sexta-feira, agosto 24, 2007
LIVRO/Obama, de David Mendell
O Valor Econômico publicou no caderno deste fim de semana meu texto sobre a biografia que o ótimo repórter do Chicago Tribune, David Mendell, lançou por aqui na semana passada sobre o senador Barack Obama, quiçá o primeiro presidente negro dos EUA. Conversei com Mendell duas vezes e o perfil que ele me ofereceu de Obama - a quem acompanha desde os primeiros tempos no legislativo estadual de Illinois - é o de um homem obcecado em diminuir a agonia dos miseráveis do Império, mas também vaidoso, egocêntrico e que elaborou meticulosamente sua ascensão política. O texto segue abaixo:
Carismático e egocêntrico
Por Eduardo Graça, para o Valor
24/08/2007
Para autor de biografia, Obama não é mais o mesmo: "Ele se moveu para a área moderada, que o deixou mais presidenciável, distante do início de sua trajetória", diz Mendell
O maior fenômeno eleitoral da política americana contemporânea é um advogado calculista, obcecado em conter o avanço da pobreza em seu país, com traços autoritários de caráter e que planejou a chegada à Casa Branca levando em conta a possibilidade de se projetar como vice-presidente em uma chapa liderada pela senadora Hillary Clinton. Lançado na semana passada, "Obama: from Promise to Power" é o resultado dos cinco anos em que o repórter David Mendell, do "Chicago Tribune", seguiu cada passo do democrata Barack Houssein Obama para oferecer um raio X impressionante daquele que pode se tornar o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.
Alto, cabelos negros repartidos ao meio, nariz aquilino e pronunciado, Mendell conversou com eleitores de todos os naipes no lançamento de seu livro, em um evento realizado na semana passada no Bryant Park, em Manhattan. O resultado de sua investigação é bem diverso dos dois volumes autobiográficos - "A Audácia da Esperança" e "Dreams from My Father" (inédito no Brasil) - lançados nos últimos três anos pelo senador de Illinois. Uma das principais surpresas é a revelação de que o chamado grupo de Chicago, incluídos aqui os poderosos assessores David Axelrod e Jim Cauley, traçou um ambicioso plano político logo após o famoso discurso de Obama na convenção do Partido Democrata em 2004, em Boston, quando do lançamento da fracassada candidatura de John Kerry. A idéia era prepará-lo para disputar a Presidência já em 2008.
Escondeu-se do público que o político era um fumante inveterado até que ele deixasse o cigarro de lado, definiu-se que o gabinete em Washington seria voltado para abastecer a imprensa de seus feitos legislativos e preparou-se nos mínimos detalhes uma viagem ao Quênia, terra natal de seu pai. "Em Nairóbi, ele foi recebido como uma entidade, uma deificação. Algo inédito na nossa cena política que causou enorme impressão nos repórteres americanos que o acompanharam", conta Mendell.
A estratégia, de acordo com o repórter, uma das estrelas do "Chicago Tribune" desde 1998, incluía a possibilidade de ele sair como vice na chapa de um democrata mais experiente, possivelmente a senadora Hillary.
"Hoje uma chapa Hillary-Obama parece distante, especialmente por conta dos embates que os dois vêm protagonizando e pela lógica de que, no fim, eles disputam os mesmos eleitores e não agregariam votos", explica Mendell. "Tanto Hillary quanto Obama precisam de mais votos entre os eleitores masculinos de origem caucasiana. Mas a estratégia de Obama considera essa possibilidade e ele sabe que, se for convidado publicamente, não terá como explicar à comunidade afro-americana a desistência de tentar ser o primeiro negro vice-presidente do país."
O Obama que surge em "From Promise to Power" lembra menos o herdeiro de John Kennedy apresentado por seus aliados e o aproxima mais de duas habilidosas raposas políticas - Ronald Reagan e Bill Clinton. Nenhuma contradição aqui. "Os dois surgiram com mensagem de otimismo, os antípodas da burocracia de Washington, o novo necessário para reagrupar um país dividido", lembra Mendell. E, como os dois, Obama teria um temperamento bem menos afável de perto do que deixa transparecer em eventos públicos.
De forma jocosa, o repórter abre o livro com Obama ultrapassando as barreiras de segurança da convenção de Boston, sendo recebido aos urros pelo público e se comparando a LeBron James, um dos maiores astros da NBA. "Eu sou LeBron! Posso jogar nesse nível. Sou um craque", teria dito, ao entrar na arena.
Outro ponto alto do livro é o perfil apresentando de Michelle Obama, a mulher do senador. "Ela funciona bem ao mostrar ao senador que ele não está certo o tempo todo. Na prática, ela é a única a exercer esse papel", conta. Mendell revela que um dos maiores receios de Michelle é com a segurança do maior líder político negro do país. Há até discussões abertas sobre ajuda financeira à família em caso de um atentado político contra Obama: "Não penso nisso todo dia, mas a possibilidade está lá e eu preciso garantir que meus filhos ficarão seguros se o pior acontecer", diz.
Filho de um africano com uma americana branca criado no Havaí, Obama sempre se sentiu alijado da comunidade negra nos Estados Unidos. "Foi o que o impulsionou a trabalhar nos projetos habitacionais em Chicago e conseguir uma série de benefícios para os moradores, em sua maioria negros. Mas logo ele percebeu que poderia fazer mais se fosse, por exemplo, prefeito. Imediatamente ele traçou um plano que incluiu a prestigiosa Faculdade de Direito de Harvard, onde se graduou, e entrou decididamente na política local".
Dali para a surpreendente vitória na candidatura ao Senado e as aspirações presidenciais seria um pulo. "Ele parece ser o candidato que acredita de fato, com uma fé cega, que deveria estar na Casa Branca. Obama está convicto de que será um grande presidente", afirma Mendell. O repórter não tem dificuldade alguma para recitar as qualidades que detectou no senador ao acompanhá-lo de perto - carismático, fantástico orador, sério, ético e com uma capacidade de se cercar de pessoas extremamente competentes (o que se revela na sua arrecadação recorde de fundos). E sua obsessão em atacar de frente a crescente desigualdade social americana, de acordo com o jornalista, nada tem de hipocrisia social. Sua missão central, acredita, é a de comandar um gigantesco combate à pobreza, em uma extensão ainda maior do que o último grande projeto tocado por Washington nesse sentido, durante o governo de Lyndon Johnson.
Mas Mendell também não é econômico ao revelar os pontos fracos do político. Na capa da edição de setembro da revista masculina "GQ", uma das mais influentes em seu segmento, Barack Obama é direto: "Estou na corrida presidencial para vencer, quero vencer e acredito que vou vencer. Mas também vou sair desta campanha intacto. Continuarei sendo Barack Obama e não uma paródia de mim mesmo."
Ora, Mendell lembra que o Obama que ele conheceu há três anos já não é o mesmo a desejar a Casa Branca com tanto ardor. Sua chegada ao Capitólio forçou-o a uma acomodação política. "Ele se moveu claramente para uma área mais moderada, mais de centro, que o deixou mais presidenciável, distante do início de sua trajetória. E agora ele tem de lidar com a horda de jornalistas o seguindo para todos os cantos. A irmã dele me contou que desde então o senador costuma passar alguns dias inteiros sozinhos, em silêncio absoluto, nada acessível, selecionando cuidadosamente possíveis interlocutores, expressando uma desconfiança que não havia anteriormente", relata. Mendell ainda o descreve como "severo, egocêntrico e propenso a humilhar interlocutores menos preparados intelectualmente". "E algumas vezes eu percebi uma certa ingenuidade, por exemplo, em encarar o quão cruel e cínico o mundo é. Obama é o otimista eterno e prefere enxergar apenas o lado bom das pessoas", completa.
"From Promise to Power", com suas 406 páginas, revela-se uma fonte imprescindível para os interessados em descobrir quem é, afinal, o homem que quase não compareceu à convenção do partido que oficializou a candidatura de Al Gore em 2000 porque não tinha como pagar a passagem de avião e se transformou no candidato que vem tirando o sono dos Clinton no verão de 2007. O livro ainda não tem lançamento previsto no Brasil, mas já pode ser encomendado na Livraria Cultura, em São Paulo.
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