quarta-feira, agosto 24, 2005

Diretinho da Redação (26)



Uma & Eu

Uma das obsessões dos nova-iorquinos é encontrar restaurantes e bares ao ar livre no verão. Como aqui a estação dura de fato pouco menos de quatro meses, esta é a chance de se apreciar uma refeição ao sol, com céu azul ao fundo e um monte de gente querendo ver e ser vista. Gente que vai ao Shake Shack, uma lanchonete assim-assim que tem como maior atração justamente o fato de estar situada na Madison Square, a meio caminho da Union Square e da Penn Station. Foi lá que lanchei, dia desses, ao lado de Uma Thurman, Ethan Hawke e seus pimpolhos Maya e Roan.

Antes de mais nada – eu não sabia que o casal de divorciados tinha dois filhos. Também não poderia imaginar que Maya tinha seis e Roan três aninhos. Muito menos que eles curtiam brincar no parquinho da Madison nestas tardes quentes de verão e que aquele era justamente o local em que a atriz e seu ex-marido colocavam o papo em dia. Tá bem, confesso, eu escutei a conversa alheia, mas somente depois que Uma colocou o dedo na cara do Ethan. Foi justamente este detalhe que motivou a amiga a me condenar, mais tarde: “mas você deveria ter fotografado a cena! Iria ganhar uma bolada com esta imagem!”

Eu nunca havia me deparado com a Uma antes. Não ao vivo. Fiquei me perguntando o que o Ethan teria feito para despertar tanta raiva assim da Noiva de Kill Bill e se ele não sabia com quem estava mexendo. Depois lembrei que minha câmera estava logo ali na parte da frente da bolsa, pois depois do sanduba seguiria para uma reportagem sobre a inauguração de um novo museu nas cercanias de Columbus Circle.

Um turbilhão de sensações e pensamentos invadiu minha cabeça: estava em uma posição privilegiada - o que nos separava era uma vegetação baixa - tiro ou não tiro a foto? - minha digital é mínima - eles jamais iriam perceber - tiro ou não? - o dedo longilíneo de Uma continua em riste - eu nunca fui mesmo com a cara do Ethan - tiro ou? - sempre o achei um canastrão com cara de bebê chorão - ele bem que merecia - tiro? - as crianças voltam para a mesa sorridentes - o dedo baixa - eles sorriem - não tiro.

Não cliquei. No caminho para o museu, um jornal distribuído gratuitamente no metrô cai nas minhas mãos. A reportagem conta a história da terceirização dos caçadores de celebridades: imigrantes ilegais estão sendo treinados por revistas de fofoca para fotografar os famosos. Como trabalham sem contrato formal e em geral não são facilmente identificáveis, torna-se quase impossível para os caríssimos advogados de Beverly Hills conseguir arrancar algum dinheiro ou reparação para seus clientes, em geral estrelas de Hollywood. Se flagrados antes de a foto chegar às mãos dos editores de fotografia, as revistas dizem que jamais fizeram qualquer contato com tal indivíduo.

Mas, de acordo com dois renomados especialistas entrevistados pelo repórter, há um atrativo ainda maior do que o dinheiro para o substancial aumento do número de paparazzi nos Estados Unidos: eles acreditam que fazem parte de Hollywood e, claro, concluem, todos querem fazer parte de Hollywood. Jogo imediatamente o jornal lixeira abaixo, decidido a passar um longo tempo afastado das salas de cinema-pipoca da cidade. Eu, hein..

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