quarta-feira, agosto 08, 2007

DO BAÚ/PERFIL: Miúcha (1999)


Semana passada passei uma tarde deliciosa no sul da ilha de Manhattan com a cantora e compositora Bebel Gilberto e, fuçando meus arquivos, encontrei este pingue-pongue que fiz da mãe da moça, Miúcha, publicado na capa do Caderno B, do Jornal do Brasil, em 1999, editado pela querida Regina Zappa. É interessante como a conversa girava em torno do momento da necessidade de se (re)descobrir o Brasil real, acima do país de fantasia vivido apenas na experiência americanófila das elites do sudeste e do sul.

Miúcha não se explica, por EDUARDO GRAÇA

Como seu último CD, 'Rosa Amarela', que está saindo agora no Brasil, a irmã de Chico Buarque é para ser ouvida e se sentir


Se algum engraçadinho perguntasse a Heloísa Buarque de Hollanda que música a definiria ela titubearia, aguardaria um olhar cúmplice do gato Dengo, com o qual divide sua cobertura na Ataulfo de Paiva, ali pertinho do Antonio's, no Leblon, e finalmente responderia: Paz, do compadre João Donato. Os amigos da turma do funil não precisam se assustar. Miúcha continua revirando os olhinhos antes de soltar aquela gostosa gargalhada. Principalmente agora, quando comemora o lançamento de Rosa amarela , CD que quebra um jejum de 10
anos sem gravações no Brasil da mais sapeca das filhas de dona Amélia. Uma conferida, ainda que de esguelha, no menu escolhido por Miúcha para seu novo disco, leva à pista certeira: Rosa amarela remete imediatamente às duas parcerias da cantora com Tom Jobim. Os clássicos - e esgotadíssimos - Miúcha e Antonio Carlos Jobim (77) e Miúcha e Tom (79). No repertório, pepitas de Capiba, Jacob do Bandolim, Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho, Aldir
Blanc, Ary Barroso, Edu Lobo, Isamel Neto, Antônio Maria, Paulinho da Viola, Maurício Tapajós. Só fera.

E, exatamente como nos anos 70 - Miúcha passou boa parte da década anterior na Europa e nos Estados Unidos com o então marido João Gilberto -, a sensação é de redescoberta do Brasil. O exílio, mais uma vez, acabou. Rosa amarela, é verdade, foi lançado há dois anos no Japão, pela gravadora Omagatoki. Que bancou toda a produção. Só assim Miúcha pôde voltar a gravar no país. Querelas do Brasil. Mas não tem grilo não que a gente vai levando. Ou traduzindo a explicação da cantora na apresentação de Rosa amarela. Escondida atrás de sua máquina de escrever elétrica, Miúcha arrisca: um disco não se explica. Antes, se escuta, se sente. Exatamente como a pequerrucha Heloísa dos olhos felizes.

- Por que você ficou dez anos sem gravar?
- Porque os únicos projetos que surgiam eram de pot-pourris de Bossa Nova. Aquela coisa de um disco feito todo em cinco dias. Não dava, né?

- E como é que você se sentia?
- Eu me sentia castrada. E a história era sempre a mesma. A de que a música que o povo quer escutar é outra. Não concordo. O que acontece é que determinados segmentos musicais são mais trabalhados do que outros. Veja o caso do Lenine, por exemplo. Um artista fantástico que só foi descoberto pelas gravadoras agora. Muito tarde. A história do Lenine vem lá do bloco
Segura a coisa que eu chego lá , de Olinda, há mais de uma década. E ele já era este Lenine...

- Nestes dez anos em que não gravou no país você esteve longe do Brasil?
- Ao contrário. Tenho viajado muito e participei de projetos que me deram outra visão do país. Por um lado, fiz o Vitrines , que me levou a lugares como São Bernardo do Campo. Por outro, pego minha mochila, levo minhas partituras e me embrenho em locais como Pirinópolis, Alto do Paraíso, Chapada dos Veadeiros. Aliás, o que tem de maluco nestes lugares, é um luxo!
(risos). Nos dois casos há um público absolutamente carente de música popular brasileira. Aliás, minha percepção é de que o Brasil anda carente de música popular brasileira. Aquela questão de que "o Brazil não conhece o Brasil" é cada vez mais urgente.

- A própria história da gravação de Rosa amarela mostra isso ...
- É engraçado porque foi preciso que os japoneses decidissem bancar o disco para que eu lançasse um CD no Brasil. A única condição deles é que eu lançasse primeiro no Japão, o que aconteceu há dois anos.

- E como surgiu o interesse dos japoneses?
- Como todo mundo sabe, eles adoram música brasileira. Fiz uma turnê lá em 96 e, seis meses depois, o disco já estava lançado. Voltei para shows e foi uma loucura.

- E agora a gente até pode achar um CD seu nas lojas de discos ...
- Antes só tinham as coletâneas, os "acervos". Os discos com o Tom, por exemplo, só consigo achar na versão americana. Que é hilária. O encarte diz que sou muito talentosa e fiz dois discos: um com o Antônio Carlos Jobim e outro com seu filho, o Tom. (riso). Não dá, né?

- Rosa amarela é dedicado ao Tom. As gravações e o show que vocês fizeram no Canecão e depois em Buenos Aires e Roma devem trazer boas recordações...
- Nosso primeiro disco foi dedicado ao Radamés (Gnatalli). E aí a primeira lembrança é de nossos encontros no Lucas de tardezinha. Depois me recordo dos ensaios, um sonho! E do Tom espantado porque eu conhecia tudo do Ataulfo Alves. É que a gente cantava muito em casa. Éramos sete irmãos, quatro meninas e três meninos. Logo formamos um coro. E as meninas imitavam as pastoras dos discos do Ataulfo...

- Maninha lembra bem esta época, né?
- O Vinícius mexia muito com o Chico por causa de Maninha. Como ele freqüentava nossa casa na Pacaembu, dizia que o Chico era um grandissíssimo mentiroso. Não havia jaqueira nenhuma, muito menos porão (risos). Mas acho que esta música mostra bem aquele mistério que é o mundo das crianças...

- Seus pais encaravam bem esta família dó-ré-mi?
- De jeito nenhum (risos). Enquanto nós nos esguelávamos no carramanchão da Pacaembu cantando Noite de luar para os namorados que passavam na rua, tudo bem. Mas quando ensaiamos uma profissionalização, mamãe não achou a menor graça.

- Como assim?
- Papai (o sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda) era um boêmio. E vivia levando pito da
mamãe. Um dia, ou por não querer ir sozinho ou por querer levar um pito duplo, me carregou com ele para a "Cave", uma boate da moda em São Paulo. Eu já tinha em casa Canção de meu bem e as músicas de Vinícius para Orfeu da Conceição. Resultado: cheguei na "Cave", fui para o palco e cantei tudinho....

- E...
- Dois dias depois saiu uma notinha em um jornal. Minha mãe apareceu com uma vassoura e sobrou para nós dois (risos). Mas não era só comigo não. O Chico cantou no rádio, pela primeira vez, escondido dela.

- E logo depois você foi morar no exterior...
- Ganhei uma bolsa e fui estudar História da Arte na Sorbonne. Mas já estava mal-intencionada. Tanto que levei meu violão. E também os primeiros discos da Bossa Nova. Ficava ouvindo João (Gilberto) e suspirando: um dia vou me casar com este homem! Pois não é que o diabo ouviu? (risos)

- E você conheceu o João na França, né?
- Foi hilário. Em Paris fiquei próxima do grupo dos estudantes latino-americanos. Íamos sempre para uma daquelas boates baratas de Saint-Germain, a La Candelaria, onde as estrelas eram Violeta Parra e Los Incas. Nesta época eu e Dudu do Banjo resolvemos partir para a Itália
e Grécia cantando e passando o chapéu na rua. E o João estava nos grandes teatros. Nós sempre tentávamos assistí-lo e nunca conseguíamos. Até que um dia ele apareceu de surpresa no La Candelaria, para conhecer a Violeta...

- E acabou encontrando você...
- Pois é. Alguém disse que ele precisava ver a chica brasileira que cantava Bossa Nova. Ele ficou me olhando por uma fresta e eu conversei uns 10 minutos com ele sem saber quem era. Dali sairíamos no mesmo carro com um monte de gente. Ele então me propôs: quando o carro der a primeira parada, vamos sair correndo? E eu, envergonhadíssima, sabendo que ia pagar o maior mico! O resultado é que sumimos e as pessoas ficaram perplexas. Logo estávamos namorando...

- Namorar o João devia ser estranhíssimo...
- Claro (risos)! Era muito doido. E eu era sua maior tiete. Uma vez preparei uma noite romântica, quis levá-lo em um restaurante. E ele, já naquela época, odiava restaurantes. Pensei então no óbvio: crepe suzette e fondue. Quando o garçom acendeu o fogo ele quase teve um troço: "pára com isso que vai incendiar tudo!" (risos)

- E vocês foram logo para os Estados Unidos, né?
- E lá virei datilógrafa em um edifício na Madison Square. Obriguei o João a escrever uma carta, que ele estava me contratando como secretária. Mandei para o Brasil, mas não colou muito. Alguém me dedou e foi um Deus-nos-acuda. Pedimos então ao Jorge Amado, que tinha sido padrinho do primeiro casamento do João e era muito amigo do papai, para escrever uma carta recomendando o João...

- Esta correspondência deve ser hilária...
- E era. Jorge dizia que o João, como todo músico, era meio maluco, mas que era boa gente. Aquela solidariedade típica de baiano. Resultado: João se divorciou da Astrid (Gilberto), nos casamos e ficamos por lá...

- E você deixou o canto de lado por um bom tempo...
- Mas lá descobri que não faço questão de ser cantora. O que adoro é estudar violão, estudar flauta. Preciso é da companhia da música, sempre. E viver com o João estes anos todos foi a maior formação musical de minha vida.

- Aí vieram as parcerias com o Tom, o musical Os Saltimbancos e um longo silêncio. Não dá vontade de ir embora para o Japão?

- Acho que tenho preguiça de sair do país. Rosa amarela, como disse, não deixa de ser uma descoberta de um novo Brasil. Que as pessoas não conhecem, formado por uma enorme massa que não tem grana para ir às casas de espetáculo, mas que sabe cantar Tom, Vinícius, Ary, Custódio. É um Brasil riquíssimo, por trás das vitrines.

- Miúcha, você está em paz?
- Estou parando de fumar, minha voz está mais bonita, os amigos estão próximos, tenho estudado muito e percebido que a música, por si só, contém algo de fé. Estou, sim, em paz.

RETRATOS DO BRASIL
(as músicas de Rosa amarela, faixa a faixa)


Cabrochinha - uma das duas inéditas, composição de Maurício Carrilho e Paulo César Pinheiro. Bem-humorada e moderníssima, para Miúcha é uma versão carioca de Jackson do Pandeiro, sem esquecer das releituras do Cascabulho.

João e Maria - o clássico de Chico Buarque acabara de ser composto e entraria no CD Miúcha e Antonio Carlos Jobim. Mas Aloysio de Oliveira, produtor do disco, queria algo ainda mais pessoal do irmão de Miúcha. Foi quando ele compôs Maninha ("se lembra quando toda modinha falava de amor/pois nunca mais cantei/ ó maninha/ depois que ele chegou"). Nara Leão acabou gravando João e Maria e agora Miúcha volta à canção.

De você eu gosto - pérola muitas vezes esquecida da dupla Tom Jobim/Aloysio de Oliveira, do início dos anos 60. Por incrível que pareça, é o primeiro dos clássicos da Bossa Nova gravado por Miúcha.

A mesma rosa amarela- canção de Capiba e Carlos Pena Filho que dá título ao CD, faz parte da memória musical de Miúcha. Que já a cantava nos improvisados corais dos irmãos Hollanda no casarão do Pacaembu, em São Paulo.

Doce de coco- Outra antiga paixão da cantora, parceria de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho.

Pressentimento - Outra de Hermínio, agora com Elton Medeiros, lembra o tempo em que Miúcha e Cristina imitavam as vozes das pastoras de Ataulfo Alves.

Santo Amaro - Parceria de Luiz Cláudio Ramos com Franklin da Flauta e Aldir Blanc. Choro já gravado por Miúcha em 1980 e presença obrigatória nas turnês japonesas.

Assentamento- composta por Chico para o projeto Terra, de Sebastião Salgado, virou hino do MST e teve sua primeira gravação feita por Miúcha (só os japoneses sabiam disso).

Por causa desta cabocla - Pérola de Ary Barroso e Luiz Peixoto, que volta e meia surgia nos ensaios com Tom Jobim e com Rafael Rabello, com quem Miúcha gravaria um disco.

Choro bandido - a linda pareceria de Chico e Edu Lobo ganha interpretação especialíssima.

Valsa de uma cidade - Ismael Netto e Antônio Maria pedem passagem enquanto Miúcha solta a voz sonhando com um Rio tranqüilo, "leve como um musical da Metro".

Só o tempo- sem mais comentários, uma leitura singular para a obra-prima de Paulinho da Viola (o amor é um segredo/ e sempre chega em silêncio/como a luz no amanhecer")

Querelas do Brasil - Não por acaso esta composição de Maurício Tapajós e Aldir Blanc fecha o disco. Foi a partir da frase-encerramento de Tom em Antonio Carlos Jobim e Miúcha - "o Brazil não conhece o Brasil" - que a dupla compôs a música. Que volta agora mais atual do que nunca. (E.G.)

domingo, agosto 05, 2007

ENTREVISTA/Steve Carell

A Contigo! desta semana publicou minha entrevista com o sensacional Steve Carell, estrela do seriado The Office e do nem tão sensacional assim A Volta do Todo-Poderoso, comédia que chegou aos cinemas brasileiros na sexta-feira. Ao lado dele, a bela Lauren Graham, a Lorelai do seriado Gilmore Girls, personagem inspirado, tenho certeza absoluta, em minha querida amiga Eleonora Alves.

Olha só o conversê:

Steve Carell

Um narigudo em Hollywood

Por Eduardo Graça, de Los Angeles

Divulgação / Universal

O expressivo comediante, que ficou conhecido por seu protagonista em O Virgem de 40 Anos, retorna à telona como o braço direito de Deus no hilário A Volta do Todo-Poderoso

O ator Steve Carell, 44 anos, chega todo arrumadinho ao refeitório dos estúdios da Universal, em Los Angeles. Cabelo milimetricamente penteado, terno cinza com camisa e sapatos pretos. Um mauricinho completo - como é, aliás, seu personagem em A Volta do Todo-Poderoso, que estréia sexta-feira (3). "Almofadinha, eu? Ah, não escreve isso não, vai! Eu tinha de me vestir apropriadamente para me encontrar com os jornalistas internacionais, né?", diz revelando que, quando conversa com repórteres americanos, costuma ir para as entrevistas de camiseta e tênis mesmo.

O comediante, que conquistou Hollywood com o hilário Andy Stitzer, protagonista da surpreendente comédia O Virgem de 40 Anos (de 2005, que rendeu cerca de 177 milhões de dólares), tornou-se também estrela da TV americana ao interpretar Michael Scott, um dos ácidos personagens da versão americana do seriado inglês The Office (canal FX), pelo qual concorre ao Emmy deste ano, na categoria melhor ator em série de comédia.

Apesar do sucesso, ele não tem nada de esnobe. Talentoso, simpático, brincalhão e dono de seu próprio (e imenso) nariz, Carell é um americano quase comum. É casado com a atriz Nancy Walls, 41 (a Carol de The Office), e faz o tipo papaizão. Ele fez questão de levar os filhos, Elizabeth, 6, e John, 3, ao set de A Volta do Todo-Poderoso.

O filme é a continuação do blockbuster Todo-Poderoso (2003), com Jim Carrey, Jennifer Aniston e Morgan Freeman, uma verdadeira e tumultuada sucursal do canal por assinatura Animal Planet (saiba por que na sinopse ao lado). Foram treinadas 177 espécies de animais para a realização do longa.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como seus filhos reagiram ao te ver com uma barba imensa, que quase chegava à barriga (no longa, ele faz uma espécie de Noé do terceiro milênio)?
Sabe que eles foram uma presença constante durante as filmagens? E foram vendo a transformação do personagem aos poucos, então, acho que ficaram completamente fascinados, mesmo com o fato de o pai deles trabalhar em uma "selva" (risos). Foi uma loucura. A Nancy (mulher dele) reclamou que fiquei cheirando a cocô de animais por semanas a fio. Tinha girafa, babuíno, camelos e até cobras (faz cara de nojo).

Por que o "preconceito" contra as cobras?
Não quero estragar a surpresa de ninguém, mas tem uma cena especialmente complicada que faço com a "dona cobra" (risos.) Para você ter uma idéia, cheguei a pedir para o Tom Shadyac (diretor do longa e também de Ace Ventura, de 1994, e de Todo-Poderoso, de 2003) para cortá-la do roteiro, de tão apavorado que eu estava. Mas ele apelou para meu lado "macho" e tive de fazer, né (risos)?

Você apareceu no ano passado em um dos filmes mais elogiados do ano, A Pequena Miss Sunshine, em que fazia um professor mais trágico do que cômico. Pretende investir mais em dramas daqui para a frente?
Olha, A Pequena Miss Sunshine foi uma jóia. E me sinto sinceramente um sujeito abençoado por Deus por ter feito parte daquela história. Nenhum de nós jamais imaginou que o filme ganharia tantos prêmios. Agora, faço de tudo, né? Se o projeto me encantar, pronto, estou dentro, independentemente de ser comédia ou algo mais sério. A única coisa que não tolero, sou radical mesmo, é violência. Se tiver cenas de violência, simplesmente não me convide, pois não aceitarei fazer o filme.

Então você leva seus filhos ao cinema com o maior cuidado...
Claro! Um filme que eu e Elisabeth (sua filha mais velha) adoramos foi Uma Noite no Museu(Stiller) é um amigo querido e as cenas com os macacos me fizeram pensar. (risos) Sabe que os macacos são os animais mais complicados, mais temperamentais e mais difíceis do reino animal, né? Mas o Ben não me deu nenhuma dica para lidar com eles, o danado (mais risos)!