sábado, maio 02, 2009

ENTREVISTA/José Padilha

Já está no Terra Online a entrevista que fiz com José Padilha, o diretor de Tropa de Elite, sobre seu mais recente documentário, Garapa, em cartaz hoje aqui no Festival Internacional de Cinema de Tribeca, em Nova Iorque.

Padilha elogia o Fome Zero, fala de seus novos projetos - incluindo um filme sobre a corrupção na política nacional, que deve começar a rodar logo - e do impacto de seu filme nos grandes centros urbanos do planeta.

Ele também diz que ainda não sabe se
Tropa de Elite 2 sairá mesmo do papel.

Segue o conversê:

Cinema e DVD
Sábado, 2 de maio de 2009

"'Garapa' muda a maneira com que o público vê a fome", diz Padilha
Eduardo Graça/Especial para Terra

Principal estrela do cinema brasileiro na oitava edição do Festival Internacional de Cinema de Tribeca, em Nova York, José Padilha, diretor de Tropa de Elite, premiado com o Urso de Ouro no Festival de Berlim do ano passado, trouxe para Manhattan seu mais recente documentário.

Em Garapa, ele acompanha o dia-a-dia de três famílias que enfrentam a fome no nordeste brasileiro. O filme, que será apresentado para o público amanhã no Festival, impressionou a platéia na exibição para convidados e imprensa.
A reportagem do Terra conversou com o diretor de Ônibus 174 na Rua 13 da Big Apple, sobre os problemas sociais do Brasil, o distanciamento que nova-iorquinos, paulistanos, cariocas e qualquer morador dos grandes centros urbanos brasileiros têm com a fome e seus novos projetos. Garapa estréia nos cinemas brasileiros ainda este mês.

Como foi a reação do público às sessões de Garapa aqui em NY?
Muito semelhante a Berlim. Um silêncio muito grande, muitas pessoas balançadas. Os caras estão vendo uma realidade que é dramática para aquelas três famílias, mas também são informados que aquela é a realidade de uma em cada sete pessoas no planeta. E se perguntam: por que não estamos resolvendo isso?

Você acredita que o filme faça os americanos redimensionarem o drama que vivem neste momento, com uma crise financeira ainda de proporções desconhecidas?
Não. Garapa nada mais é do que um filme em que eu acompanho três famílias que vivem numa situação de insegurança alimentar grave, para usar a classificação da ONU. E o objetivo é mostrar o dia-a-dia destas famílias enquanto o público entende o que é enfrentar a fome. Não de uma maneira intelectual - é só entrar na internet e ver os números - mas como um encontro pessoal. Você não vai aprender sobre a fome do anônimo, como na estatística. Você vai ser apresentado a personagens reais de um filme, vai gostar deles e vai sentir o que significa ver alguém que você 'conhece' não ter o que comer. E isso muda tudo. Garapa muda a maneira com que o público vê a fome.

Imagino que a reação do público não seja muito diferente à de NY em grandes centros como Rio e São Paulo...

Hoje em dia é possível separar as populações entre pessoas que estão integradas na economia global e as que estão à margem. Não há convivência entre o primeiro grupo e as pessoas com insuficiência alimentar grave. Embora os números sejam chocantes, essa gente não tem amigos ou parentes que passam fome.


Você já tinha tido contato direto com a fome antes de Garapa?
Não. Li, pesquisei e estudei muito o assunto. Mas nada me preparou para conviver com a fome diariamente. E esta, creio, é a realidade do público também. E isso explica por que ainda existe a fome. Se entendêssemos o quão terrível é a situação destas pessoas, já teríamos feitos um esforço imenso para resolver o problema da fome no planeta.


Como você vê o Programa Fome Zero?
Vejo muitíssimo bem. O grande acerto do governo Lula foi a ampliação do Bolsa Família. Foi a política de transferência de renda para ajudar estas famílias mais miseráveis. E teve resultado. O número de pessoas com insuficiência alimentar grave diminuiu. Até de um ponto de vista humanitário, foi a coisa a certa a se fazer. Agora, resolveu o problema? Dizer que o Lula erradicou a fome no Brasil, como tem gente que diz, não é verdade. Dentro do universo dos que recebem o Bolsa Família, cerca de 55 milhões de pessoas, ainda há 11,5 milhões vivendo em situação alimentar grave, de acordo com a pesquisa do Ibase-VoxPoppuli. E isso é um fato. Gosto do Bolsa Família, mas isso não significa que eu subscreva o governo do PT.


Não seria a hora de a sociedade civil brasileira se mobilizar de forma mais direta na erradicação da fome no Brasil?
Existe uma proposta de emenda constitucional (PEC) apoiada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar para incluir alimentação como obrigação constitucional. Hoje, não é. Isso teria um peso simbólico, uma ONG poderia processar o governo, por exemplo, se provar que há toda uma população sem acesso ao alimento. Gostaria de ver o governo do PT e lideranças do Congresso apoiando esta PEC.


Que, como você enfatizou, seria, de todo modo, um ato simbólico...
Sim, pois a erradicação da fome, como sabemos, é essencialmente um problema de alocação de recursos. Se o mundo priorizasse recursos a partir de padrões humanitários, não haveria fome. De acordo com a FAO seriam necessários US$ 30 bilhões para erradicar a fome que retrato em Garapa. E o mundo gasta mais de US$ 1 trilhão/ano em armas. Gastou recentemente para salvar os bancos o que daria para garantir um século sem fome na Terra. Veja bem, não estou dizendo que não se precisa salvar os bancos, mas exemplificando que, quando achamos que determinado problema é importante, fazemos. Não se acha que a fome é importante. A PEC acaba forçando esta questão a ser prioritária.


Quanto tempo você passou com as três famílias do Ceará retratadas em Garapa?

Fiquei 45 dias filmando e indo de uma família para outra. Queria cobrir 30 dias de cada família. E demorou muito para finalizar, pois só tinha dinheiro para filmar. Até conseguir finalizar foram alguns anos.

As famílias já viram o resultado?

Já, assim que ficou pronto. Eles estão vendo algo que já sabem como é. É como se estivesse filmando minha própria família e mostrasse, é mais curioso para eles do que surpreendente. Quando fui explicar o projeto, o primeiro raciocínio é que milhões de pessoas os veriam. Será que vai passar na Globo? Precisei explicar que ele não será tão visto quanto eles imaginariam.

Padilha: ajuda a personagens de seus filmes


Garapa
terá lançamento aqui nos EUA? Houve uma certa frustração pela maneira como Tropa de Elite foi divulgado no mercado americano...

Tivemos um problema com a Weinstein Co., que ficou mal das pernas e não lançou vários filmes que tinha o direito de distribuição nos EUA, não apenas o Tropa de Elite. Mas o filme foi lançado internacionalmente muito bem, inclusive na Europa. Quanto ao Garapa, estou tentando ao máximo, vou conversar com o pessoal do Film Fórum aqui em NY, mas sei que não é um filme fácil.


Coincidentemente, eu conversei esta semana com o ator Taylor Kitsch, que vai viver no cinema o fotógrafo sul-africano Kevin Cartner, famoso pela foto da criança africana faminta próxima de um abutre, publicada na primeira página do The New York Times. Cartner, que acabou se suicidando, foi muito criticado por ter feito a imagem ao invés de simplesmente ajudar a criança à beira da morte. Há algum paralelo entre este dilema ético e sua experiência com as famílias retratadas em Garapa?
Para mim nunca existiu uma questão se eu iria ou não ajudar estas famílias. Era óbvio que eu iria. Como iria fazer um filme destes sem ajudá-los? Obviamente não consigo resolver todos os problemas deles. Ninguém vai resolver alcoolismo com dinheiro, por exemplo. Não gosto de ficar falando da ajuda porque o foco sai do filme para discutir o que eu fiz ou deixei de fazer, mas, antes de mais nada, o filme não é meu. É das três famílias. Tudo o que o filme ganhar é deles.

O dinheiro vai diretamente para eles?

Não, você não pode dar um bolo de dinheiro para estas famílias assim. Teremos uma ONG, com assistentes sociais que ajudarão a definir prioridades. Além disso, desde o fim das filmagens, mandamos uma ajuda todos os meses. Estamira, por exemplo, a ajudamos desde o dia em que a conhecemos. Pessoas do Ônibus 174 me pedem ajuda, dentro das minhas possibilidades, claro que estou pronto para ajudar! E a razão é simples: eles são meus amigos, não tem nada a ver com o cinema. O filme é apenas o evento que me levou a conhecer estas pessoas.


Você chegou a provar garapa?

Água com açúcar é uma coisa comum, na infância a gente toma para 'ficar calmo', lembra? Agora, tomar garapa é uma coisa, viver de garapa é outra completamente diferente.


Depois de Garapa o que vamos ver de José Padilha em breve nas salas de cinema?

Em breve eu não sei, mas tenho um documentário cujo tema é caro à antropologia na ilha de edição, que estou terminando de montar. O nome provisório, que vou mudar, é Povos Selvagens, uma história que se passa na Amazônia venezuelana, sobre os vários antropólogos que estudaram os índios yanomâmi pelos mais diversos motivos, de 1964 a 1993. O filme é focado na relação entre os antropólogos e os índios yanomâmi. Também estou terminando um roteiro, uma adaptação de um livro, para a empresa Plan B, do Brad Pitt. Chama-se Marching Powder.


Você escreveu o roteiro em inglês? É mais complicado
?
Terminei o roteiro em português e na semana que vem acabo a tradução que eu mesmo fiz e, se de fato ele acontecer, serei o diretor. Os diálogos são um pouco mais complicados, mas como traduzo do português que eu mesmo criei, é um processo tranqüilo. Don Cheadle será o ator principal. Ele viu Tropa de Elite, e me convidou para adaptar o livro. É a história de um traficante de Liverpool que é preso ao tentar sair da Bolívia e é colocado naquela que é considerada a mais maluca prisão do planeta, a de San Pedro, em La Paz. Mas não me pergunte mais porque não quero contar o filme todo com tanta antecedência. (O livro foi escrito à quatro mãos pelo tal traficante, Thomas McFadden, e o escritor australiano Rusty Young).


Você também tem um projeto com a Universal Pictures...

Sim, aí é um filme grande, com os roteiristas que escreveram Homem de Ferro. É a adaptação de um livro póstumo do Robert Ludlum, The Stigma Protocol. Diria que é uma espécie de Jason Bourne, um filme de conspiração, na linha de Os Três Dias de Condor e Maratona da Morte. Estou conversando com vários atores, aproveitei para sentar com eles aqui e em L.A., mas ainda não fechamos nada.


"Faço filmes sobre temas que me angustiam", diz Padilha


E filmagens no Brasil? E o Tropa de Elite 2?

O Tropa 2 ainda é uma incógnita na minha cabeça. De qualquer modo, antes de ele acontecer, se acontecer, tenho o filme com o Luiz Eduardo Soares, Nunca Antes Na História Deste País, e dá para adivinhar pelo título que é uma história sobre a corrupção e a política brasileira. Imagino como uma Tropa da Elite da política.


Novamente com o Wagner Moura?

Tudo o que eu puder fazer com o Wagner, farei. Por exemplo, tem um personagem brasileiro que é dele, se ele quiser, em Marching Powder. Seria genial fazer com ele, que é um grande ator.


Como você escolhe os filmes que faz?

São sempre temas que me angustiam. Não fico pensando, em casa, qual o próximo problema social que vai me levar a um filme. Às vezes o filme me acha. Estava na esteira da academia correndo quando um cara seqüestrou um ônibus e apareceu na televisão. Aí eu conheço os policiais do BOPE que começam a me contar a vida deles. Aí um amigo do Ibase, o Chico Menezes, me diz que era preciso fazer um filme sobre a fome do ponto de vista de quem passa fome. Pensei: vou fazer! É mais ou menos assim que acontece.


Qual é a opinião do cidadão Padilha sobre corrupção e política brasileira? Você vota em algum partido político com mais freqüência? Há alguma figura política que o tenha animado recentemente? Você se envolve de fato com a política?
Acabo me envolvendo porque muitas vezes os políticos, quer eu queira quer não, se posicionam sobre os temas que trato em meus filmes. Mas jamais faço um filme com agenda política. Meus filmes não são partidários. Não tenho partido algum. No Ônibus 174 mostro que a maneira como a sociedade tratou o Sandro explica o que ele fez naquele ônibus. Em Tropa de Elite é entender como um policial pensa. Como ele vê a sociedade. Como a polícia funciona. E, claro, o processo eleitoral brasileiro faz quase que uma seleção ao contrário...


Como assim?

Se você conseguir passar por este processo e virar um político, muito provavelmente você tem propriedades que não são muito boas para o seu eleitor. É um pouco sobre esta idéia que é o Nunca Antes. O Luiz Eduardo Soares, por exemplo, que hoje é secretario municipal de Segurança Pública em Nova Iguaçu, é um cara que admiro, mas que dificilmente se tornaria presidente do Brasil, por exemplo, porque é muito do bem. Ele não tem as características necessárias, não faz os negócios necessários para tanto. Mas ele ainda tem aquela idéia do sacrifício, ele pensa que se não se meter com aquelas pessoas as coisas ficarão ainda piores.

ENTREVISTA/Clive Owen


A CONTIGO! publicou a entrevista que fiz com Clive Owen, durante lançamento de Tama Internacional, filme ainda sem data de estréia nos cinemas brasileiros. E o inglês dos olhos de ardósia, torcedor famático do Liverpool, falou da crise financeira mundial. Os bancos, afinal, são os grandes vilões do filme, dirigido por Tom Tykwer, de Lola, Corra, Lola.

Owen, que fez a linha 'não me amarra dinheiro não' revela ainda que foi um cabeludo na juventude e adora a comparação com o Dirty Harry de Eastwood.

Clive Owen

Astro Sem Crise

Um dos mais elegantes de Hollywood, o astro inglês sabe que o mundo passa por
um caos financeiro sem precedentes, mas afirma que nunca se venderia por um bom salário

Por Eduardo Graça, de Los Angeles

Clive Owen, 46 anos, já enfrentou guerreiros bárbaros com espadas (Rei Arthur), um futuro fascista ao extremo (Filhos da Esperança) e até o espião Jason Bourne (A Identidade Bourne). Mas nenhum vilão é tão temido quanto o que o astro luta contra em Trama Internacional e Duplicidade, seus dois grandes filmes de 2009: a crise financeira global.

No primeiro, Owen vive um agente da Interpol investigando assassinatos cometidos a mando de um conglomerado financeiro. No segundo, ganha a ajuda de Julia Roberts, 41, para garantir a aposentadoria de seu espião. Queimado pelo sol do Caribe, onde passou as férias, vestindo um terno Giorgio Armani e esperando o fim da entrevista para tomar um drinque na piscina do hotel, Clive diz viver ''em estado de saudade permanente'' da mulher, a atriz Sarah-Jane Fenton, e das filhas, Hannah, 12, e Eve, 9, que vivem em Londres. Pelo visto, a crise global não atingiu o ator inglês. ''Dinheiro não tem essa importância toda para mim'', garante. ''Mas a conta telefônica é estratosférica!”
.


- Seus filmes mais recentes passam a impressão de que você gosta de se cercar de um ambiente sombrio...
- Isso deve ser o reflexo de uma atração que tenho por personagens mais complexos. Papéis de gente muito leve, muito tranquila, acabam me passando a impressão de que não terei muito o que fazer em cena.

- Trama Internacional foi filmado antes de a crise financeira estourar, mas a história é atual. Como no filme, os bancos são os grandes vilões da realidade?
- Sim! Esse é meu filme que mais funciona como uma crônica de nosso dia-a-dia. Trata de grandes questões do momento, da complexidade do sistema financeiro, da globalização, e procura descobrir aonde vai nosso dinheiro.

- E como você lida com o seu dinheiro?
- Do modo mais simples possível. Não tem essa importância toda para mim. Sério! Tenho uma filosofia de trabalho que vem desde o início da minha carreira: jamais aceitei fazer qualquer trabalho por dinheiro. Nem uma única vez. Esse é o guia de minha relação com o dinheiro.

- Mas nem no início de sua carreira?
- Ah, sim. Claro, não é? Qualquer filme que me fosse oferecido, qualquer um mesmo, eu topava. Estava me referindo ao momento no qual passei a poder escolher projetos. Juro, jamais optei pelo que me pagaria mais ou que pudesse ter maior bilheteria. Minha relação com o dinheiro sempre foi bem simples: confiar no meu feeling e trabalhar direitinho. O resultado, inevitavelmente, chega.

- Olhando para o cenário da crise, você se considera um homem de sorte por passar temporadas em Los Angeles, tomando drinques à beira da piscina do hotel?
- Todos os dias de minha vida. É esse o pensamento que mais me vem à cabeça quando estou trabalhando aqui. Agora, sempre encarei meu emprego da maneira mais séria possível e, honestamente, esse tipo de sucesso, de reconhecimento, não era o que eu buscava. Queria apenas trabalhar bem.

- Já que não é o salário, o que pesa de fato na hora de decidir seu novo projeto?
- Tenho de gostar dos roteiros que leio, mas logo entendi que cinema é uma mídia do diretor. Não vou mentir, escolho meus projetos pelo nome de quem vai dirigi-los. Não vou dar nome aos bois, mas já desisti de fazer mais de um filme porque não confiava no diretor. A lógica é simples: se você estiver nas mãos de um diretor ruim, as chances de o longa ser terrível são muito maiores.

- Por causa de suas escolhas mais recentes de filmes, fica-se a impressão de que você é uma espécie de Dirty Harry - personagem clássico de Clint Eastwood - mais intelectualizado...
- (Risos) Adorei isso! Sim, um Dirty Harry mais cabeça, que engraçado!

- E você foi assim antes do casamento e de virar pai? Um jovem durão e matador?
- Não, nem um pouco (risos). O oposto, diria. Quando jovem, eu pintava o cabelo e fazia uma linha mais David Bowie, bem maluquinho (risos). Ah, a juventude...

- Você sente falta de alguma coisa quando está filmando?
Da minha família, o tempo todo. Hannah e Eve não podem mais deixar o colégio para viajar e ficam com Sarah-Jane em Londres. Morro de saudades das três. Ficamos em contato o dia inteiro. A conta telefônica é estratosférica.



ENTREVISTA/Barry Libert

O Valor Econômico publicou neste fim de semana, na revista Eu&Cultura, a entrevista que fiz com o especialista em redes sociais Barry Libert. O homem lançou aqui nos EUA em janeiro Obama Inc., em um lance inegavelmente oportunista, transportando o fenômeno Obama às prateleiras de auto-ajuda para empresários e políticos. Como sabemos, desespero não falta, aqui e aí, nas duas classes.

O resultado é uma espécie de manual em que as virtudes de Obama servem de fórmula para o sucesso de empreendedores mundo afora. Tenho lá minhas dúvidas, mas Libert é simpático e fala bem, até dando dicas para virtuais candidatos ao Palácio do Planalto no ano que vem.


Ó só:


Na quarta-feira, o presidente Barack Obama completou 100 dias na Presidência dos Estados Unidos, marco simbólico presente no imaginário americano desde quando Franklin Delano Roosevelt chegou à Casa Branca, em meio à Grande Depressão, no começo dos anos 1930. Celebrado pelos democratas por conta de sua aceitação popular na casa dos 65%, o ex-senador de Illinois e sua meteórica ascensão são a matéria-prima de A Estratégia de Barack Obama, lançado nos Estados Unidos em janeiro e que a Campus/Elsevier publica
esta semana no Brasil.

Barry Libert e Rick Fault, os autores do livro (cujo título original é o mais inspirado "Obama, Inc."), são nomes imediatamente relacionados ao desenvolvimento e à administração de comunidades interativas no mundo digital: ocupam, respectivamente, a presidência e a chefia executiva da empresa Mzinga, especializada em criar soluções de software para redes sociais de empresas.

O
Valor conversou com Libert sobre as iniciativas de Obama nos primeiros três meses de governo e o impacto que sua vitoriosa estratégia de campanha, em grande parte apoiada em recursos de comunicação encontrados na internet, pode ter causado nos modos de se pensar o gerenciamento de empresas e também na formatação de disputas eleitorais em outros países.

Valor: O sr. teve a ideia para escrever o livro durante a campanha eleitoral?
Barry Libert: O senador John McCain, o candidato republicano, sequer sabia como usar a internet. E em um primeiro momento, a senadora Hillary Clinton parecia, até por ser mulher, saber como se comunicar melhor com o eleitor. Mas o livro surgiu quando comecei a escrever em meu blog sobre a emergência do primeiro líder social dos Estados Unidos no século XXI. Um político que se apropriava das novas tecnologias de forma brilhante, que entendeu como poucos o poder da interação social no mundo digital. Quando ele foi eleito, decidi que queria escrever um livro que tratasse dessa revolução na administração de uma campanha eleitoral, mas que não apenas registrasse o fato de ele ter usado o Myspace, o Youtube e seu próprio Mybarackobama.com com maestria, mas que mostrasse que todo profissional com papel de liderança poderiam aprender a importância de ser um líder social.

Valor: Quais as qualidades do líder social?
Libert: Ele é aquele que entende que negócios - e governo - são, sim, assuntos pessoais. Quando alguém diz a Barack Obama "eu te amo", e ele responde "eu te amo também", está aí uma mensagem tão íntima quanto efetiva. Já vivemos a era daquele que se dizia não ter nada de que se desculpar, por que era o comandante-em-chefe do país. Essa época acabou. Se eu disser para minha mulher, depois de 27 anos de casamento, "querida, sou o comandante-em-chefe", ela me despacha na hora. Não consigo pensar em nenhum outro governante com a capacidade de
comunicação de Obama, o único líder social planetário no momento, ao mesmo tempo transparente e com força pessoal.

Valor: O USA Today, em sua edição que marca os primeiros 100 dias de Obama na Casa Branca, diz que o segredo de seu sucesso parece ser "um equilíbrio entre descontração e firmeza, a vontade de exercer o poder e a capacidade de sedução, o cultivo de um tom professoral, quase ao ponto de se mostrar alheio aos interlocutores, sem perder a capacidade de negociar pequenos detalhes, jamais esquecendo de seus objetivos centrais à frente". São estas as características fundamentais, hoje, na administração de um país ou de um negócio de ponta?

Libert: Sim. Obama compreende que o grande desafio de seu governo - e de qualquer modelo de administração nos dias de hoje - é se mostrar próximo de todos, mas sem deixar de fazer o seu trabalho, de cumprir seus objetivos. E este é um equilíbrio muito difícil de alcançar.


Valor: Uma das grandes inovações da nova administração tem sido o uso do YouTube como ferramenta de comunicação direta com o público. Não há aqui um risco de populismo no contato direto do presidente com os cidadãos, com a eliminação da figura do jornalista como mediador?
Libert: Obama não usa mais nem mesmo a bancada do governo, na Casa dos Representantes, onde tem folgada maioria, por exemplo, para levar sua mensagem para o público. Os congressistas, como sabemos, têm seus próprios interesses. E nas democracias contemporâneas o mundo dos negócios e o da política têm sido cada vez mais voltados para o interesse desses protagonistas, e não da comunidade ou dos consumidores. Obama oferece uma volta à ideia do governo do povo, com o povo, para o povo. E o mundo dos negócios precisa entrar nesse barco: negócios do povo, para o povo, com o povo. O descompasso, aí, foi uma das razões da atual crise financeira. Não por acaso, muitos dirigentes empresariais e financeiros estão assustados com a realidade dos novos modos sociais de comunicação.

Valor: Quais são as principais lições que as empresas podem tirar da vitoriosa campanha de Obama?
Libert: São três lições básicas. A primeira, manter-se sempre calmo. Comandar não pressupõe raiva, zanga. Outra: liderar pelo exemplo. Seja coerente. E a terceira: use toda a tecnologia disponível para se conectar com as pessoas individualmente, abrindo espaço para que cidadãos se conectem diretamente com você de forma íntima. Pense na Garota Obama, que se transformou em fenômeno na internet ao gravar vídeos confessando que tinha uma queda pelo senador. Pense que campanha de base, hoje, também é feita na mídia eletrônica. E você precisa ser o agente da mudança. Se você quer que as pessoas usem "twitter" ou achem você e sua empresa no myspace, o movimento tem de começar com você.

Valor: A internet de banda larga, no Brasil, é considerada por especialistas uma das piores do mundo, lenta e cara. As lições pinçadas em seu livro não seriam menos aplicáveis à realidade brasileira?
Libert: De modo algum. O livro oferece aos brasileiros pistas de para onde o mundo dos negócios está indo. É impossível evitar as novas tecnologias. A internet, mesmo a que chega através dos celulares, aumenta a velocidade de tudo e oferece mais oportunidades de que a voz do eleitor, do consumidor, do cidadão, seja melhor ouvida. É inevitável. E, exatamente, como democracia, se espalha por conta própria.

Valor: Várias empresas brasileiras sequer permitem que seus funcionários tenham acesso a redes sociais como myspace ou que usem ferramentas como mensagem instantânea no local de trabalho...
Libert: Isso acontece nos Estados Unidos também, e é um erro. Construo redes sociais para as mais diversas companhias e a resistência é enorme. É a visão tradicional, de quem não quer dar voz aos funcionários. Comete-se o claro e terrível erro de se preferir não ouvir o que o empregado tem a dizer. O benefício de se abrir uma rede social para funcionários e clientes é o de se contar com consumidores mais integrados, que comprarão mais, empregados mais conscientes do projeto da empresa e acionistas cientes do caminho trilhado pela instituição.

Valor: De que modo os candidatos à sucessão do presidente Lula podem se inspirar na campanha de Obama para a disputa presidencial de 2010 no Brasil?
Libert: Obama conseguiu a contribuição recorde de US$ 800 milhões fazendo com que as pessoas acreditassem estar criando, de fato, o sucesso daquele político. Ele apostou, de modo certeiro, que o futuro é das grandes comunidades sociais. Um candidato ao poder em Brasília, sendo inteligente, vai deixar que as pessoas criem suas próprias marcas relacionadas a ele, como fez a Garota Obama. Vai abrir um espaço real para que as pessoas tenham voz em sua campanha. Vai redefinir a noção de participação. E vai deixá-las usar a criatividade em seu benefício. Enfim, a ordem é deixar que eleitores e consumidores carreguem a sua marca por você.

E Assim Nasceu o Violão

Há duas belas canções no novo disco de Nana Caymmi, além da versão novelesca de Não Se Esqueça de Mim, com meu querido Tremendão. Uma é Senhorinha, de Guinga e PC Pinheiro, que sempre me remete ao Vale do Paraíba fluminense. Doce, triste, presa a um passado que não voltará jamais mas com um pingo de esperança no fim. Não me emociona tanto quanto a interpretação de Zezé Gonzaga, mas o arranjo de Cristóvão Bastos é primoroso.

A outra, que descobri via Mauro Ferreira, e seu ótimo diário musical, é Violão, novamente de PC Pinheiro, agora com Sueli Costa. Uma historieta românitica sobre o nascimento do instrumento musical, a partir das curvas de uma bela mulher.

Diz assim: E o artesão finalmente/Nesta mulher de mandeira/Botou o seu coração/E lhe apertou contra o peito/Deu-lhe um nome bonito/E assim nasceu o violão

Uma maravilha. E o violão de João Lyra, na faixa, consegue a proeza de nos fazer prestar tanta atenção em seu dedilhar quanto à voz da filha de Dorival.

No mais, o disco desceu quadrado, sem muitas surpresas. E olha que nem xio com os boleros, sou fã de Lucho Gstica & cia.

Ouvir Nana, de longe, é sempre um bálsamo. Saudades do Brasil.