disco era imaterial, a imprensa está voltando para seu passado, para os tempos de Benjamin Franklin, em que sua função era mais a de ser uma grande arena para os debates de opinião pública, de interpretação dos eventos. Notícia tende, nos dias de hoje, a ser vista como um valor mais barato, quase gratuito”, diz.

O professor da NYU
concorda que o jornalismo investigativo implica custos ainda não cobertos pela publicidade gerada pela internet, mas lembra que "a rede é um bebê, que ainda engatinha". E aponta a decisão do presidente Obama de usar o YouTube para promover conferências em que fala diretamente com os cidadãos como uma forma revolucionária de se adaptar aos novos tempos.

“Será que a democracia precisa de setoristas de jornais do país inteiro em Washington? O governo federal passará a ser coberto por poucos jornais de âmbito nacional e blogueiros locais, especializados no tema. Será que sofreremos um grande golpe se o Chicago Tribune ou o Boston Globe deixarem de circular? Mesmo?”, provoca Stephens. O acadêmico concorda que um dos revezes na nova face da imprensa norte-americano será a diminuição de postos de emprego para jornalistas convencionais.
“A reportagem, tal qual como conhecemos, está fadada a se reduzir. O repórter investigativo continuará existindo, mas apenas em alguns poucos jornais e em sites especificamente voltados para o tema. Revistas como a Newsweek, por exemplo, parecem ter entendido os novos tempos e estão e moldando na The Economist para apresentar mais análises do que notícias requentadas, já esgotadas durante a semana. O leitor não busca mais um resumo, ele quer ir além, quer o destrinchamento de temas já explorados de forma exaustiva por outros meios”, diz.

Stephens brinca que, se estivesse no comando do New York Times, não estaria tão interessado assim no rumo das mudanças da grande imprensa. Confessa sentir uma dor na barriga ao pensar no dia em que o jornal decidir concentrar-se na internet – caminho que lhe parece o mais provável – e seu exemplar deixar de chegar em sua porta todas as manhãs. O conservador The New York Post criou um Termômetro que, diariamente, está nas posições mais baixas, mostrando os revezes sofridos pelo concorrente liberal. Desde janeiro, as notícias são sempre destaque de alto de página no tablóide de Rupert Murdoch: a hipoteca do moderno prédio erguido pelo arquiteto Renzo Piano, a venda de ações para o bilionário mexicano Carlos Slim, a redução de salários para todos os funcionários não sindicalizados (incluindo editores e gerentes) em 5% e até mesmo o jato do NYT posto à venda.

“Estes são os tempos mais duros que enfrentamos em todos os nossos anos neste negócio”, disse o CEO do NYT, Arthur Sulzberger, no memorando enviado aos funcionários sobre a redução salarial. Em um evento na Universidade de Stony Brook, Sulzberger afirmou que “o futuro imediato do jornalismo tradicional nos EUA é, no mínimo, sinistro”, já que “as formas regulares de injeção de recursos estão anêmicas e piorando a cada dia”.

O outro grande jornal norte-americano de projeção internacional, o Washington Post, anunciou este mês o fim de sua seção de Negócios e da página dedicada às ações do mercado financeiro, com o objetivo de reduzir custos de impressão. E, em Nova York, a emblemática logomarca da revista New York, que durante uma década ocupou com destaque o ponto nobre da torre da 444 Madison Avenue, entre as ruas 49 e 50, dá lugar à loja de roupas Burberk. Antes da New York, o prédio de 42 andares era conhecido por ser o quartel-general da Newsweek, que durante 30 anos manteve seu logo no topo.

A mídia americana esteve
na berlinda até mesmo na primeira visita de um presidente em exercício a um talk show, tento conquistado por Jay Leno, na NBC. Leno contou em seu monólogo na abertura do programa que muita gente estava surpresa com a aparição de Barack Obama em seu Tonight Show, já que aparentemente o democrata não agüentava mais ter de lidar com empresas à beira de um desastre financeiro por conta dos altos salários de seus executivos e sua baixa lucratividade. Ele falava de bancos, empresas automobilísticas e, também, da grande imprensa.

A publicidade na mídia americana somente cresceu em dois setores no ano que passou: internet e televisão a cabo. De acordo com o Interactive Advertising Bureau, foram 23,4 bilhões de dólares em 2008 gerados por anúncios na internet, um aumento de 10,6% em relação a 2007. Porém, o incremento da internet ainda não consegue bancar o custo de produção de jornais e revistas. Especialmente quando se leva em conta que 57% dos anúncios no ano que passou foram "de performance", ou seja, são calculados de acordo com o número de cliques na propaganda feit pelos usuários dos web sites.

Um microcosmo do que acontece no jornalismo norte-americano são as quatro cidades do estado de Michigan, no Meio-Oeste, que se preparam para ficar sem diários impressos. Em Ann Arbor, o Ann Arbor News, com 174 anos de história, será encerrado em julho e substituído por um site. Todos os funcionários serão demitidos e há a idéia de uma versão impressa de formato reduzido, que circulará apenas dois dias por semana. As cidades de Flint, Saginaw e Bay City terão publicações impressas apenas nos fins de semana.

Em entrevista ao The Daily Telegraph a CEO da Time Inc., Ann Moore, anunciou estudar maneiras de cobrar pelo acesso eletrônico do conteúdo das revistas publicadas pelo grupo, hoje aberto na rede. A idéia é ter – assim como já faz o Wall Street Journal – parte do conteúdo produzido pelas equipes de reportagem de Time e People, mas também da CNN.com, abertos ao público, enquanto outra parcela seria reservada exclusivamente para assinantes.

“Informação bem produzida custa dinheiro. Alguém precisa bancar nosso escritório em Bagdá. Quem é que iniciou esta história de que todo conteúdo deve ser livre? Eu digo isso em universidades e as pessoas querem jogar sapatos em mim. Então repito: crianças, sua comida não é de graça, seus carros não são de graça, suas roupas não são de graça!”, disse Moore.

O paralelo oferecido com a cambaleante indústria da música, na visão de Mitchell Stephens, casa com o desabafo de Moore. “Assim como não se pode dizer que a música está em crise, também não creio que a reportagem esteja. O que estão padecendo são dois tipos de indústria que não se coadunam mais com os novos tempos”, diz o professor da NYU. Os 3 mil blogueiros que trabalham de graça para o HuffPo (em sua maioria, nomes famosos de Hollywood, da academia ou do mundo político) se vêem como "curadores da notícia", garimpeiros do turbilhão de novidades publicadas diariamente em todos os cantos da mídia.

Curiosamente, Ariana teria ficado extremamente ofendida com a idéia, sugerida no subtítulo do perfil da Time, de que ela estaria se aproveitando da sangria da mídia tradicional para erguer um novo modelo de empresa de comunicação. Ao contrário, ela se vê ‘experimentando’ um modelo de ‘jornalismo distributivo’, em que qualquer observador da notícia, não apenas o repórter treinado, pode escrever para seu ultra-democrático HufPo.

É justamente esse
novo jornalismo, proposto pela baronesa da mídia digital e saudado pos setores da academia, que levou David Von Drehle, durante anos uma das estrelas do Washington Post e um dos autores do que muitos consideram ser o livro-reportagem definitivo sobre a disputa entre Al Gore e George Bush nas eleições de 2000 (Deadlock), a fazer uma crítica dura ao jornalismo praticado na internet. Para Drehle, sites e blogs não sobreviveriam sem o conteúdo produzido pela mídia tradicional.

“Todas as vezes que um jornal, uma fonte de notícias, morre, e um site de opinião on-line floresce, nos movemos para mais perto do dia sem fatos em que os falastrões terão um único tópico de discussão: eles mesmos”, criticou o veterano jornalista.

Um comentário:

jorge vicente disse...

em jornais científicos, essa razia já se iniciou há muito, muito tempo. são milhares os nascidos na net e muitos aqueles que têm uma versão digital, para além daquela em papel.

um grande abraço
jorge vicente