quarta-feira, janeiro 25, 2006

Diretinho da Redação (40)


Ei, Você Aí, Me Dá Um Dinheiro Aí!

Interrompi minhas férias no Rio para ler, com calma, a matéria de capa que a “Carta Capital” – da qual me orgulho de ser colaborador bissexto em Nova Iorque – publicou na semana passada com o ministro da Cultura, Gilberto Gil. Tanto o texto de Ana Paula Sousa quanto a entrevista dada a Pedro Alexandre Sanches são leituras obrigatórias para se entender o ‘melê’ em que a inteligência brasileira se meteu. Historicamente dependente do governo, parte da chamada ‘elite cultural’ (de pensadores? de criadores? de produtores?) chia feio desde que os companheiros chegaram ao poder, lá se vão quatro anos.

O motivo? As novas diretrizes do patrocínio cultural público, que vêm saindo das estatais (o ministério sempre teve um orçamento irrisório, duplicado graças aos esforços do ministro do Partido Verde) e chegando a novos bolsos, a partir de regras bem diversas das que foram estabelecidas nos governos Itamar e FHC. Fala-se em stalisnismo, totalitarismo e dirigismo político. Nas rodas de Ipanema, gente que se beneficia do mecenato público desde os tempos da Embrafilme acusa o governo Lula de um descaso especial com os chamados ‘nomes de apelo popular’. É natural que em um país sitiado pela cultura da celebridade, em que o período entre o Ano Novo e o Carnaval aparece no calendário como um gigantesco intervalo comercial dedicado ao Big Brother Brasil, reine a confusão entre o que é, de fato, popular – do Aurélio: ‘do, ou próprio do povo’; ‘democrático’ - e o que recebe atenção maior dos meios de comunicação de massa.

Em 2003-2004 participei indiretamente do que o ministro Gil classificou na entrevista à “Carta Capital” de ‘processo de criação de políticas públicas de fomento cultural mais abertas e democráticas’. O Programa Petrobras Cultural (PPC), que, como um dos assessores de imprensa responsáveis então pela área de Patrocínio Cultural da maior empresa do Brasil, acompanhei do nascedouro, é um claro exemplo de êxito desta nova ação pública de apoio à cultura brasileira. O balcão foi substituído por uma iniciativa séria, com as ações de mecenato da Petrobras se pautando por uma política cultural de alcance social e de nítida afirmação da identidade brasileira. Esta chegou ao público recentemente em filmes como o delicado “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de Marcelo Gomes, espetáculos como os de Ivaldo Bertazzo, o indispensável Projeto Pixinguinha, espaço fundamental para o surgimento de novos músicos, e em livros como o que contou, pela primeira vez, aos brasileiros, a saga dos imigrantes poloneses no Paraná.

Mas, então, por que tanta chiadeira? E de artistas do gabarito de um Ferreira Gullar e de um Caetano Veloso, nomes que se confundem, para nossa alegria, com a própria idéia do ‘ser brasileiro’? Distorções existem, é claro. Nunca entendi bem por que motivo o PPC conta com consultores permanentes nas áreas de Cinema, Música e Patrimônio, mas nenhum especialista em Artes Cênicas. Há, por sinal, um consenso de que a produção teatral foi a mais afetada pela gestão petista. Pouco se fala ou se escreve, no entanto, sobre a diminuição do patrocínio das grandes corporações e empresas privadas à cultura em geral e ao teatro em particular.

Gilberto Gil disse a meu colega Pedro Alexandre que em sua gestão há mesmo uma ‘discriminação positiva’. Ele reconhece que nestes quatro anos tentou focar o patrocínio público em áreas deixadas de lado pelos governos anteriores: “estabelecemos um conflito com a chamada elite cultural com uma intensidade que não existia antes, pois estes tinham acesso a recursos que estão sendo redistribuídos”. Pois é.

A entrevista com Gil dá muito o que pensar. E contém ao menos uma epifania. Ela se dá quando o ministro da Cultura, tocado por algum anjo subversivo, destes que só descem à Terra nos momentos de crise mais intensa, assume que faz parte da ‘classe dominante’. A elite brasileira – política, cultural, econômica – mesmo quando sai em bloco exigindo o corte de cabeças, marchando desesperada ao som de ‘ei, você aí, me dá um dinheiro aí!”, receia vestir a carapuça. Devem ter lá os seus motivos.

Um comentário:

ipaco disse...

Não li a entrevista. Pena. Mas gostei do seu artigo, Edu. É meter a mão numa casa de vespeiro mexer na distribuição de benefícios à aristocracia artística brasileira, com seus clãs, linhagens e alianças. Só espero que a redistribuição obedeça a um projeto mais democrático de acesso aos recursos e não apenas uma troca de elites...