sexta-feira, outubro 07, 2005

Diretinho da Redação (32)

O texto abaixo já pode ser lido no Direto da Redação (www.diretodaredacao.com)

TOLERÂNCIA ZERO COM O PREFEITO MALUQUINHO

Nada mais desigual. Enquanto o prefeito César Maia resolve desenterrar a idéia fascista de remoção de populações inteiras das favelas cariocas, por aqui a campanha municipal esquenta com o republicano Mike Bloomberg ostentando uma arma poderosíssima na luta pela reeleição: o índice de criminalidade nunca esteve tão baixo em Nova Iorque.

Na semana passada, aqui no Brooklyn, ele comemorou com uma platéia atenta o fato de que ‘nós somos a metrópole mais segura da América”. É claro, você vai me lembrar que tudo isso começou com Rudi Giuliani, o prefeito conservador que fechou sex shops, acabou com o vale-tudo da Rua 42 e cunhou um termo para as prisões em massa com pesadas penas dadas aos infratores: a tal da tolerância zero. De fato, Giuliani se elegeu com uma plataforma que esculhambava com a política de segurança do alcaide da vez, o negro democrata David Dinkins, perdido em uma batalha aparentemente sem fim contra a epidemia de crack na cidade.

Com Giuliani, o tráfico realmente deixou as ruas, mas para se confinar nos projetos habitacionais, e nunca tantos negros foram passar uma temporada no xilindró. Afinal, só entra para o ramo das drogas quem está nos patamares mais baixos da economia local. O republicano foi canonizado no exterior e é uma das possíveis opções do partido situacionista para a sucessão de Bush, mas os efeitos colaterais de sua política do ‘big stick’ local, copiadas da costa leste à Califórnia, são chagas ainda não cicatrizadas aqui na Big Apple.

O numero de adolescentes confinados para sempre na cadeias americanas é o maior do mundo – um dado que envergonha o país – e as tensões sociais criadas pela tolerância zero levaram o Harlem e os cafundós do Queens, do Bronx e do Brooklyn a uma sensação de segregação que não se via desde os anos 60. Quando um judeu ortodoxo apanhou mais do que Judas em sábado de Aleluia depois de atropelar um estudante negro em Crown Heights e, meses depois, seis brancos lincharam um negro no Queens em frente a um bar, a rica fauna de Park Avenue absorveu estas tragédias como ‘seqüelas inevitáveis’ de uma cidade de 8 milhões de habitantes e mais de 50 nacionalidades diferentes. Coisas da vida. Dos outros, é claro.

Bloomberg, um republicano de última hora, que só abandonou o Partido Democrata para conseguir legenda, pensa diferente. Sua estratégia, em um primeiro momento, parecia suicida. Ele reduziu o número de policiais, diminuiu o orçamento e a munição da polícia, concentrando sua ação nas áreas mais conflituosas, na chamada “Operação Impacto”. No entanto, desde que ele tomou o poder, os crimes reduziram em 20% . Mais: uma pesquisa acaba de mostrar que 53% dos negros aprovam a atuação de sua polícia, contra 21% no caso de Giuliani.

Semana passada o alcaide bilionário andava tranqüilamente pelo Harlem, uma área tradicionalmente hostil a políticos conservadores. Bloomberg lembrava os eleitores de que seu principal investimento na corporação foi em inteligência e tecnologia: hoje a polícia nova-iorquina mapeia melhor a cidade, identifica mais rapidamente as ameaças, conhece melhor os criminosos. As ligações para o 911 são agora todas digitalizadas – e usadas como evidência nos tribunais – , o uso de testes de DNA para evitar injustiças baseadas em preconceitos raciais é corriqueiro, e foi criado o ‘real time crime center’, que envia informações sobre suspeitos em tempo real, quase igual ao que se vê nas séries de televisão.

É claro que este é um investimento maciço de dinheiro que cidades como o Rio de Janeiro talvez não pudessem arcar. Mas quem disse que Nova Iorque tinha tudo isso em caixa? No exato momento a administração republicana projeta para 2006 um déficit de US$ 6 bilhões. Seus moradores, sentindo-se muito mais seguros, não parecem estar nem aí.

Com um índice de aprovação que beira os 70%, Bloomberg pensa agora em integrar mais os projetos habitacionais, aumentando as opções de transporte público e deslocando policiais para as escolas em que a população de renda mais baixa matricula seus filhos. Como se vê, até mesmo para um político conservador e com um terrível cacoete de desrespeitar as liberdades civis como Bloomberg, é possível executar uma política de segurança racional e efetiva ao mesmo tempo em que se combate o apartheid social. Tolerância zero com o prefeito maluquinho, minha gente!

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