O Valor Econômico publicou neste fim de semana, na capa do caderno Eu&Cultura, meu texto sobre a excepcional biografia The Prophet of Innovation, que chegou este mês às livrarias norte-americanas. Fui até Cambridge conversar com o professor Thomas K. McCraw, que me recebeu com toda gentileza em sua casa. Batemos um longo papo que resultou no texto publicado no jornal paulistano e voltei para Nova Iorque refletindo sobre um aspecto de nossa conversa. Mc Craw lamentou, de certo modo, os tempos nossos, carentes de grandes pensadores que também são economistas. Ele me lembrou de cenas como a visita de John Kenneth Galbraight ao Brasil ou a do próprio Schumpeter ao Japão (não por acaso, aonde era - e é - mais endeusado) no século passado e a maneira como foram recebidos. A crescente desimportância dos intelectuais públicos e a ascensão da ditadura da vulgaridade popularesca também deixaram suas marcas, enfatizou McCraw, vencedor de um Prêmio Pultizer, nas Ciências Econômicas.
A matéria segue abaixo. O livro, que pode e deve ser lido tanto por leigos quanto por acadêmicos (o texto de McCraw, surpreendenteente, tem um delicioso quê de storyteller) ainda não tem tradução garantida para a língua de Camões.
O Profeta da Inovação
Por Eduardo Graça, de Cambridge, para o Valor
Schumpeter torna-se o ícone do capitalismo do século XXI, que exige a prática da destruição criativa, em que os negócios devoram a si mesmos, produzindo novas tecnologias para seguir competitivos.
Em 1983 a revista Forbes anunciou em sua capa: o guia ideal para nos ajudar a entender a Economia na era da Internet nascera há um século. Não, o texto não fazia referência a John Maynard Keynes (1883-1946) e sim a Joseph Schumpeter (1833-1950). Parecia uma ousada provocação, mas, desde então, conceitos elaborados pelo intelectual austríaco como Destruição Criativa, sua obsessão pelo estudo do crescimento econômico a longo prazo e sua ênfase no papel da inovação e do risco no desenvolvimento das economias modernas, vêm sendo revisitados por pensadores e empresários interessados em compreender o ritmo alucinante de mudanças do Capitalismo contemporâneo. Estes agora contam com uma leitura obrigatória: Prophet of Innovation – Joseph Schumpeter and Creative Destruction. Considerada a biografia definitiva de Schumpeter, o livro acaba de ser lançado nos EUA pelo professor emérito de História dos Negócios na Universidade de Harvard, Thomas K. McCraw, que recebeu o Valor em sua casa no subúrbio de Boston.
“Poderia dar voltas e dar-lhe mil motivos por que, afinal, passei os últimos anos mergulhado nos arquivos, nos diários, nos livros, na vida deste homem. A resposta mais direta e simplista, mas não menos exata, é a de que Schumpeter foi quem melhor definiu e escreveu com maior brilhantismo sobre o Capitalismo”, diz McCraw. Nas 719 páginas de Prophet of Innovation, o autor busca um equilíbrio entre a análise do capitalismo e suas transformações até os dias de hoje e o fascínio por um personagem quase tão interessante quanto aquilo que pensou e escreveu.
Ao contrário de Keynes, filho de um prestigiado intelectual, nascido e criado em Cambridge, Schumpeter experimentou o mundo real como poucos acadêmicos. Fez fortuna por conta própria, assumiu o Minstério das Finanças na primeira república de sua Áustria nativa aos 36 anos, e ganhou rios de dinheiro abrindo um banco que, ao fechar as portas depois de dois anos de hiper-inflação na casa dos 134% em meio à quebra da bolsa de Viena, deixou-o completamente falido. Depois de uma breve experiência na Universidade de Bonn e de uma gigantesca tragédia pessoal (a morte da mulher e do filho em um parto mal-sucedido), fugiu da Alemanha nazista e encontrou em Harvard um porto seguro, ainda que completamente dominado pelas idéias keynesianas. “É preciso afirmar que até 1936, quando os dois tinham 53 anos, Schumpeter era bem mais reconhecido do que Keynes. Naquele ano Keynes lançou a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, sua obra-prima, que revolucionou as Ciências Econômicas. E a lançou em inglês! Sim, porque Schumpeter, nunca é demais lembrar, estava escrevendo em alemão. E ainda ousava discordar de Keynes quando este afirmava que o Capitalismo tal qual existia seria o estágio final de nossa sociedade. O que faz Schumpeter único é sua certeza de que o ser humano quer sempre mais, a inovação não termina jamais, simplesmente não havendo um fim para a história econômica”.
Seis anos depois da obra-prima de Keynes, e depois do fracasso de seu Business Cycles, Schumpeter reuniu em Capitalismo, Socialismo e Democracia o que McCraw considera serem ‘os melhores ensaios jamais escritos sobre o Capitalismo, este sistema difícil de se construir e de se manter’. Lançou-o em 1942, quando as atenções estavam todas voltadas para a Segunda Guerra Mundial e metade do mundo rumava para modelos comunistas como os da União Soviética (China, Europa Oriental) ou socialistas (como a Índia e boa parte da África). “Apesar disso, ele não se mostra pessimista em relação ao futuro do Capitalismo. Ao contrário, ele aponta a necessidade de os cidadãos analisarem-no para além dos escândalos e da ganância e da lei do mais forte que pareciam caracterizá-lo naquele momento histórico”, diz McCraw.
Schumpeter considerava um dos principais equívocos de Keynes a idéia de que a Grande Depressão havia sido causada por mecanismos intrínsecos ao Capitalismo, e não pelo confuso sistema bancário norte-americano. O Capitalismo, acreditava, com sua Destruição Criativa, faria com que economias devastadas pelo débâcle de 1929 ressurgissem de modo impressionante nas décadas seguintes. E este estava longe de seu ápice. Mais: não era o consumidor keynesiano e sim o empreendedor shumpeteriano a mola-mestra do sistema. E a estabilidade precisava, muitas vezes, ser sacrificada para se alcançar crescimento real.
Ironicamente, suas análises críticas do Socialismo e do Capitalismo, feitas em tom satírico (‘com passagens que lembram Mark Twain ou Joanathan Swift’, sublinha McCraw), o levariam a ser classificado como um ‘capitalista dissidente’ por muita gente séria. O polemista Christopher Hitchens, por exemplo, diz não ter dúvidas de que Schumpeter era ‘um socialista instintivo’. Ao mesmo tempo, reconhece ter sido ele o maior teórico da batalha entre os dois modelos econômicos deflagrada no pós-guerra. E que sua visão de uma ‘revolução capitalista permanente’ removeria o trabalhador da posição marxista de agente da revolução para a de beneficiário da mesma.
A revolução contínua proposta por Schumpeter, a Destruição Criativa marcada por um Capitalismo canibal, que aparentemente devora a si mesmo, produzindo novas tecnologias e cenários a fim de seguir existindo, pode ser explicitada, lembra McCraw, no comportamento de setores específicos da economia contemporânea, como na produção de música. De fato, no meio século que seguiu à morte do economista, cilindros de alumínio foram rapidamente substituídos por discos de vinil, estes por fitas-cassete, depois por CDs e MP3s.
Apesar do tom monocórdio, quase didático, com que McCraw premia seus interlocutores, há sempre um espaço, exatamente como em seus livros, para tiradas hilariantes. Quando, por exemplo, ele decide que o dândi charmoso e obcecado pelo trabalho era uma incomum combinação de George Clooney com Albert Einstein. Ou quando diz que Schumpeter adorava lembrar que seu objetivo na vida era se tornar o ‘maior amante, o maior economista e o maior cavaleiro do planeta. Mas que, reconhecia, as coisas com os cavalos não iam lá muito bem’. Sua obsessão pelo trabalho, na visão de McCraw, só era comparável a Benjamin Franklin. “Aliás, justamente como ele, Schumpeter estabeleceu uma rigorosa gradação para seus estudos e dava notas (que iam de 0 a 1.0) diárias para seus avanços teóricos. Quase sempre elas beiravam o zero e pouquíssimas vezes chegavam próximas de 1. Ele trabalhava como se o dia tivesse 50 horas e tinha a ambição de deter todo o conhecimento sobre os aspectos sociais e políticos do Capitalismo”, continua.
O Schumpeter de McCraw entendia como poucos o mundo que surgia, tendo vivido em sete países, alguns tão diversos quanto Áustria, Egito, Alemanha e Estados Unidos. “Não tenho receio de dizer que Schumpeter foi a pessoa mais inteligente que estudei”, conta. O elogio, aqui, precisa receber a dimensão devida. McCraw, cujo único livro traduzido no Brasil é a coleção de 11 ensaios biográficos sobre o papa da história empresarial Alfred Chandler (Ensaios para uma teoria histórica da grande empresa), recebeu o prêmio Pulitzer pelo fascinante Prophets of Regulation, em que destrincha a história dos responsáveis pelo estabelecimento das agências reguladoras nos EUA e de seus mais destacados defensores – Charles Francis Adams, Louis D. Brandeis, James M. Landis e Alfred E. Khan.
Para o professor de Harvard, Schumpeter talvez tenha menosprezado a importância da regulamentação governamental na economia contemporânea, acreditando que ela podava a iniciativa empreendedora. “Mas ele certamente não estaria de acordo com os excessos praticados nos últimos anos nos EUA, quando escândalos como os da Enron destruíram a credibilidade do Capitalismo à Washington. É preciso lembrar que Schumpeter nunca foi um conservador reflexivo como seus pares tentaram classificá-lo”, pondera. De fato, John Kenneth Galbraight, que foi seu contemporâneo e mais de uma vez mostrou-se especialmente interessado ‘naquele homem baixinho de rosto redondo, queixo pronunciado e extremamente sedutor’ dizia ter sido Schumpeter o ‘mais sofisticado conservador de seu século’.
McCraw acredita que Schumpeter estaria hoje estudando com interesse ‘a supervalorização do Real e a sobrevalorização da moeda chinesa e seu impressionante sucesso em uma sociedade repressora’ como dois dos mais inquietantes fatos econômicos de nossos tempos, sem esquecer da porta aberta para a ascensão de um ‘populismo perigoso’ oferecida pelos excessos do poder destrutivo intrínseco ao Capitalismo. O biógrafo lembra que o economista acreditava que a desigualdade social, no Capitalismo, era ao mesmo tempo inevitável e fundamental para o estímulo necessário para o despertar do espírito inovador.
A necessidade da inovação de que nos fala Schumpeter estaria representada ainda em empreendedores do mundo contemporâneo, como Steve Jobs e sua Apple ou Bill Gates e sua Microsoft. Todos alcançaram o ‘quase-monopólio’ que Schumpeter traduz como prêmio justo – embora efêmero, posto que será inevitavelmente superado no futuro – dos grandes inovadores. Também é inevitável pensar-se em Schumpeter quando nos deparamos com fusões de grandes corporações mais (como Thompson e Reuters) ou menos recentes (como a Ambev), com histórias de relativo sucesso ou fracasso (Deimler-Chrysler; AOL-Time Warner). Neste exato momento Rupert Murdoch tenta comprar o Wall Street Journal, o segundo maior jornal em circulação nos EUA, para diversificar seu império de mídia, em constante mutação. “Nenhum empresário, nos dias de hoje, pode relaxar completamente. Alguém está pensando, em algum lugar do planeta, em levar para o mercado algum produto de alguma maneira melhor do que o seu. O mundo dos Negócios, dizia Schumpeter, é evolutivo. Ele fazia mesmo uma ligação direta com Darwin”, diz McCraw.
Coincidentemente, há duas semanas, o C.D. Howe Institute anunciou com toda pompa os resultados do estudo Inovação, Competição e Crescimento: Uma Perspectiva Schumpeteriana na Economia Canadense, comandado pelo economista Peter Howitt, da Universidade Brown, localizada no estado americano de Rhode Island. A receita para o Canadá continuar crescendo? “O pais precisa se engajar em um processo de desenlvovimento econômico e inovação permanente”, escreve Howitt.
A idéia de Destruição Criativa, lembra McCraw, foi utilizada recentemente de modo enviesado no âmbito político tanto por neo-conservadores quanto por liberais intervencionistas para justificar a invasão do Iraque. “No fim trata-se exatamente do oposto da ideia Schumpeteriana. A aventura no Iraque está mais próxima do conceito Maoísta de destruir primeiro para que a construção venha naturalmente, após a terra-arrasada. Na China, o resultado foi desastroso. E não é coincidência o fato de que a geração de Deng Xiaoping e seus sucessores tenham encontrado justamente no modelo de economia de mercado Shumpeteriano, que valoriza a inovação, o empreendimento e a criação de crédito”.
McCraw aponta em The Prophet of Innovation uma lacuna na atual formação dos economistas norte-americanos, alguns dos quais fadados a assumir posições importantes no comando da maior potência do planeta: a total falta de interesse pela história dos grandes pensadores econômicos. “Os cursos de pós-graduação em Economia hoje, com poucas exceções, são reféns de um matematicismo vazio, mais focados na precisão do que em lidar com as questões do mundo real. Um estudante típico consegue resolver equações sofisticadíssimas, se debruça constantemente sobre fórmulas e gráficos dos mais variados, mas não se vê desafiado a desenvolver sua sensibilidade para tratar das grandes questões do Capitalismo da era da Internet”, diz. Nada mais distante do que o Joseph Schumpeter que renasce nesta impressionante biografia, um homem preocupado, acima de tudo, em humanizar o seu campo de trabalho. Ou, como resume Lawrwence H. Summers, secertário do Tesouro do governo Clinton e outra estrela de Harvard: “McCraw dá aqui a medida de um homem fundamental para o Século XXI, ou melhor, o Século de Schumpeter”.
sábado, maio 26, 2007
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