sexta-feira, maio 20, 2005

Diretinho da Redação (15)



Na semana passada comecei a reproduzir aqui o texto do escritor alemão Günter Grass, uma reflexão publicada no The New York Times sobre os 60 anos de democracia na Alemanha pós-Hitler. Grass trata da crise da representação parlamentar, do esgotamento da classe política e principalmente da derrocada do ideal democrático frente a um novo tipo de totalitarismo - o absolutismo do mercado. Segue aqui a segunda parte do texto, não menos contundente:

· "Hoje há quase um 'consenso' de que o preço a pagar para se 'viver em liberdade' é o da diminuição do emprego direto, dentro desta lógica perversa da tal globalização. Aqui na Alemanha, o aumento do lucro do setor industrial e o incremento nas exportações não significa mais o incremento de postos de trabalho. A esperança de ter toda a sociedade alemã empregada desmanchou-se no ar. E tudo é visto como se ordenado por Deus, 'como tinha de ser'.

· Aqueles que ousam apontar para o crime de se condenar uma parte da população ao 'esquecimento social' são ridicularizados por jovens jornalistas. Estes os chamam de 'românticos sociais' ou 'bonzinhos'. Dúvidas sobre os motivos reais para o aumento do fosso cada vez maior que separa ricos de pobres são ignoradas a título de se evitar o retorno de uma 'política do ódio'. O desejo por Justiça é considerado ridículo e utópico. O conceito de solidariedade é relegado à lista de palavras estrangeiras no dicionário.

· Embora nós não soubéssemos inicialmente o que fazer com a liberdade que nos foi dada de bandeja, nós fomos aprendendo gradualmente a lidar com a tal da democracia. A geração de 68 nos ofereceu, ao mesmo tempo, um diferente tipo de liderança política e uma clara noção de tolerância. Também descobrimos que nosso passado, nosa herança alemã, estará sempre presente para nos assombrar, passada de avô para pai, de pai para filho. Pense nos neo-nazistas, que, volta e meia, nos presentearam, nestes 60 anos, com o espelho do desrespeito. Ainda assim, nós sentíamos que a democracia tinha chegado aqui para ficar.

· Tarde, talvez tarde demais, nós viemos a reconhecer que a ameaça à nação alemã, o que deveríamos chamar de inimigo público número 1, não vem do radicalismo conservador de direita, mas da impotência de toda a nossa classe política, que deixa centenas de cidadãos desprotegidos frente às ordens da economia. O que está sendo destruído, diariamente, na Alemanha, não é o Estado, mas a Democracia.

· Hoje nós podemos apenas ter a esperança de que poderemos lidar com o novo risco de totalitarismo, sustentado pela última ideologia viva no mundo globalizado. No papel de democratas conscientes nós deveríamos resistir ao poder do mercado e lutar pela liberdade mais uma vez perdida. A ideologia vigente enxerga o homem como pouco mais do que alguma coisa que consume e produz. E só. Estes que encaram a liberdade com que foram presenteados seis décadas astrás como se esta fosse um investimento na bolsa de valores não entenderam absolutamente nada do que o Dia 8 de Maio de 1945 nos ensina ano após ano."