quarta-feira, julho 26, 2006

Diretinho da Redação (48)


O texto da semana já está na coluna do DR.

Publicada em: 26/07/2006


O BASTA DA MÍDIA AMERICANA


Eduardo Graça


Já é possível dizer que a imprensa norte-americana está cobrindo a guerra no Líbano de modo diverso ao que relatou as invasões do Afeganistão e do Iraque. Aqui e acolá os repórteres caem no cacoete de classificar o avanço das tropas israelenses no sul do Líbano como ‘o mais novo capítulo da guerra contra o terror’. Mas, com exceção da Fox, vê-se uma redução drástica das terríveis bravatas anti-islâmicas. Analistas dos mais diversos campos políticos dizem que se trata de uma espécie de ‘basta’, uma reação à onda de nacionalismo cego que tomou conta da mídia após os atentados às Torres Gêmeas.

Ajuda muito, é claro, a falta de credibilidade interna do governo republicano e o anúncio de que mais soldados americanos irão partir para o Iraque – onde nos últimos dois meses 100 pessoas foram assassinadas por dia – a fim de conter o que já começa a ser reconhecido por aqui como um ‘estado de guerra civil’. O resultado é que, por aqui, na cobertura do conflito entre o Hezbollah e Israel, até mesmo a televisão aberta resolveu perseguir esta aparentemente banal regra do jornalismo e saiu a campo para, imaginem só, ‘ouvir os dois lados’ da história.

A reportagem mais impressionante até agora ficou por conta do ‘Nightline’, o programa de reportagens especiais da ABC. Decidiu-se que o norte da cobertura seria mostrar como cada bombardeio israelense aumenta exponencialmente a popularidade do Hezbollah, para muito além da comunidade xiita do país. E para ilustrar a tese a equipe de repórteres espalhado pelo Oriente Médio dedicou o programa desta segunda-feira à maneira como a guerra está sendo percebidas pelas crianças dos dois países.

Em Elon, no norte de Israel, a poucos quilômetros da fronteira com o Líbano, 40 meninos e meninas que lembram muito os adolescentes norte-americanos passam o dia em abrigos anti-aéreos construídos com material especial, que resistiria aos mísseis do Hezbollah. Sem aulas, sem escola, eles brincam o dia todo entre quatro paredes, só diminuindo o volume da algazarra para escutarem, atentos, o barulho de bombas e tiros. Para eles, lá fora, é mais uma guerra que em algum momento vai acabar, com a vitória de seus soldados e o retorno a uma quase-normalidade. Foi assim quando seus pais eram, eles mesmos, crianças, nas guerras dos anos 80, 70 e 60, dizem.

Mas ainda mais impressionante é a visita dos repórteres a um dos abrigos construídos pelo Hezbollah no subsolo de uma espécie de shopping center, também erguido pelo grupo terrorista, localizado no bairro xiita de Beirute. Lá, as crianças podem brincar enquanto as ruas ao redor são severamente bombardeadas pelas Forças Armadas israelenses. A sensação de estranhamento é maior para a audiência americana: os jovens não são ocidentalizados. Mas já falam inglês.

Uma menina de 9 anos, mas com feições de alguém muito mais vivida, foi a única a convidar o repórter da ABC para sentar em sua tenda estendida no chão, ao lado do escorregador. Encarando a câmera, disse que suas esperanças estavam todas com o Hezbollah. E voltou a brincar. Insatisfeito, o repórter procurou desvendar ali mesmo os mistérios da atração do fundamentalismo religioso. E voltou a abordá-la. A resposta da pequena cidadã libanesa à questão mais simples da noite – ‘mas por que você torce pelos terroristas do Hezbollah?’ – veio com objetividade desconcertante: “Porque eles não querem nos matar”. Silêncio. E antes que o repórter fizesse novo questionamento ela quase se corrigiu:”Porque eles não querem ME matar”.

A quem interessar possa, a imprensa americana não está cobrindo a invasão do Líbano travestida da vanguarda do neo-iluminismo cristão no atrasado mundo muçulmano. Já não era sem tempo.

Um comentário:

Helô Kinder disse...

Edu do Brooklyn,

Aqui eh a Helo da California!

Ainda bem que existe vc com sua visao enxuta dessa realidade destorcida do pos 9/11.

Sou sua leitora assidua, 'keep up with the good work'!

Abracos

Helo