quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Diretinho da Redação (4)

Quem quiser checar em loco, o texto abaixo é a coluna da semana no www.diretodaredacao.com


Começar de Novo

"Esta é uma idéia inacreditavelmente deprimente, mas não acredito que as pessoas vão alterar seus hábitos sexuais até verem seus amigos morrendo novamente". O desabafo, do escritor Gabriel Rotello, autor do importante "Sexual Ecology: AIDS And The Destiny of Gay Men", chegou esta semana à primeira página do 'The New York Times' depois da descoberta de um tipo muito mais potente do vírus H.I.V. em um paciente homossexual, morador da cidade, que contou ter praticado sexo com dezenas de parceiros, nos últimos meses, sem utilizar qualquer tipo de proteção. O supervírus é resistente a todas as drogas conhecidas e diminui em mais de 50% a expectativa de vida dos pacientes infectados.

Vinte e cinco anos depois de a comunidade gay norte-americana se organizar para combater a epidemia da AIDS, a sensação, ruim, é a de que é preciso começar tudo de novo. As estatísticas mostram que aqui usa-se cada vez menos camisinha. Também apontam para o aumento do 'barebacking sex', em que não só toda proteção sexual é dispensada como a pessoa infectada é considerada um ser 'especial', apta a passar o 'presente' para o (s) parceiro (s). Parece brincadeira de péssimo gosto, mas não é. O paciente infectado com o supervírus também contou aos médicos que a maioria de seus parceiros consentiu em praticar relações sexuais sem proteção enquanto faziam uso de metanfetamina cristalina. A droga leva o indivíduo a um estado de relaxamento que reduz a capacidade de discernimento e é uma isca para pessoas que estão tratando algum tipo de comportamento auto-destrutivo.

Basta dar um pulo na noite de Lower East Side, em Manhattan, ou em Williamsburg, no Brooklyn, para perceber como 'o cristal' é popular. Uma pesquisa recente feita com homens assumidamente homossexuais em Nova Iorque apontou que 25% deles utilizam a droga com freqüência. Psiquiatras alertam que o cristal está sendo usado por gays para combater a depressão, um mal corriqueiro em grandes metrópoles mundo afora. Cientistas de peso apareceram esta semana na TV e sugeriram que uma parte do dinheiro investido no país para a descoberta da cura da AIDS deve ser destinado imediatamente a um incremento gigantesco em campanhas de prevenção e distribuição gratuita de perservativos. A resposta do governo Bush, até agora, tem sido a mesma dos últimos anos: um investimento de mais de US$ 900 milhões em programas que promovem a abstinência sexual e condenam o sexo fora do casamento, em simetria com o ideário conservador e religioso tão caro aos neo-cons.

Portador do vírus H.I.V, o roteirista e ativista Larry Kramer se tornou um mito na comunidade homossexual norte-americana ao empacotar a casa do senador conservador Jesse Helms, nos anos 80, com uma grande camisinha amarela. Helms defendia a tese criminosa de que a AIDS chegara para castigar os gays e que eles mereciam tal flagelo por serem pecadores. Duas décadas e inúmeras leis de proteção aos pacientes com AIDS mais tarde, Kramer voltou à cena em grande estilo. Em uma palestra na Cooper Union que ganhou as páginas da "The New Yorker" ele disparou, sem medo, para uma platéia formada majoritariamente por homossexuais: "Vocês ainda estão, nos dias de hoje, e depois de tudo, matando uns aos outros. Por favor, parem com todas as generalizações e desculpas esfarrapadas. Os gays precisam lidar de uma vez por todas de maneira responsável com a AIDS".

A mensagem de Kramer é clara: enquanto pensam em avanços ainda mais significativos como o casamento gay, os homossexuais precisam incluir em sua agenda de direitos civis a velha máxima: sexo, sem camisinha, ainda mata. A cada ano, nos Estados Unidos, 40 mil pessoas são infectadas pelo vírus H.I.V.

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