segunda-feira, dezembro 26, 2005

Diretinho da Redação (39)



Esta foi a última coluna do DR de 2005. Já está no Direto da Redação. Estou de férias, no Brasil, e só retorno em fevereiro. A coluna conta exatamente como eu cheguei, via Varig, ao Rio de Janeiro...


Varig: A Decadência de uma Empresa


As histórias vêm se acumulando e o risco de a narrativa que segue parecer repetitiva ou, no pior caso, banal, é grande, eu sei. Mas chegar ao Brasil pela Varig, venha-se de onde vier, está se transformando em uma espécie de via-crúcis do passageiro desavisado, que sofre na pele os efeitos da decadência da empresa.

No domingo último, cometi a imprudência de pegar o vôo Nova Iorque-São Paulo-Rio de Janeiro da Varig, marcado para sair às nove da manhã do aeroporto JFK, no Queens. A empresa pedia, encarecidamente, por conta dos ‘procedimentos de segurança’, que eu e os demais passageiros chegássemos ao terminal de embarque com três horas de antecedência. Acordei às cinco da matina e às seis estava de pé, obediente e compenetrado, na fila do check-in. Lá fui informado por um funcionário de que o vôo sairia com um ‘pequeno atraso’ de três horas. Mas que tudo estava bem, não havia cancelamento algum.

Tudo estava bem para quem, cara-pálida? Por que é que a Varig não avisou aos passageiros do tal atraso com alguma antecedência? Em tempos de mensagens eletrônicas e celulares, a empresa gaúcha está mais para os Flintstones do que para os Jetsons. Pior para quem pegaria uma conexão para Buenos Aires ou Montevidéu. Estes teriam de dormir no aeroporto de Guarulhos e torcer para que o vôo do dia seguinte não atrasasse.

Mas a confusão não terminou aí. A viagem que começaria agora às 11 da manhã sofreria novo atraso, causado por ‘problemas com o transporte da tripulação do hotel para o aeroporto’. Peralá. Então a tripulação seguia relaxando no hotel enquanto, nós, abnegados clientes, esperávamos pelo milagre do avião no saguão impessoal do JFK? E se nós todos havíamos conseguido chegar ao aeroporto, porque não o piloto e os comissários de bordo?

Mistérios da Varig, que aumentaram quando da chegada em São Paulo, à meia-noite. Lá fomos avisados de que a empresa havia preparado um vôo especial para os otários que haviam desembolsado em média US$ 1.000 por uma passagem de classe econômica. Aliás, parte dos passageiros havia comprado seu tíquete em São Francisco, com preço ainda mais salgado e contabilizando seis horas a mais de torturas do que eu. Não dava nem para competir.

Mas voltemos a São Paulo. O tal vôo especial, curiosamente, sairia uma hora e meia depois de nosso pouso na capital paulista. Teimoso, fui indagar o motivo da nova espera. A resposta me veio em um sorriso constrangedor: ‘Na verdade, este é um vôo que vem do Peru, e também está atrasado. Então, vamos colocar os passageiros no avião assim que ele pousar, tá bem?”. Não, não tava. Pergunto, à beira de um ataque de nervos: ‘Mas então não há vôo especial coisa nenhuma, vocês mentiram para nós? “Sim”.

Jamais vou saber ao certo se há alguma relação entre minha expressão de ódio profundo e a mensagem que ouvi no alto-falante cinco minutos depois. A empresa ofereceria um lanche em uma cafeteria do aeroporto – até então, fora de nossas casas desde as 5 da manhã, nós, de Nova Iorque, apenas tivéramos um almoço frugal e um lanchinho rápido dentro do avião. Imediatamente uma multidão formou uma fila que dava voltas em um dos portões de embarque de Guarulhos para garantir um sanduíche e um refrigerante.

Ali encontrei viajantes oriundos dos mais diversos pontos do globo – Milão, La Paz, Frankfurt. E, claro, do Recife, de Manaus, de Porto Alegre. Convenhamos, se a Varig trata a ‘gringada’ com este desrespeito, imaginem vocês, leitores amigos, como ela lida com a gente da brava nação Tupi. Um dos depoimentos colhidos pelo colunista foi o de um vôo Recife-Natal que, depois de horas de atraso, se transformou em uma viagem de ônibus. Isso mesmo. Paga-se uma passagem de avião e encara-se, madrugada adentro, as esburacadas rodovias brasileiras. Detalhe: um dos passageiros desta aventura era uma criança de 17 dias.

Depois de descobrir que minha história estava longe de ser das piores, entrei aos trancos e barrancos no avião que nos levaria ao Galeão. Conquistei uma cadeira à tapa – cada vez mais enrolada, a empresa avisa no último segundo que ‘as cadeiras não serão marcadas no vôo SP-Rio’ – apenas para descobrir que teríamos de esperar mais um pouco por conta de um problema técnico. Mais um.

Paciência testada de todas as maneiras possíveis, chegamos ao Rio depois das três da manhã. Como a Varig atrasou inúmeros vôos, a fila na alfândega era tamanha que invadia a área do Free Shop. Resignado, um passageiro mais gaiato olha para mim e dispara: “Foi ou não foi o vôo dos infernos?”. Foi.

Às 4h30 da manhã, quase 24 horas depois de sair de casa, minha irmã abria a porta, cara de sono, cabelo em pé, no bairro das Laranjeiras. Eu não conseguia dizer nada. Da próxima vez que voar o dia inteiro, pensei, que ao menos eu vá para o Japão. E certamente não viajarei de Varig.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Diretaço da Redação - o texto certeiro do Eliakim

Está na página do www.diretodaredacao.com o texto de Eliakim Araújo sobre a decisão do JN de ignorar a notícia que foi tema da coluna da semana do blogueiro aqui, a polêmica decisão da PDVSA (CITGO) - leia-se Hugo Chávez - de oferecer combustível subsidiado para comunidades menos favorecidas aqui de Nova Iorque e também em Massachussets. Vale ler o artigo na íntegra. Um trecho:

BONNER E O COMEDOR DE BISCOITOS

Façam suas apostas: Homer Simpson é um preguiçoso, de raciocínio lento, que passa o dia em frente a TV comendo biscoitos e bebendo cerveja ou um pai de família devotado, trabalhador, sem curso superior, que chega do trabalho cansado e quer se informar sobre os fatos do dia de maneira clara e objetiva?

A polêmica surgiu depois que o professor Laurindo Lalo Leal Filho publicou artigo na revista Carta Capital contando inconfidências dos bastidores do Jornal Nacional. Laurindo, junto com um grupo de nove professores da USP, visitou a redação da TV-Globo em 23 de novembro e foi convidado para participar como assistente de uma reunião de pauta do JN.

Além da superficialidade com que são tratados e escolhidos os assuntos que entrarão na casa de milhões de pessoas, Laurindo se mostrou perplexo ao ouvir de William Bonner, o editor-chefe, que uma pesquisa realizada pela Globo constatou que o telespectador médio do JN “tem muita dificuldade para entender notícias complexas e pouca familiaridade com siglas como BNDES, por exemplo”. Por isso, na redação da Globo o brasileiro médio é apelidado de Homer Simpson. Para o professor Laurindo, um obtuso personagem de raciocínio lento e preguiçoso. Para Bonner, em resposta ao professor, Homer é um paí de família trabalhador, responsável, que gosta de se informar de maneira clara e objetiva.

Em nome da clareza, invocada acertadamente por Bonner, é que me obriguei a fazer acima o pequeno resumo da história para aqueles que ainda não a conheciam. Como mandam os manuais de jornalismo.


Para ler na íntegra, como diz meu amigo Ivson, vai lá mané: www.diretodaredacao.com

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Arnoldão pegando no ganzê e no ganzá

Este vídeo é absolutamente imperdível. É de chorar de rir. Está circulando na internet aqui nos Estados Unidos e mostra o atual governador da Califórnia, um dos símbolos do Partido Republicano, zanzando pelo carnaval carioca nos anos 80 e aprendendo a falar 'bunnnnnda'.

Como diz meu amigo Ivson, vai lá mané, e veja um político conservador se esbaldando nos trópicos:

http://www.devilducky.com/media/38195/

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Diretinho da Redação (38)


A coluna da semana já está disponível lá no www.diretodaredacao.com e aqui embaixo também:

A Ousadia do Companheiro Hugo Chávez


As cartas chegaram às nove maiores companhias de energia dos Estados Unidos em outubro. Assinadas por 12 senadores democratas, dona Hillary Clinton à frente, apelavam para que parte dos lucros astronômicos das corporações fosse aplicada nos programas federais destinados a reduzir o preço da gasolina e do gás em comunidades mais pobres e locais estratégicos (como hospitais e escolas) do país. A lógica do pedido era simples: o preço do petróleo está nas alturas e a devastação causada pelo furacão Katrina no Golfo do México prometiam o inverno mais dispendioso das últimas décadas no já gélido nordeste dos Estados Unidos.

Com um olho na conta de gás e outro nos aquecedores, famílias vêm economizando aonde podem para enfrentar o inverno com alguma dignidade. Ninguém acreditava mesmo que empresas como Texaco ou Shell fossem oferecer energia subsidiada. Muito menos que a Citgo, o braço norte-americano da estatal venezuelana PDVSA, fosse responder de forma positiva à proposta democrata.

Pois no Bronx, o distrito mais pobre de Nova Iorque, a população quer saber mais sobre o companheiro Hugo Chávez. Ontem a Citgo começou a enviar gás mais barato para 75 projetos habitacionais da cidade – em uma parceira com a prefeitura, que deverá ser estendida logo, logo, para o Queens e o Harlem – assim como já faz há duas semanas nos guetos de Massachussets. O desconto é de 40% e, apenas no Bronx, 8 mil famílias serão beneficiadas.

Gente como Belkis Bejaran, de South Bronx, que vai economizar pouco mais de US$ 100 por conta da ajuda do companheiro venezuelano. E que vibrava nesta terça-feira com a chegada do caminhão verde-oliva da PDVSA na esquina da rua 176 com a Townsend Avenue, carregando os primeiros 500 galões de gás combustível a serem utilizados pelos moradores locais.

Assistencialismo barato? Quem faz as contas é o administrador de um dos projetos habitacionais agraciados pela parceira Venezuela-Bronx: a economia média dos condomínios será de 450 mil dólares neste inverno. Papi Noel Chávez, felicíssimo, ainda gastou uns trocados para anunciar nos principais jornais do país, em propaganda de página inteira, que a ajuda é humanitária e que nada poderia representar mais o espírito da América do que tal atitude. Ele ainda cutuca o desafeto George Bush dizendo que o governo federal americano abandonou seus pobres. Mas seu grande trunfo foi deixar a opinião pública norte-americana estupefata: nunca um dirigente de um país do Terceiro Mundo, ainda mais da pobre América Latina, havia ousado trocar de figurino com Tio Sam de forma tão clara.

Em setembro, Chávez visitou o Bronx e ficou chocado com o que viu. Ciceroneado pelo deputado democrata José E. Serrano, uma das figuras mais populares do distrito, ele prometeu pensar em algo para ajudar a combater a ‘pobreza latino-americana dentro da América”. A maioria da população abaixo da linha da pobreza no Bronx é de origem hispânica ou negra. Acusado de ajudar Chávez a infiltrar seu estilo populista no coração dos Estados Unidos, Serrano respondeu de imediato: “Se as pessoas acham que Chávez está aproveitando o Bronx para fazer propaganda, queremos deixar bem claro que ele é mais do que bem-vindo. Aliás, se as grandes corporações quiserem vir aqui e fazer propaganda também, por favor, não se avexem”.

A propósito: de acordo com o senador Jack Reed, de Rhode Island, a única companhia petrolífera que se deu ao trabalho de responder a carta dos senadores democratas foi a PDVSA.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

ENTREVISTA/ CHUCK PALAHNIUK


Entrevistei o escritor Chuck Palahniuk, autor do best-seller "Clube da Luta" (que virou filme com Brad Pitt e Ed Norton) para o Valor Econômico. O conversê saiu hoje, no caderno Eu&Cultura:


O Brinquedo Assassino de Chuck

Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor

A cena se repete pela enésima vez. Enquanto o autor lê trechos de uma de suas histórias para o público, começam os desmaios. Um, dois, três, quatro! “Até este exato momento, 73 pessoas desmaiaram na turnê de divulgação do livro. Eu fico pensando que isto se deve mais ao calor das salas de leitura e, claro, ao tipo de curioso que resolve sair de casa para ir me ver. Agora, convenhamos, minha literatura não é mesmo, digamos assim, direcionada para leitores mais tímidos, né?”. Quem pergunta, quem escreve, quem causa tamanha comoção em leitores desavisados, é Chuck Palahniuk, 43 anos, o mestre por trás do “Clube da Luta” e que chega às livrarias brasileiras em dose dupla: “Sufoco”, escrita em 2001, sai esta semana pela Rocco e a recém-publicada coletânea de contos “Haunted” (Mal-assombrado) pode ser encontrada, infelizmente apenas em inglês, nas boas livrarias das capitais do país.

Os desmaios vêm transformando as mais recentes leituras públicas dos livros de Palahniuk nos Estados Unidos em eventos singulares, que pedem, invariavelmente, uma equipe de primeiros-socorros contratada pelas livrarias mais do que interessadas em transformar um simples encontro entre escritor e público em um evento performático e tão inconseqüente quanto sua literatura. “Tudo começa de uma maneira bem engraçada. Eu quase sempre tenho de recomeçar a ler os trechos escolhidos por conta do volume das gargalhadas. Mas assim que as pessoas começam a relaxar, a narrativa vai ficando mais pesada e, sim, incômoda. Quando as pessoas começam a perceber o que vai ocorrer com o narrador da história, os desmaios começam. E é claro que eu adoro ler algo que causa tanta histeria e drama”, conta o escritor.

Palahniuk está falando de um conto específico apresentado em ‘Haunted’, ‘Guts’, em que três histórias se sobrepõem: duas brincadeiras com cenouras e velas e uma outra conectando o sugador da piscina com a genitália masculina. Detalhe: as histórias realmente aconteceram, e os protagonistas foram conhecidos do escritor. ““Esta última quem me contou foi um senhor que estava em tratamento em um grupo de viciados em sexo. Eu o conheci justamente quando estava pesquisando para escrever ‘Sufoco” e achei que se tratava de uma história sensacional, engraçada e ao mesmo tempo realmente triste. Eu acabei não resisitindo e a incluí no meu livro de contos”, diz.

Quase toda ficção de Palahniuk é baseada em fatos que aconteceram na vida real. Mas ‘Sufoco” e “Haunted” surgem como um passo à frente (ou ao lado, como prefere Palahniuk) das odes ao niilismo que marcaram seus romances anteriores. “Sufoco” é considerado uma espécie de transição para um tipo de narrativa que contém, vá lá, valores mais positivos, quiçá a velha e boa esperança nossa de cada dia.

Aqui, o autor conta a história de Victor Mancini, um homem patético e viciado em sexo. Todo tipo de sexo, de papai-e-mamãe à simulação de estupro e até mesmo objetos inseridos nos orifícios mais variados. Em uma narrativa especialmente anti-erótica, vulgar no sentido íntimo do nome, ‘Sufoco” apresenta um mundo de infinitas possibilidades, de permissividade ilimitada. E, ao mesmo tempo, repete um bordão durante todos os seus capítulos: a total inabilidade de Victor de conseguir um relacionamento de verdade, em que não precise se ‘sufocar’, ou simular sua morte, para sobreviver, inclusive financeiramente.

“Sufoco” e “Haunted” não bebem da raiva do “Clube da Luta”, nem da grandiosidade de “Survivor”. Mas a mística de seu livro mais famoso, é claro, ainda rende dividendos a Palhaniuk. Não por acaso seu endereço eletrônico começa com Tyler, exatamente o nome do personagem mais emblemático e fantasioso do filme, vivido por Brad Pitt. Quando o livro foi transportado para Hollywood, o escritor se transformou em uma das principais vozes de um certo inconformismo americano, representando com convicção os nostálgicos por um dia-a-dia mais concreto e direto. Sua literatura chegou a ser acusada de ‘auto-ajuda para machões’, ao mesmo tempo em que era alçado à categoria de ‘novo Don DeLillo’. “Eu acho que o diretor David Fincher fez algo fabuloso com o ‘Clube da Luta’. O filme dele acabou sendo muito, mas muito melhor que meu próprio livro e ele é o modelo que tenho em mente para qualquer adaptação a ser feita de algo que eu escrevi”, diz o autor, jurando, em entrevista exclusiva para o Valor, que não anda freqüentando nenhum curso de aprenddizado de modéstia por correspondência.

- Eu li que que o senhor chegou a autografar vômito nesta sua última sessão de autógrafos. Quão estranhas elas são?
- Você não vai acreditar, mas tenho tanto medo de aparecer na frente das pessoas que eu comecei a levar brindes para minhas leituras e a presentear o público. Coisas assim como corvos empalhados (centenas deles), margaridas imensas, mamadeiras tamanho-família, buquês de noiva, pedaços de pernas e braços de brinquedo com sangue. São meus amuletos de sorte, que me ajudam a perder o medo quando eu entro no ‘palco’.
- Lendo seus dois livros podemos pensar nos vícios da sociedade contemporânea, na compulsão pela representação, na natureza cada vez menos íntima do sexo. Quais os pontos centrais de “Haunted” e “Sufoco”?
- O ponto central é a crise de nosso tempo, em que há uma falta de credibilidade total. E agora que a Internet transformou cada indivíduo em uma fonte de notícias, todos vêm sofisticando a técnica de abusar da verdade para seu próprio benefício.
- E o senhor está escrevendo algo agora?
- Sim! Uma ficção científica na forma de uma biografia. O que eu posso adiantar é que o livro documenta a vida curta de um jovem vivendo em um futuro nem tão distante assim, provavelmente cerca de duas décadas à nossa frente.
- Seus livros pegam pesado na violência. Há auto-mutilação em “Haunted” e abuso sexual em “Sufoco.” Você acha que a violência é mais presente do que nunca nos dias de hoje?
- Outro dia eu li um artigo indignado dando conta do retorno dos tratamento de choque para pacientes sofrendo de depressão. Isso não me surpreende nem um pouco. Eu sempre precisei de um ato físico para aliviar meu estresse. Se não fosse uma luta, pelo menos um dia inteiro carregando pedras ou pesos. As pessoas passam tanto tempo evitando o estresse dos conflitos que acabam perdendo a chance de desfrutar de seus benefícios. Conflito e batalha consensual trazem consigo um senso de paz e uma aceitação do descanso fundamentais.
- Boa parte de seus leitores brasileiros, pensam no senhor como ‘aquele escritor macho’. Isso o incomoda?
- Vai ver que quando eu escrevi o ‘Clube da Luta’ eu era mesmo ‘aquele escritor macho’. Ou pelo menos mais macho do que sou hoje. Aquele livro foi minha maneira de lidar com o tédio e a frustração que eu sentia quanto tinha 30 anos. Eu jamais conseguiria escrevê-lo hoje. E eu espero que os próximos cinco filmes que já estão sendo produzidos sobre a minha obra – “Sufoco”, “Survivor”, “Diary”, “Invisible Monsters” e “Lullaby” – modifiquem minha reputação. E que eu vire o ‘escritor insano’. Eu posso agüentar melhor esta!

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Connecticut: Lobista e Empreiteiro ficam de fora

Parece notícia paroquial, mas deveria interessar a quem trata do tema no Brasil. Esta semana aqui em Connecticut - onde, aliás, vive uma cada vez mais atuante comunidade brasileira - o legislativo local aprovou uma série de reformas no financiamento de campanhas eleitorais, que passa a ser basicamente público. Entre outras determinações, fica proibida a doação às campanhas por lobistas profissionais e empreiteiros. E o limite para a gastança declarada ficou menor, chegando a US$ 3 milhões para governador e US$ 10 mil para o que equivaleria ao cargo de deputado estadual no Brasil.

Connecticut também criou um 'sistema de financiamento voluntário'. Funciona mais ou menos assim: para poder receber dinheiro do Estado os candidatos precisarão primeiro passar o chapéu para pessoas físicas, em valores que não podem ser superiores a US$ 100 por cabeça. Quem receber mais, provando ter mais apoio popular, recebe mais ajuda pública. Fugiu-se assim da partilha do dinheiro da Viúva pelo número de cadeiras no Congresso estadual. A idéia é evitar, mesmo em um sistema basicamente bipartidário, o nosso velho conhecido troca-troca de legendas.

Em Connecticut o governador é republicano mas o Legislativo é dominado pelos democratas. Os dois lados apóiam as novas regras eleitorais. Dois outros estados, Maine e Arizona, também aprovaram o financiamento público recentemente, mas não proibiram a grana amiga de lobistas e empreiteiros. Se vai dar certo? No ano que vem a gente vai saber.

Chavez, mais um gol de placa

Hoje o governo venezuelano publicou anúncio de página inteira nos principais jornais aqui dos Estados Unidos. O título era Como a Venezuela Mantém os Aquecedores Funcionando nas Casas de Massachusetts, dando conta do acordo feito entre a PDVSA, a estatal venezuelana, e o governo de um dos estados mais liberais da Nova Inglaterra (embora comandado por um republicano), para levar gás mais barato às casas dos pobres americanos. Pois é.

O anúncio, na íntegra, com tradução livre do blogueiro aqui:


Quando acontecem disastres, o povo americano têm sido sempre o primeiro a oferecer seus corações e suas economias. Agora que os Estados Unidos foram atingidos com uma série de catástrofes naturias, a Venezuela e a CITGO estão oferecendo combustível - 12 milhões de galões de petróleo a preços muito abaixo do mercado - para ajudar os pobres de Massachusetts a se aquecerem neste inverno. Insituições públicas como escolas, hospitais e enfermarias também serão agraciadas com o combustível barato, em uma economia estimada de 80 centavos por galão, ou milhões de dólares economizados pelo Estado de Massachusetts nos próximos meses.

Nós já estamos preparando um plano especial para Nova Iorque e outras regiões temperadas, onde os residentes mais pobres enfrentam, ao mesmo tempo, o alto preço da conta do aquecimento e a precária assistência do governo federal. A Venezuela vem fornecendo a maior parte do combustível utilizado para o aquecimento das casas do Nordeste americano por muitos, muitos anos.

Por que estamos fazendo isso? Por que colocaríamos pessoas à frente dos lucros?

Porque nós não somos apenas uma companhia de energia. CITGO é uma subsidiária da PDVSA, a empresa estatal controlada pelo povo venezuelano. Por isso a PDVSA, em parceira com o governo do presidente Hugo Chavez, investe todos os anos uma boa parte de seus lucros para apoiar a educação, o combate ao analfabetismo e programas especiais para trabalhadores que ajudam milhares de venezuelanos. E a Venezuela, assim, tem dado às mãos a outros parceiros, na Ameerica do Sul e no Caribe, fortalecendo a região através do comércio externo justo, do desenvolvimento social e de parceiras econômicas.

O que nós leva de volta aos Estados Unidos, nosso antigo parceiro comercial e amigo. O programa de assistência da CITGO é um simples ato de generosidade para ajudar a população de Massachusetts por conta dos desastres dos furacões Katrina e Rita.

Nosso programa de assistência não é um programa político. Ele oferece ajuda humanitária aos necessitados. O que poderia ser mais americano do que isso?


Ligue-se o aquecedor com um recado destes...

Momento Blog

Eu sei, eu sei, ele só chega oficialmente no dia 21 de dezembro. Mas os meteorologistas anunciam, com garbo e pompa: começa hoje, de fato, o inverno no Hemisfério Norte. Agorinha mesmo entrou em cena o tal do Inverno Astronômico, que só acaba no dia 26 de fevereiro de 2006. Resumo da ópera: às quatro da tarde começa a escurecer e aumenta a vontade de ficar em casa, quietinho, enrolado nos cobertores da vida. Haja ânimo!

Diretinho da Redação (37)


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Da Alegria de se Viver em uma Democracia


Nos EUA, só falta a opinião pública sair do armário e as bengalas começarem a bater no cocoruto dos políticos. A picaretagem é a mesma!


A sensação foi de filme repetido. Quando vi a imagem na televisão, imediatamente me veio à cabeça a conversa que tive recentemente com o jornalista britânico Andrew Gumbel. Tratávamos do escândalo do mensalão em Brasília e ele saiu-se com a pérola de que ‘ao menos no Brasil a prática de pagar legisladores para votar com o governo ainda é ilegal’. Correspondente do jornal "The Independent” aqui nos Estados Unidos, Gumbel escreveu o ótimo "How To Steal A Vote”, infelizmente apenas em inglês, sobre a precariedade do sistema eleitoral norte-americano.

Esta semana, aqui na tevê de casa, me aparece o deputado republicano Randy Cunningham, o Duke, um dos principais aliados do governador-exterminador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, constrangido, coçando os olhos por detrás dos óculos de bom-moço, renunciando publicamente ao mandato. Foi pego com a mão na botija – recebeu pelo menos US$ 2,4 milhões em propinas para ajudar contribuintes de sua campanha a conseguirem contratos vantajosos com o Pentágono.

Mas logo o Duke? Respeitado herói da guerra do Vietnã, do alto de seus 63 anos, ele seguia na televisão, pedindo perdão à família e aos colegas. Mas esqueceu de se desculpar com os eleitores. Ato falho? Nem tanto. A democracia norte-americana, afinal, ostenta o título inglório de menos representativa (uma média de 40% dos eleitores saiu de casa para votar nos últimos três pleitos) do ocidente. Com raríssimas exceções, os deputados não respondem ao eleitorado e sim aos lobistas e às grandes corporações, que financiam suas campanhas.

Até esta semana sabia-se que Duke, em seu sexto mandato, era um dos pilares do conservadorismo do oeste americano, um estudioso de temas espinhosos como a segurança nacional e o terrorismo. Também sabia-se, por conta das reportagens do tinhoso “The San Diego Union-Tribune”, que sua casa em Del Mar fora comprada pela MZM Inc., uma das empresas especializadas em prestar serviços para os militares, por US$ 1,7 milhão em 2003. E, que, mesmo com a mega-valorização imobiliária no pais, ela fora vendida, nove meses depois, por US$ 700 mil a menos.

O que parecia estranho revelou-se tenebroso. Hoje, descobre-se que Duke viveu durante anos em um luxuoso iate em Washington às custas de uma das empresas interessadas em fechar contratos vantajosos com o governo Bush. Que, entre outros presentes, ele ganhou um Rolls Royce avaliado em US$ 200 mil, móveis, a festa de formatura de sua filha, o pagamento de seu condomínio, férias e viagens. Tudo saiu da conta de seus satisfeitos parceiros eleitorais. E Duke, é claro, não declarou nada, nadinha mesmo, em seu imposto de renda.

A opinião pública norte-americana, cada vez mais voltada para o atoleiro do Iraque, parece mais estarrecida do que indignada. Um amigo conservador me disse, no feriado do Dia de Ação de Graças, que tão pouca gente vota nas eleições ianques porque a maioria da população está satisfeita. Vai-se às urnas, ele me dizia, para se protestar contra alguma coisa.

Ainda não apareceu, é certo, um idoso americano para dar uma bengalada bem-dada no Duke, mas ele pode pegar até 10 anos de cana. E olhem que seu caso é apenas mais uma peça no quebra-queças da crise da representação legislativa que tanto preocupa as democracias ocidentais! No senado, Bill Frist, virtual candidato à sucessão de Bush, se enrolou em uma negociação para lá de suspeita que valorizou as ações da companhia de seguro-saúde da qual era proprietário. Ela acabou sendo vendida por um montante estratosférico. Outro republicano encalacrado é o deputado Tom DeLay, do Texas, que teve de abandonar a liderança do governo depois de acusado de chefiar um esquema que garantia votos no Capitólio a partir dos interesses de financiadores de campanha. Soa familiar?

Bem, no meio de tanta lama, o governo Bush ignorou a sugestão de se criar uma legislação específica para punir os corruptores, que elegem deputados e senadores país afora. Também deixou para lá os projetos de se criar uma Justiça Eleitoral independente dos governos do Estado e do financiamento público das campanhas eleitorais em todos os níveis. Não. Cenho franzido, o presidente anunciou a instalação de uma série de seminários na Casa Branca sobre ética. Isso mesmo. Altos funcionários e grandes figurões republicanos foram convocados para comparecer a uma sala de aula improvisada em Washington. Ele jura que, agora, os ‘deslizes’ dos companheiros neo-conservadores vão acabar. Ufa! E eu aqui preocupado. Como é bom a gente viver em uma democracia de verdade, não?

domingo, novembro 27, 2005

Diretinho da Redação (36)


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DA POBREZA AMERICANA, AINDA INVISÍVEL

Nesta segunda-feira o prefeito de Camden, aqui ao lado em New Jersey, convidou um grupo de jornalistas para passear pela cidade. A idéia era mostrar como a localidade, eleita nos últimos três anos a mais violenta e perigosa dos Estados Unidos, estava lutando para vencer o estigma. Não deu lá muito certo. Novidades apresentadas como trunfos – a construção de uma nova biblioteca, a primeira em um século, de um novo hospital e de um clube para jovens - não apagaram a forte imagem dos muitos meninos negros mal-vestidos e à toa, espalhados pelas casas mal cuidadas da cidade.

Todo o outono aqui no hemisfério norte uma empresa do Kansas, a Morgan Quitno, divulga seu ranking de perímetros urbanos, a partir do número de crimes per capita. O maior peso é dado para assassinatos, estupros, assaltos à mão-armada, invasão de propriedade alheia e roubo de carros. O anúncio de que tal local é mais ou menos violento acaba influenciando os preços de um mercado imobiliário mais do que quente, uma das âncoras da economia norte-americana na última década.

Camden tem cerca de 80 mil habitantes e, em 2004, registrou 54 homicídios, incluindo o de um menino de 12 anos, assassinado em sua varanda. O bandido queria roubar seu rádio de pilhas. Parece um outro mundo. E é. Logo atrás de Camden no ranking do medo aparecem duas grandes metrópoles – Detroit e Saint Louis – que, não por acaso, também contam com uma grande população negra.

Os negros também eram maioria em New Orleans. Três meses após o furacão Katrina destruir a cidade, ativistas da Louisiana contam que pouco foi feito para recuperar a capital do jazz americano. Pior: os moradores já temem que o desvio da pauta nacional para temas como a retirada das tropas federais do atoleiro do Iraque e as eleições legislativas de 2006 façam com que o país esqueça a tragédia ainda mais rapidamente. Capa da revista ‘Time’ desta semana, os flagelados de New Orleans se desesperam: “os americanos se recusam terminantemente a enxergar a pobreza americana’.

Não é diferente em Camden. O destino da cidade, famosa por ser sede da fábrica das sopas Campbell, foi traçado na década de 70, quando os empregos migraram para a Ásia e a classe media desapareceu. O que se vê hoje são janelas gradeadas, lixo espalhado pelos gramados e uma sensação de medo que lembra a do inferno carioca.

O irônico é que, nos mesmos jornais em que espantados repórteres davam conta de mais um capítulo da desigualdade ianque, a atriz Sigourney Weaver, em anúncio de página inteira, fazia propaganda de um grupo assistencialista avisando que, para 1,5 milhão de nova-iorquinos, o “problema não é o que escolher para jantar, mas saber se haverá alguma comida na mesa”.

Mande sua ajuda à África, mas não esqueça dos miseráveis aqui de casa, lembrava a atriz. Camden fica localizada na Grande Filadélfia, duas horas ao sul de Nova Iorque. A pobreza na maior potência mundial só muda de sotaque. O mau cheiro e o desespero são os mesmos, nossos velhos conhecidos.

Verissimo e a Americanização da Política Brasileira

No "Globo" do dia 25 de novembro:

...Nos Estados Unidos, o paradoxo de a maioria democrata votar no partido dos ricos contra seus próprios interesses econômicos se explica pelo truque republicano de valorizar o economicamente irrelevante — aborto, direitos dos gays, religião — e ser o partido dos bons costumes acima de tudo. No Brasil, o que parece unir as classes e se impor a qualquer outra conveniência é o moralismo, que em certos casos também é uma astúcia para desviar a atenção do que interessa.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Diretinho da Redação (35)


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Dois Grandes Filmes Chegando ao Brasil

Acontece em um átimo de segundo. São detalhes de cenas maiores e aparecem por ali quase que por descuido, mas a intenção dos diretores é clara. Em “Walk The Line”, um quadro emoldurado com a foto de Johnny Cash, e não do ator que o encarna nas telas, Joaquin Phoenix, escorrega por suas mãos quando ele tenta resgatar suas memórias em mais uma batalha contra a dependência química. Em “Capote”, a contra-capa de ‘A Sangue Frio’, o livro que mudou para sempre a literatura e o jornalismo contemporâneo, revela a foto de Truman Capote enquanto olhamos para Philip Seymour Hoffman, o ator que investiu todos os seus dimes na produção da biografia do escritor de Nova Orleans.

Os filmes, que estréiam no Brasil no início do ano que chega, receberam um tratamento mais do que especial da crítica e dos colegas de Hollywood. “Capote” não é um sucesso de público. A narrativa é mais lenta do que os grandes estúdios gostariam e os americanos ainda se incomodam com uma história centrada no assassino Perry Smith e não na família por ele dizimada na zona rural do Kansas. “Walk The Line” estréia por aqui nesta sexta-feira, mas na noite de gala a surpresa ficou por conta da maneira com que o filme evita a tentação de se contar a velha do história do ídolo pop que encontra na religião e no casamento convencional a salvação para seus temores.

“Capote” e “Walk The Line” se destacam, nestes tempos de fundamentalismo religioso, pela ausência da lição de moral. Truman Capote é um homossexual afetado na virada dos anos 50, manipula habilmente os assassinos para conseguir fama e produzir uma obra-prima, mas em nenhum momento é demonizado por Hoffman. E o Johnny Cash de Phoenix – que, sim, dá a voz, de forma brilhante, aos sucessos do ‘homem de negro’ – se redime pela bondade, pelo contato humano, pela concessão à intimidade, mas que jamais perde a nuvem negra que o acompanhou vida afora. Os dois atores têm sido saudados como candidatos fortes ao Oscar de março. Não por acaso, os diretores Bennett Miller e James Mangold nos mostram, ainda que rapidamente, as imagens das personalidades que de fato existiram, oferecendo ao espectador a possibilidade de embarcar, com conhecimento de causa, na fantasia de duas horas de cinema. Nos dois casos, vale a pena comprar o tíquete.

O Show de Truman



O texto abaixo, sobre o filme 'Capote", escrevi para o caderno "Eu & Fim de Semana", do Valor Econômico, que acaba de chegar às bancas. A ilustração é do "Valor".

Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor.

O Show de Truman

Há uma grande cena em “Capote”. Ela se dá quando a primeira-amiga Harper Lee, vencedora do prêmio Pulitzer por “To Kill a Mockingbird”, joga o escritor contra a parede, provocando-o sobre o mito de que teria se tornado amante do assassino Perry Smith, matéria-prima de “A Sangue Frio”. “Eu não me apaixonei por ele. De certa forma, eu SOU ele. É como se nós tivéssemos sido criados na mesma casa, mas Perry saiu pela porta dos fundos e eu pela entrada principal”, responde o ator Philip Seymour Hoffman, em uma interpretação magistral. Ele lembra que, exatamente como o descendente de índios acusado de dizimar uma família no Kansas em 1959, também havia sido abandonado pela mãe. E que, como boa parte da família do assassino, esta cometera suicídio. Nada mais distante do jet-set de Manhattan do que a vida do zé-ninguém do meio-oeste. Mas ao encontrá-lo ele experimentara de modo intenso o paradoxo da nova sociedade americana, perdida no êxtase de seu próprio individualismo. O diálogo foi inspirado no trabalho do jornalista Gerald Clarke, escritor e amigo de Truman Capote, autor da biografia definitiva do atormentado filho de Nova Orleans que virou a literatura e o jornalismo de pernas para o ar.

De sua casa em Bridgehampton, no norte do estado de Nova Iorque, Clarke, colaborador bissexto das revistas ‘Time” e “Esquire”, conversou com o Valor sobre Capote, sua influência na inteligência norte-americana e a emergência de uma certa ‘capotemania’ que, ironicamente, não tem ajudado muito a engordar a bilheteria do bom filme de Bennet Miller. A Barnes&Noble anunciou que os títulos de Capote – entre eles “Bonequinha de Luxo” – estão saindo 30% a mais do que o normal e “A Sangue Frio”, de 1966, foi o livro mais vendido da rede de livrarias na semana em que o filme entrou em cartaz nos Estados Unidos. Outro campeão de vendas é o relato de Clarke, intitulado “Capote: uma biografia”, publicado em 1986, dois anos após a morte do escritor, e que acaba de ser reeditado com uma foto gigantesca de Hoffman – e quem mais? – estampada na capa e mais de 30 mil novos exemplares encomendados nos últimos 20 dias.

“Veja bem, Philip Seymour Hoffman é um tremendo Truman Capote. Digo mais, ele é assustadoramente exato”, diz Clarke. Para encontrar o tom de seu personagem, Hoffman se debruçou sobre as cassetes gravadas por Clarke quando entrevistou, seguidamente, o autor de ‘A Sangue Frio’. O resultado é um passo – ou dois – à frente das corriqueiras imitações do falsete de Capote, uma das brincadeiras favoritas de professores de literatura norte-americana das escolas da Ivy League. “É engraçado isso tudo. Eu passei centenas de horas com o Truman e quando me pediram para definir quem ele era eu...eu simplesmente não conseguia dizer nada. Ele era tantos em um só. Um artista e um estilista como poucos, talvez o maior de sua geração. Era também muito generoso e, às vezes, malicioso além da conta. Ele adorava publicidade, mas odiava quando ela se voltava contra sua vida privada. Ele era mesmo único”, recorda Clarke.

Quando Clarke se tornou amigo de Capote, este já era uma caricatura do monstro social dos anos 50 e 60. Vivia isolado, abandonado pelos amigos, refém da bebida, dos barbitúricos e dos anti-depressivos. O primeiro contato foi para uma série de perfis dos grandes escritores do século, um projeto da ‘Esquire’. Lá estavam Vladimir Nabokov, Woodhouse, Ginsberg. E Capote. Clarke quis mais. E propôs a biografia, desde que ajudado pelo arredio escritor. Capote aquiesceu. “Em nossos encontros percebi que ele sempre arrumava um jeito de me dizer que este tal de Capote era mais uma criação sua. E que era mesmo difícil para as pessoas lidarem com alguém que, mais do que tudo, recusava-se a ser um cidadão comum. Ele então me dizia que havia apenas um único T.C. Que jamais houve alguém como ele antes e que não haveria um novo Capote”, lembra Clarke.

O biógrafo também escreveu “Too Brief a Treat”, em que reuniu pela primeira vez, no ano passado, as cartas do escritor por mais de quarto décadas, no que pode ser tomado como uma, vá lá, ‘quase-autobiografia’. Os destinatários são gente como Jacqueline Kennedy Onassis, Tennessee Williams, Audrey Hepburn, Gloria Vanderbilt, Cecil Beaton, seu companheiro Jack Dunphy, o detetive de Kansas Alvin Dewey e, claro, Perry Smith. Mas, para além das fofocas, o livro revela um Capote dadivoso a ponto de aconselhar o filho mais velho de Dewey, que sonha em se tornar escritor: “Não há nenhum problema em gostar de má literatura. Eu mesmo adoro Agatha Christie e Ian Fleming. Mas você não pode jamais deixar de lembrar que eles são maus escritores”.

Clarke ainda se impressiona com as dicas aparentemente banais de Capote, um profissional que primava pela disciplina. “Não é exagero dizer que ele modificou a literatura e o jornalismo de tal modo que poucos jovens podem compreender nos dias de hoje. Antes de “A Sangue Frio”, escritores talentosos e ambiciosos achavam que a única maneira de alcançarem sucesso e reconhecimento seria publicar um romance. Todos estavam à procura do novo Faulkner, do novo Hemingway. Isso acabou”, diz.

Quando vislumbrou o que seria “A Sangue Frio”, Capote almejou escrever um livro que reuniria a credibilidade da reportagem ao imediatismo do cinema, à precisão da poesia e à profundidade e liberdade da prosa. Como enfatiza Clarke, trata-se de um dos mais ambiciosos projetos da literatura ocidental. De fato, não há como se pensar no ‘novo jornalismo’ – termo que ele abominava, a ponto de qualificar um de seus protagonistas, o escritor Tom Wolfe, de ‘analfabeto da técnica literária’ – mas também na reportagem policial, na indústria das celebridades e na televisão-verdade sem “A Sangue Frio” e sua acachapante narrativa da morte dos quatro membros da família Clutter, assassinados nos cafundós do Kansas por dois jovens desajustados. Para Capote, lembra Clarke, “A Sangue Frio” seria o instrumento que o tornaria um escritor verdadeiramente popular, algo que um rival que invejava – o também homossexual e bem-nascido Gore Vidal – jamais alcançou.

O editor-chefe da Carroll & Graf, Philip Turner, que detém os direitos do livro de Clarke, sublinha a atualidade de “A Sangue Frio” e sua ‘ode à ambigüidade’ quando busca entender o sucesso de Capote nas prateleiras das livrarias americanas neste outono de 2005. Os leitores, lembra, andam mais do que intrigados sobre como os jornalistas lidam com suas fontes, especialmente depois que Judith Miller, uma das estrelas do ‘The New York Times”, foi parar na cadeia para proteger a identidade do auxiliar mais próximo do vice-presidente Dick Cheney. Miller acabou se divorciando do jornal mais importante dos EUA em uma novela que envolveu o desmascaramento de uma agente secreta da C.I.A. e a manipulação da imprensa pelo governo republicano. “Depois de “A Sangue Frio” os jornalistas americanos, alguns mais outros menos talentosos, procuram quase sempre trazer para seu trabalho as técnicas da ficção. Mas muitas vezes, devo admitir, elas estão no texto apenas para disfarçar a preguiça da apuração exata, algo extremamente caro para o Truman”, diz Clarke. No livro de Capote, a ambigüidade começa a partir do fato de que sua principal fonte é um dos assassinos.

Como nos mostra ‘Capote”, o filme, “A Sangue Frio” modificou a vida de seu autor para sempre. Rico, morreu aos 59 anos, em 1984, e nunca mais publicou livro algum. Viveu 19 anos atormentado pela idéia fixa de que ‘apesar de não ter podido fazer nada para evitar a execução dos assassinos de Kansas, apenas a morte deles poderia tornar seu relato o mais importante de sua geração’. De certa forma, lembra Clarke, era como se carregasse para sempre a culpa de ter, ele também, participado de forma decisiva daquela tragédia americana. Ou, como lhe disse certa vez, ‘se soubesse o quanto aquele livro me atingiria emocionalmente, eu jamais teria começado a escrevê-lo”.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Que Mensalão Que Nada!


Hoje o Valor publica reportagem do blogueiro aqui sobre o sistema eleitoral norte-americano. Conversei com o correspondente do "The Independent" aqui nos Estados Unidos, Andrew Gumbel, que lançou um livaço, "Steal This Vote", em que conta a história das falcatruas eleitorais por aqui. Na terça-feira, em média, menos de 40% dos americanos compareceram às urnas - aqui o voto não é obrigatório - e elegaram novos governadores (de Nova Jérsei e Virgínia, duas vitórias democratas) e prefeitos de cidades importantes como Nova Iorque, Boston e Atlanta. A matéria está ai:


O PODER DAS CORPORAÇÕES NAS ELEIÇÕES

Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor Econômico

Nesta terça-feira, menos de 40% dos americanos, em média, compareceram às urnas para decidir quem vai governar nos próximos anos os estados de Nova Jérsei e Geórgia e metrópoles como Nova Iorque e Boston. Esta imensa minoria também se posicionou sobre temas que alteram de forma significativa o dia-a-dia dos cidadãos, como a criação de linhas de transporte e o redirecionamento de polpudas fatias do orçamento público. “Os EUA são a democracia com menor participação popular do Ocidente. Se o voto aqui fosse obrigatório, como no Brasil, a coisa seria diferente. Mas este sistema serve a democratas e a republicanos, que preferem manter o eleitorado reduzido. A conseqüência é que os interesses econômicos e políticos dos menos abonados são completamente ignorados em Washington”. A afirmação, em entrevista exclusiva para o Valor, é do jornalista britânico Andrew Gumbel, correspondente do jornal ‘The Independent’ nos Estados Unidos e autor do livro definitivo sobre o processo eleitoral norte-americano, “Steal This Vote: Dirty Elections and the Rotten History of Democracy in América” (”Roube este voto: eleições sujas e a história podre da democracia norte-americana”).

A análise de Gumbel ajuda a preencher a lacuna de investigações sobre o controverso pleito de 2004. Enquanto a imprensa americana preferiu centrar fogo nas chamadas ‘guerras culturais’, apontando como razão central da vitória republicana temas como o aborto, o casamento gay e a relação cada vez mais nebulosa entre religião e Estado, quatro jornalistas, um acadêmico especializado no estudo das grandes corporações de mídia norte-americana e um respeitado político liberal de Illinois chegaram à conclusão de que os conservadores apenas se aproveitaram com mais esperteza de um sistema eleitoral viciado e anti-democrático.

Os livros também saem do forno no exato momento em que os brasileiros têm de lidar com a aparente falência de seu sistema representativo, em uma das mais vergonhosas legislaturas da história do Congresso Nacional. “Ao menos a virtual mesada que os deputados estariam recebendo para votar com o governo é uma prática completamente ilegal no Brasil. Nos EUA o sistema de financiamento eleitoral através das corporações é como uma mesada dentro da lei, desde que você respeite certos limites. Os congressistas não precisam receber um mensalão da Casa Branca porque os compromissos assumidos com seus financiadores são definidos de forma tão clara que eles votarão com o governo de forma automática”.

“Steal this Vote” mostra que dois aspectos do atual sistema eleitoral americano são especialmente funestos: o poder de influência das corporações, associado aos esquemas cada vez mais sofisticados de propaganda, e a ameaça das urnas eletrônicas. Como nos Estados Unidos os computadores não permitem uma recontagem manual, Gumbel lembra que é possível alterar o resultado de qualquer eleição de forma muito mais drástica: não apenas em uma seção, mas em centenas e centenas de distritos ao mesmo tempo, com a ajuda de um simples programa malicioso. Pior: as empresas que entraram na disputa para fornecer as urnas são grandes contribuintes dos partidos. E uma comissão eleitoral controlada pelos governos estaduais decide como as unidades devem ser distribuídas.

Assim, em Ohio, um estado decisivo nas eleições do ano passado, as filas nas grandes cidades, redutos democratas, impediram milhares de eleitores de votar, enquanto zonas eleitorais nas áreas menos populosas, de forte apelo republicano, receberam muito mais computadores, como mostra “O Que Deu Errado no Ohio?”, o relatório final de um aguerrido participante da comissão parlamentar que investigou o caótico pleito. Entre outras irregularidades que manchariam qualquer disputa realizada em países do Terceiro Mundo, zonas eleitorais registraram um comparecimento de mais de 98% e um distrito apurou os votos ‘em segredo’ por conta da ‘ameaça de um ato terrorista’. O comando das eleições em Ohio ficou nas mãos do secretário de Estado do governo local, que, exatamente como na Flórida em 2000, fazia parte do comitê executivo da campanha de Bush.

Para além de artimanhas e fraudes, todos tratam do destaque cada vez maior do dinheiro nas eleições americanas. Esta semana, dois milionários foram consagrados nas urnas: o republicano Michael Bloomberg, reeleito prefeito de Nova Iorque, e o democrata John Corzine, que fez sua fortuna na Goldman Sachs e troca o senado pelo governo de Nova Jérsei. Seu adversário foi o magnata da indústria farmacêutica Douglas Forrester. Eles gastaram oficialmente US$ 72 milhões nas campanhas, um recorde nacional. Bloomberg queimou US$ 66 milhões. “Democracia também pode ser definida pela distinção entre poder político e econômico. Era exatamente por isso que Thomas Jefferson prevenia os americanos da ascensão da tal ‘aristocracia dos endinheirados’. O montante investido nas candidaturas dos dois lados é a maior ameaça à democracia americana desde a década de 20”, ressalta Gumbel.

O jornalista aponta como única solução para a crise das democracias contemporâneas o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. Para ele as eleições que presenciou desde que chegou ao país em 1998 deixaram claro que, nos EUA, nem republicanos nem democratas estão interessados no jogo limpo da democracia. E que a polarização entre duas forças políticas, seja de conservadores e liberais ou de socialistas e social-democratas, acaba por estabelecer um perigoso padrão maniqueísta eleitoral em que o perdedor é, sempre, o eleitor. “Democratas e republicanos querem vencer a qualquer custo e construíram um sistema eleitoral que não permite sequer a viabilização de uma terceira força política, no que talvez seja a maior traição ao mais básico princípio democrático”, diz Gumbel, um ardoroso defensor do direito de escolha.


AS ELEIÇÕES AMERICANAS E SEUS LIVROS


“Steal This Vote” – Lançado no ano passado, acaba de chegar às livrarias em formato de bolso. O livro de Andrew Gumbel foi uma coqueluche nas semanas que antecederam as eleições desta semana. A narrativa começa com a declaração do ex-presidente Jimmy Carter de que reprovaria sem hesitar o sistema eleitoral norte-americano, a começar pela inexistência de dois quesitos considerados fundamentais pelo Carter Center para um pleito justo: a igualitária exposição dos candidatos na mídia e a possibilidade de uma recontagem exata dos votos. Nation Books. US$ 16.

“Did George Bush Steal America’s 2004 Election? – Essential Documents” (“Bush surrupiou as eleições americanas de 2004? Documentos Essenciais”) - Bob Fitrakis, Henry Wasserman e Steve Rosenfeld, repórteres de Ohio, mostram como a vitória no pleito presidencial está ligada umbilicalmente ao controle das máquinas estaduais, em uma desconcertante semelhança com a República Velha brasileira. CICJ Books. US $40

“What Went Wrong In Ohio?” (“O Que Deu Errado em Ohio?”) – Com introdução de Gore Vidal, o livro é a reprodução do relatório final de John Conyers, deputado democrata de Detroit que investigou detalhadamente as eleições de 2004, revelando a manipulação do resultado especialmente através do controle das listas de votação. Academy Chicago. US$10.95.

“Fooled Again: How the Right Stole the 2004 Election & Why They’ll Steal the Next One Too (Unless We Stop Them)” (“Tapeados de novo: como a direita fraudou as eleições de 2004 e por que ela vai nos roubar a próxima, a não ser que a gente a impeça”) – O professor Mark Crispin Miller, da New York University, escreveu o livro em que conta como estrategistas democratas convenceram John Kerry a reconhecer a derrota imediatamente, para evitar a repetição da batalha de 2000. Em um encontro com o senador, na última semana de outubro, Miller conseguiu fazer com que Kerry, pela primeira vez, revelasse que acredita ter sido de fato garfado em 2004. Basic Books. $24.95.

O Massacre Que Ninguém Viu?

Esta semana o repórter Peter Popham, do jornal britânico "The Independent", escreveu uma bela reportagem sobre as novas evidências de que os EUA utilizaram armas químicas - em quantidades massivas - contra civis na cidade iraquiana de Falluja em novembro de 2004. Apesar de a história só aparecer na imprensa ocidental um ano depois do ocorrido, o que começa a ser chamado pelos jornalistas americanos de 'o massacre que ninguém viu' já era motivo de conversas mais ou menos sérias entre soldados que voltavam do Iraque e os poucos jornalistas independentes que seguem mandando notícias do país ocupado.

Popham lembra da terrível ironia de que o possível ataque a Falluja - um dos bastiões da resistência sunita - com armas químicas lembra o massacre dos curdos por Saddam Hussein, que teria utilizado o mesmo método para dizimar opositores da etnia no outro extremo do país.

A coisa ficou ainda mais feia quando outro repórter, Sigfrido Ranucci, da RAI italiana, colocou no ar imagens e uma série de entrevistas com jovens soldados americanos que participaram da 'tomada de Falluja' e que qualificam a ação de novembro de 2004 de 'matança de árabes'. Um dos soldados diz que 'viu os corpos de mulheres e crianças queimando depois do uso de armas químicas. Em um raio de 150 metros forma-se uma nuvem e ninguém sai dela vivo'.

A Rai também afirma que há provas de que se usou Napalm - uma violação à Convenção da ONU de 1980, que proíbe seu uso em perímetros urbanos - contra a população civil de Falluja.

As reportagens de Popham e de Ranucci podem ser lidas e vistas (o vídeo é especialmente forte) no endereço da sempre atenta TruthOut, é só clicar:

www.truthout.org/docs_2005/110805Z.shtml

quinta-feira, novembro 03, 2005

Chavito!


O jornal argentino "Pagina 12" anunciou com toda pompa domingo o objeto mais popular entre os militantes de esquerda em Mar del Plata: o bonequinho do Chavez. Pode?

Do meu iPod - Leroy Carr


Uma de minhas alegrias tem sido ouvir Leroy Carr (1905-1935). Foi ele, mais do que qualquer outro bluesman, quem fez a ponte, nos anos 30, do blues rural para o urbano, dando o tom do que seria a cena da música popular americana depois da Segunda Guerra Mundial. E fez tudo isso de seu piano. Carr formou em 1928, em Indianápolis, uma dupla com o guitarrista Francis Scrapper Blackwell que rendeu mais de 200 composições, coisas finas como “How Long, How Long Blues”, cantadas um tom abaixo de seus ídolos do blues rural. Esta, aliás, não por acaso, era a musica favorita de Robert Johnson.

Antes da fama, o adolescente Carr tocou seu piano em circo, passou um tempo no exército e, claro, participou da indústria do ‘bootleggin’ no sul americano, destilando e vendendo seu uísque ilegalmente durante a Lei Seca. Mas sua vocação principal era mesmo o blues. Muito se fala no piano de Carr. Eu ando mais fixado em sua voz. Na cadência mais rápida e menos lânguida de quem quer dar o recado com a maior rapidez possível. Uma voz nasal, tensa, furtiva. Mas divina.

Durante sete anos, entre 1928 e 1934, Carr e Blackwell gravaram para o selo Vocalion alguns dos mais belos blues jamais escritos pelas bandas de cá. E também, vá lá, outra razão para minha paixonite por Carr, baladas e coisas mais ou menos similares ao vaudeville e ao ragtime. Seu desprezo pelos clubes fechados e pepitas como “Midnight Hour Blues” e ‘Shady Lane Blues’ o transformaram em algo como uma estrela pop da época. Derrotado pelo alcoolismo, ele morreu em abril de 1935, no auge da fama. Para ele Amos Easton escreveu, a doída “The Death of Leroy Carr”, que diz assim:

“Agora gente, eu vou contar, da maneira mais fiel possível, como Leroy Carr morreu. Ela era meu melhor amigo. Em um domingo, exatamente às nove da manhã, aquele trem passou por cima dele, e ele começou a estrebuchar. Ele então disse: Senhor, tenha piedade, estou tão desesperado! E me pediu, por favor, que fizesse tudo o que pudesse por ele. Na segunda-feira de manhã bem cedo, logo que o dia nasceu, nós começamos a chorar, quando ele começava a morrer. Eu então liguei para o médico e quando ele chegou, minha gente, Leroy já havia morrido e nos abandonado”.

Blackwell seguiu carreira, e até hoje é considerado um dos maiores compositores da primeira geração do blues urbano. Mas pouco se fala de Carr. Quando o blues virou notícia de jornal, ele já era uma lenda. Ray Charles e Elmore James regravaram seu "Blues Before Sunrise", em inspiradas versões. Muddy Waters contou que a primeira música que aprendeu a tocar na guitarra foi "How Long". Count Basie fez versões apenas para o piano dos sucessos de Carr. E o primeiro hit de Nat King Cole, "That Ain't Right", era, como conta o crítico Eliah Wald, 'infestado da música de Carr'. E o especialista Arnold Shaw diz que a balada soul começa em Carr, passa por Dinah Washington e Sam Cooke, desaguando em Otis Redding e Jerry Butler.

Favorito de gente como T-Bone Walker, Otis Spann e, acima de todos, John Lee Hooker, o gênio esquecido dos anos 30 sobrevive em coletâneas lançadas a partir dos anos 90. Meu disco favorito saiu por aqui pela Magpie e se chama ‘The Piano Blues 1930-1935’, reunindo o que ele e Blackwell produziram de mais interessante e que, uma década depois, seriam a base para o que de melhor se tocou numa certa Chicago.

Quem quiser ouvir um pouco do blues suave e urgente de Carr pode aproveitar e correr lá no “The Smudge of Ashen Fluff”, do blogueiro de muito bom gosto Canowine.

“New How Long, How Long Blues, Part 2” e “Sloppy Drunk Blues” valem a clicada: http://popdrivel.blogspot.com/2005/10/sloppy-drunk-blues.html

quarta-feira, novembro 02, 2005

Diretinho da Redação (34)



A AMERICANIZAÇÃO DA POLÍTICA BRASILEIRA

Já são favas contadas o referendo do dia 23 de outubro. Sim ou não? Ora, o que menos importou, já é consenso, foi se posicionar sobre a livre comercialização de armas de fogo e munição no território brasileiro. Mas, para além de uma derrota do governo ou de um recado dado pela população à classe política – uma versão verde-e-amarela do “Que Se Vayan Todos” – chama a atenção um aspecto pouco explorado das seqüelas deste plebiscito inoportuno: a galopante americanização da cultura política brasileira.

Um dos melhores textos sobre o que de fato aconteceu no dia 23 de outubro foi a análise de Wilson Tosta, no site ‘Vida & Política’, sobre a consolidação de um novo pensamento conservador brasileiro, ‘supostamente racional e capaz de dialogar com faixas do eleitorado que chamamos de progressista’. O jornalista chama a atenção para a tática de apreensão do imaginário popular a partir da ‘racionalização do irracional’. A direita brasileira deixa de lado os Sivucas e os Bolsonaros e substitui o ‘bandido bom é bandido morto’ por um discurso ‘aparentemente’ não-emocional, com ênfase no direito individual.

Depois do fim da ameaça vermelha, foi justamente este movimento – a substituição do medo dos comunistas, dos pobres, das massas, dos imigrantes, pela aversão aos homossexuais, aos pró-aborto, aos verdes – que impulsionou a sociedade americana a eleger por três vezes um presidente com sobrenome Bush e a transformar o Capitólio – inclusive nos dois governos Clinton – em domínio absoluto dos republicanos. Aqui, as chamadas ‘guerras culturais’ são centradas na idéia de que a ‘elite liberal’ é formada por milionários da Park Avenue e estrelas excêntricas de Hollywood, interessados em impregnar a sociedade de valores alienígenas à grande massa ordeira e trabalhadora. Valores que não se coadunam com a tradição puritana de um pais imaginado por missionários.

E o que nós temos com isso? Tosta conta que no Brasil vai-se erguendo diariamente um muro entre as ‘elites esclarecidas’ e o povo ‘abandonado’. A propaganda do ‘sim’ menosprezou este aspecto: o que pode me dizer esta gente que vive em condomínios fortemente protegidos com seguranças por todos os lados ou em suas coberturas na Vieira Souto, de frente para o mar? Se é bom para o Chico Buarque e para a Fernanda Montenegro, porque é que seria para mim também? Os defensores do não se apresentam como ‘gente comum’, distante dos privilégios das ‘celebridades’, interessados em preservar os ‘direitos individuais’ do grosso da população. Este raciocínio encontra campo naturalmente fértil no Brasil, com a notória incompetência do setor público para resolver nossos gigantescos problemas sociais.

Em um movimento raro na política brasileira, o plebiscito do dia 23 marca o avanço do conservadorismo para além de seu gueto social e político. Mais: ele se consolida como primeiro herdeiro oficial do PT ao tomar deste o discurso moralista que o impulsionou – na definição brizolista da ‘UDN de macacão’ – nas décadas que passaram. Esta inversão de papéis no tabuleiro político revela-se tão instigante quanto perigosa. Não é por acaso que próceres da ‘nova’ direita já decidiram centrar sua munição em alvos bem específicos: a redução do limite de idade (fala-se em 12, 13 anos) para a penalização de infratores jovens, a oposição à união civil dos homossexuais, o combate à regulamentação do consumo e venda de drogas e do aborto. Vem mais por aí.

links: DR: www.diretodaredacao.com
Vida & Política: http://www.blog-se.com.br/blog/conteudo/home.asp?idBlog=11888

sexta-feira, outubro 28, 2005

Eu & Cultura - Valor Econômico de 28/10




Amigos, deixei o blog um pouco de lado, por conta da quantidade de reportagens que estive tocando nas duas últimas semanas. Esta aqui, sobre a ascensão da pornografia digital em terras de Uncle Sam, que inclui um bate-bola com a jornalista Pamela Paul, autora de 'Pornified", acaba de sair, neste fim de semana, no Valor Econômico.

TUDO O QUE VOCÊ GOSTARIA DE SABER SOBRE SEXO

Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor

Eles são jovens e decidiram encarar de frente o que consideram ser um aspecto sufocante da atual cultura pop americana: a pornografia. Colaboradora da revista “Time”, Pamela Paul escreveu ‘Pornified: How the Culture of Pornography Is Changing Our Lives, Our Relationships and Our Families’, um libelo contra os efeitos da exposição à pornografia vinte e quatro horas por dia que será lançado no Brasil pela Editora Cultrix. Repórter da “New York”, Ariel Levy acaba de lançar ‘Female Chauvinist Pigs: Women and the Rise of Raunch Culture’, em que cerra fogo contra uma visão vulgarizada da sexualidade feminina. E dois pastores da costa oeste, Craig Cross e Mike Foster, criaram a única igreja do mundo dedicada exclusivamente ao combate da pornografia. Afinal de contas, o que está acontecendo de tão intrigante assim na vida sexual dos americanos?

Pamela Paul, ‘trinta e poucos anos’, decididamente não gosta do que vê. Ela decidiu escrever ‘Pornified’ depois de terminar, há pouco menos de dois anos, uma reportagem para a ‘Time’ intitulada ‘O Elemento Pornô”. Os anos 90, conta, trouxeram o que ela qualifica de ‘massificação da pornografia’, com sua transformação em valor positivo, libertador e ‘cool’ dentro da cena cultural americana.

“O Elemento Pornô” se tornou a reportagem mais procurada e enviada por e-mail pelos assinantes da “Time”. Todos queriam ler a história dos homens que admitiam não conseguir mais manter uma ereção com suas esposas de 40 anos ou namoradas de 25. O motivo: elas não se pareciam nada com as estrelas pornográficas que passavam o dia, fogosas e lampeiras, nas telas de seus computadores.

Para investigar os efeitos da pornografia no cidadão comum, a repórter entrevistou mais de uma centena de pessoas e contratou um instituto de pesquisas. Os dados encontrados resultaram em um livro controverso, desde a capa – uma calcinha com as cores da bandeira americana, de dimensões mínimas, pendurada por pregadores em um varal. Por “Pornified” passam personagens como as meninas interessadas em criar seu próprio site erótico, a mulher que descobre a caixa secreta do marido com disquetes repletos de imagens de pornografia infantil e os garotos que gravam, exatamente como em um caso recente no Rio de Janeiro, suas relações sexuais com as adolescentes da escola.

Um mundo em que a intimidade é substituída pela valorização extrema da fantasia, do cinismo, da constante insatisfação e do isolamento emocional. E em que espectadores passivos vêem de casa, em rede de tevê aberta, os seios de Janet Jackson, para logo depois correr para a internet a fim de conferir o vídeo explícito de Paris Hilton, guardando um tempinho para devorar a autobiografia da atriz pornô Jenna Jameson, durante meses na lista dos mais vendidos na categoria não-ficção dos principais jornais do país. “A pornografia está em todos os lugares. Ela se tornou ‘hip’, sensual e divertida. É, oficialmente, parte de nossa rotina e interfere de modo inequívoco com a vida real”, diz a autora.

Se “Pornified” foi recebido por liberais como uma apologia alarmista dos tempos ‘neo-conservadores’ de Bush & cia, “Female Chauvinist Pigs” percorre caminhos diversos para chegar a conclusões parecidas. Para Ariel Levy, 30, o problema se agravou com as políticas neo-conservadoras: “Eu discordo de que a cultura americana seja sexualizada em demasia. É exatamente o oposto. Nós ainda estamos tão desconfortáveis com a complexidade do sexo que precisamos nos cercar destas caricaturas de ‘gostosonas’ para aceitarmos o prazer e a paixão. E agora, com a educação sexual pública direcionada para a abstinência, os adolescentes ficam espremidos entre duas mensagens opostas e radicais – a política conservadora do ‘apenas diga não’ e o discurso do ‘quanto mais selvagem melhor’”.

Ariel batizou uma personagem já conhecida da maioria dos americanos– a ‘mulher chauvinista’. Se o ‘porco chauvinista’ era aquele que tratava o sexo oposto como mercadoria, as meninas agora se apresentam felizes como objetos sexuais. Um dos exemplos de ‘mulheres chauvinistas’ usados por Ariel são as protagonistas do filme “As Panteras”, que chegou ao topo da bilheteria em 2000: “As atrizes falavam o tempo todo de estarem encarnando ‘mulheres fortes’, ‘senhoras de si’, enquanto seu figurino era baseado no estilo ‘soft-porn’. E a seqüência, em 2003, exigiu que elas fizessem um strip-tease para vencer os antagonistas”.

Mas Ariel sabe que ali mesmo, no mundo das revistas, um novo gênero emerge como sucesso de público – as ‘Lad Mags’, que incluem títulos como ‘Maxim’ e ‘Stuff’, oferecendo celebridades fotografadas em minúsculas roupas nas posições mais ousadas. Quando conversou com as editoras das revistas, Ariel ouviu que ‘finalmente as mulheres conseguiram o direito de ler a ‘Playboy’, de não se preocupar com a fetichização e a misoginia’. Se os homens tinham o direito de se afirmarem como ‘porcos chauvinistas’, por que não as mulheres?

Os dois estudos chegam às livrarias ao mesmo tempo em que a Universidade da Califórnia divulga uma pesquisa comparativa sobre os hábitos sexuais dos jovens americanos. De acordo com o estudo, , publicado pela ‘Review of General Psicology” e que se debruça sobre um universo de mais de um milhão de jovens entrevistados em cinco décadas, de 1943 a 1999, a idade em que a maioria das mulheres perdeu a virgindade caiu dos 19 para os 15 anos de idade. E a porcentagem de adolescentes sexualmente ativa subiu de 13 para 47%. Se a geração do ‘baby boom’ teve sua iniciação sexual na universidade, a garotada de hoje começa a manter relações sexuais na escola secundária.

Uma mudança cultural, observa Ariel, muito veloz: “Apenas trinta anos atrás minha mãe estava queimado sutiãs e comandando um boicote à ‘Playboy’. Agora minhas amigas estão colocando prótese e vestindo camisetas do coelhinho como símbolo de liberação. Para mim, liberada e libertária ainda são termos bem díspares. E acho válido perguntar a nós mesmas se este mundo de ‘peitolas’ e ‘coxões’ que ressuscitamos reflete o quão longe nós chegamos ou apenas o quão longe nos deixaram chegar”.

Em uma de suas edições deste outubro, outra revista, a insuspeita semanal ‘Time Out-New York’ dedicava-se justamente a mapear a invasão da indústria pornográfica no cotidiano cidade. “Talvez por nossa herança puritana, nós lidamos com a pornografia em um arco que vai da hipocrisia à esquizofrenia”, justificou o editor Howard Halle, ao explicar aos leitores por que a revista decidira abrir na capa uma foto de uma perna não-identificada, usando meia arrastão com o carimbo: ‘cuidado, contém material explícito!’.

Halle lembrou que até mesmo os conservadores já se renderam ao vocabulário da pornografia como uma maneira mais direta de se comunicar com seu rebanho. Uma dupla de pastores da Costa Oeste, Craig Gross, 29 e Mike Foster, 34, decidiu, com sucesso, se dedicar ao ministério da anti-pornografia.“Um dia eu estava no chuveiro e Deus disse uma única palavra – pornografia. E assim tudo começou”, lembra Foster no documentário “Missionary Positions”, hit entre jovens cristãos.

No filme, o diretor Bill Day acompanha os pastores em suas peregrinações por feiras de eventos eróticos em Las Vegas, sets de filmes de sexo explícito em Hollywood, casas de reabilitação para viciados em sexo no Kentucky. A dupla revela sua missão: “recuperar os profissionais do sexo e ajudar a pobre massa de sofredores afetada pela praga pornô que toma conta do planeta”.

O que atraiu Day para o projeto foi a transformação de dois surfistas que se utilizam das gírias da chamada ‘geração Jackass’ para difundir uma mensagem religiosa de grande aceitação nos flancos conservadores do país. No endereço www.xxxchurch.com, com a paginação gráfica típica dos sites de sexo pago, seios são substituídos por sermões, atos sexuais por salmos, contos eróticos por depoimentos de gente que deixou de lado a ‘dependência pornográfica’ para seguir ‘uma nova vida’. O sucesso da ação da dupla pode ser medido pela centena de igrejas que já aderiram ao “Porn Sunday”, um pacote de pregações que inclui um ‘kit-pornô’ para se discutir o tema e a apresentação do documentário. Tudo a módicos US$ 2.500, utilizados para a compra de materiais eveangélicos. “As pessoas ainda pensam que a pornografia é apenas uma questão de foro íntimo. Mas de acordo com nossa experiência ela é a responsável por um terço dos divórcios neste pais”, prega Gross.

Halle lembra que o ‘Journal of Religion and Society’ acaba de publicar uma pesquisa mostrando que os Estados Unidos são a nação do Primeiro Mundo que têm a maior incidência de aborto e doenças sexualmente transmissíveis, exatamente pela presença maciça de campanhas religiosas conservadoras: “Vai ver que isso também explica nosso caso de amor e ódio com a pornografia”.

ENTREVISTA/ PAMELA PAUL

- Qual a diferença entre o momento que vivemos agora e os anos 80, quando os vídeo levou a pornografia para dentro de casa?

- É muito importante destingir sexualidade e pornografia, que é a representação comercial de certas formas de sexualidade. Tende-se a pensar na pornografia como um entretenimento inofensivo, mas há efeitos colaterais extremamente negativos para quem a consome, particularmente em quantidades cavalares e em tempo real. A invenção do vídeo-cassete mudou sim a maneira das pessoas lidarem com a pornografia. Mas os canais à cabo e a internet intensificou este processo. Ninguém precisa mais ir ao cinema de filmes adultos, diminuindo-se, assim, o risco e a vergonha. A indústria pornográfica é hoje um negócio anônimo, acessível e razoavelmente barato, muito diferente de vinte anos atrás.

- Quando uma pessoa pode começar a pensar que a pornografia é um problema em sua vida pessoal?

- Alguns homens que eu entrevistei para o livro me contaram que para conseguir chegar ao orgasmo eles tinham de imitar os movimentos do que viam na internet. Outros contavam que perdiam horas no computador, viciados na pornografia, e que não conseguiam se dedicar da mesma forma ao trabalho. E outros se descobriam assustados com seu excitamento por um lado mais ‘hardcore’, incluindo falsas cenas de estupro.

- - “Pornified” defende a tese de que, hoje em dia, é mais difícil evitar a pornografia do que encontrá-la...

- É muito difícil evitar a pornografia on-line porque ela surge nos lugares mais inesperados. Trata-se de um negócio lucrativo e seus criadores são insaciáveis na promoção de seu produto. Há detalhes perniciosos como os sites com nomes de personagens de Disney, com a pronúncia alterada, criados especialmente para atrair crianças.

- Você diria que a pornografia na rede afeta a educação sexual de adolescentes?

-Ela é bem diferente das velhas imagens de mulheres nuas da “Playboy”, é mais extrema e mais literal. Adolescentes muitas vezes não conseguem realmente entender o que estão vendo. Pior: muitas crianças entram em contato com este mundo antes da puberdade. Outro dia eu conversei com uma pediatra que tratou de crianças que repetiam cenas pornôs que viram nos computadores de seus pais.

- 11 milhões de vídeos pornográficos são alugados todos os dias nos EUA. Você não acha que é um tempo imenso dedicado à pornografia?

- O tempo aumenta com o incremento da oferta. Imagine se as bebidas alcoólicas passassem a ser aceitas normalmente durante o dia. Se, ao invés de cafés, os bares abrissem de manhã e todos tomassem um coquetel antes de ir para o trabalho. E, no escritório, ao invés do cafezinho, as pessoas bebessem goles do seu drinque favorito o dia todo. Obviamente, o consumo de álcool seria elevado ao cubo! É exatamente o que está acontecendo com a pornografia. Ela é tão acessível, tão naturalmente aceita, que as pessoas estão consumindo-a aos borbotões.

- E por que você acha que um governo tão cioso da moral e dos bons costumes não se dedica a uma cruzada contra a pornografia?

-Porque estamos lidando com uma indústria imensa, poderosa, com um lobby muito eficiente. A maioria das empresas de comunicação a vê como uma cliente endinheirada, disposta como poucas a investir em propaganda. E os republicanos são ardentes defensores do mercado livre, contrários a qualquer medida reguladora. Mais: a pornografia ainda é vista por muitos como um assunto ‘feminista’.

- Mas você não acha que, de fato, a pornografia heterossexual retrata as mulheres de uma maneira ofensiva?

- Claro que sim, e o livro da Ariel(Levy) trata com atenção deste aspecto. Eu penso que a pornografia apresenta uma visão limitada e negativa da sexualidade feminina. Não concordo que ela possa ser sensual ou liberalizante. Ela é estreita, comercial e estereotipada. Mas ela limita igualmente o papel do homem.

- Mas não há nenhum momento em que a pornografia possa ser saudável?

- O sexo é saudável, a fantasia pode ser saudável, a masturbação é saudável e representações artísticas e sexualizadas da realidade podem ser maravilhosas. A pornografia, não. É terrível viver em uma sociedade em que nossas idéias sobre sexualidade são mediadas pela indústria pornográfica a um ponto tal que muitos pensam no consumo de seu produto como um sinal de saúde sexual.

domingo, outubro 23, 2005

O tempo, danado, tinhoso, certeiro.

Hoje é aniversário de Charly Garcia. O roqueiro argentino faz 54 anos e comemora com um show no Gran Rex, em Buenos Aires. Se eu pudesse, estaria sacolejando por lá. O 'Pagina 12' brindou a data publicando uma de suas letras mais doídas, do disco Filosofía barata y zapatos de goma, de 1990, sobre ele, o danado, o tinhoso, o certeiro:

Reloj de Plastilina

Una vez creí que nada iba a pasarme.
Una vez pensé que nadie iba a matarme.

El tiempo pasó
entre rayuelas y cometas
entre un amor y bicicletas
y aunque estuviera solo sabía jugar
aunque quisiera llorar.

Yo te quería amar y no sabía tu nombre.

Te quería encontrar, pero no sabía dónde
yo te fui a buscar
quería que todo fuera eterno
se fue el amor
llegó el invierno
y anduve tiritando en cualquier lugar
y sólo pude llorar.

Alcanzar lo interminable
rebotando en la pared
dando vueltas en el aire
mientras el payaso hace la red.

Nadie pudo ver que el tiempo era una herida
lástima nacer
y no salir con vida
yo quiero llorar.

Reloj de plastilina
no existes más
ya no te puedo esperar
mientras el payaso hace la red.

Salgo a caminar
y sigo imaginando
fui lo que creí
soy lo que está pasando
No quiero llorar.

No quiero estar envuelto en penas
siempre arrastrando estas cadenas
si el tiempo no es amigo
no importa más
yo sólo quiero jugar.

Jugar, jugar
sólo quiero ver jugar
yo sólo quiero jugar
sólo quiero jugar.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Pobreza...aonde mesmo?

Hoje o NYT traz uma reportagem de Celia W.Dugger analisando os dados do Banco Mundial que mostram uma redução significativa dos níveis de pobreza na...antiga União Soviética. Desde 1998, quando a Crise Russa derrubou mercados em todo o mundo, 40 milhões de pessoas deixaram a pobreza para trás no Leste Europeu e nos países da antiga URSS. Os pobres ainda são 61 milhões, mas a proporção de miseráveis caiu de um para cada cinco habitantes para um e cada oito.

As razões para a melhora? Para o neo-con Banco Mundial foram duas: crescimento econômico e aumento da oferta de empregos. Mas pesquisadores locais falam do nível educacional dos trabalhadores da antiga União Soviética, mais alto do que o padrão, como um fator fundamental para a mobilidade social.

Os dados mostram um crescimento desigual: enquanto Rússia, Hungria, Moldávia, Romênia e Cazaquistão diminuem a pobreza a passos largos, a Polônia e a Geórgia continuam a aumentar as desigualdades sociais.

Enquanto isso, no Brasil e nos Estados Unidos...

A reportagem, em inglês, pode ser encontrada, para leitores cadastrados (de graça), no endereço http://www.nytimes.com/2005/10/13/international/europe/13russia.html

Pinter, sempre Pinter


"Os Estados Unidos são o mais perigoso império da história planetária. Eles são o autêntico Estado Bárbaro"

Harold Pinter, dramaturgo inglês, que acaba de ganhar o Nobel de Literatura-2005, em 10 de setembro de 2001, poucas horas antes do atentado contra as Torres Gêmeas, aqui em Nova Iorque.

Diretinho da Redação (33)




VOU VOTAR SIM

Os americanos estão morrendo de rir. Nas pequenas notas que aparecem nos jornais de cá sobre o plebiscito do dia 23, o deboche tem sido a regra. Ninguém consegue compreender como um país envolto em um gigantesco escândalo de corrupção e em uma perigosa crise institucional pode gastar mais de R$ 200 milhões no referendo sobre o desarmamento de seus cidadãos. Só no Brasil, me dizem.

Não, eu não sou apostolo do não. Não mesmo. Se o controle de venda de armas e munições estivesse valendo aqui nos Estados Unidos, não teríamos testemunhado a barbárie de Nova Orleans, quando um dos maiores problemas da polícia foi justamente lidar com cidadãos armados. O Centre for Humanitarian Dialogue, uma ONG seriíssima sediada em Genebra, acaba de lançar uma publicação em que mostra como a posse de armas por civis atravanca e muitas vezes impede mesmo a ajuda a necessitados em todo o mundo. Um em cada cinco trabalhadores engajados em programas de auxílio a populações afetadas por desastres já foram baleados por civis.

É claro que o desarmamento é uma pedra enorme no sapato dos americanos. Há todo o catecismo liberal de que uma consulta popular como a do dia 23 atenta contra a liberdade do indivíduo. Mas o buraco é mais embaixo. Os Estados Unidos são, desde 1993, o líder na exportação de armas para países ‘em desenvolvimento’, com lucros de US$ 61,5 bilhões. O negócio mobiliza mais de 300 fábricas e o mercado doméstico é considerado o maior do mundo. Estima-se que 34% dos americanos (uma multidão de 95 milhões de pessoas) possuem ao menos uma arma de fogo em casa. Existem hoje mais de 200 milhões de armas nas mãos de civis por aqui e pesquisas mostram que a maioria não se sente mais segura ao adquirir seu armamento.

Como não há legislação específica – o plebiscito brasileiro é pioneiro no mundo – a revenda de armas é hoje um dos grandes problemas da polícia norte-americana. A cada chacina em colégio de segundo grau ouve-se especialistas em segurança pública reclamando que não há como prevenir a compra de armas por adolescentes ou gente que já passou algum tempo no xilindró.

Aqui, vende quem quer, compra quem pode. E os crimes hediondos têm diminuído na mesma proporção em que aumentam os casos fatais de violência doméstica com o uso de armas.

Não me iludo achando que este desarmamento vai acabar com a violência urbana no país.

Mas, vem cá, afinal de contas, de que tanto riem os americanos?

Eu voto sim no dia 23.

Regina é de Morte



Minha amiga Regina Zappa lança dia 19 de outubro, na Argumento, seu mais novo livro, 'Doce Lar". Um suspense delicioso. Tô doido para chegar dezembro e poder ler este e o próximo que vem por aí...o perfilzão de Hugo Carvana.

Viva Regina!

sexta-feira, outubro 07, 2005

Ti-ti-ti (com Ivson Alves)

Amigos,

Ti-ti-ti é o que o nome sugere: um papo informal com gente, daqui e daí, que pensa, escreve e tem algo a dizer.

A estréia é neste segundo com o jornalista Ivson Alves, que, além de muitas outras coisas, criou em 1996 o site ‘Coleguinhas”, um dos pioneiros no jornalismo interneteiro no Brasil. Para quem não sabe, ele pode ser encontrado facinho, facinho, no blog ‘Picadinho”, garantia de boa informacão na rede.

Quer saber mais sobre ele? Vai lá, mané: http://www.coleguinhas.jor.br/picadinho.html


e: Vota SIM ou NÃO no dia 23?

i: Voto sim.

e: Quem resolveu buscar na imprensa brasileira uma orientação sobre
como votar no plebiscito saiu feliz da vida ou mais perdido que cego em
tiroteio?

i: Deve ter ficado puto, pois não conseguiu encontrar um debate real, com argumentos de um e de outro lado.

e: O projeto de transposição do São Francisco é a Transamazônica do
Lula?

i: Como vou saber? Ninguém bota os dois lados da questão. Só sei que ouço essa idéia tem pelo menos uns 30 anos e, pelo que entendi até agora, tem uma parte que nem é contra o projeto totalmente, quer apenas que ele leve mais tempo, havendo uma revitalização do rio primeiro, para depois modificar-lhe o curso.

e: E este Bispo Cappio, hein? Está mais para herói dos sertanejos ou para instrumento político de ACM?

i: Mais uma encarnação do messianismo típica do Nordeste - Padim Ciço, Frei Damião... - usado como arma política pelos poderosos de sempre.

e: Lula, nosso guia ou rei do trambique?

i: Um brasileiro comum que, como brasileiro comum, não entende os mecanismos do poder.

e: Remoção de favelas ontem, esterilização dos pobres hoje, o que está acontecendo com a direita festiva carioca?

i: Não tenho idéia. Não faço parte da corrente. Experimenta perguntar pro Millôr.

e: Denise Frossard ou Rosinha?

i: Passo.

e: Hillary ou Condoleezza?

i: Dureza...Hillary, mas só pra contrariar o Bush.

e: Castro ou Chavez?

i: Castro. Práxis muito superior

e: Os americanos agora estão chiando por conta da nova legislação venezuelana, que obriga as estações a tocar música produzida no país. A fiscalização é intensa e gente como Simon Diaz, que estava esquecida, voltou às paradas. Acha que responsabilidade social passa pela determinação do que deve ou não tocar no rádio?

i: Não, mas passa por determinar uma cota razoável - uns 35, 40% -, pois não dá pra encarar a indústria cultural americana na cara limpa.

e: Uma nota, maestro, para a política externa do governo Lula. E explica um tiquinho seus critérios.

i: Nota Oito. Ela procura um caminho próprio, diversificando parceiros, na política do "nunca segurar apenas numa Alca só". Não leva Dez, nota Dez, pela mania de "liderança". Como entre gente, liderança não se impõe também em política internacional.

e: Os blogs políticos são uma realidade por aqui e são vistos como meio importantíssimo nas eleições de 2008. E aí em Lulalândia? Eles terão alguma importância no pleito do ano que vem?

i: Cê só pode tá de sacanagem. Só uns 10% da população tem acesso à Internet e 90% desses tem como maior exercício intelectual escrever scraps no Orkut.

e: Qual foi a mais recente epifania que você viveu a partir de uma obra de arte produzida em 2005?

i: Produzida? Nenhuma. Mas lida, agora, "Fronda dos Mazombos", de Evaldo Cabral de Melo.

e: O peão gay se assume em ‘America’?

i: Não vejo novela. Não é pernosticismo não. Prefiro a Série B do Brasileiro, onde o Náutico vai bem, e as séries do Universal Channel.

e: E a esta altura do campeonato, o que você faria com o corpo de Lênin?

i: Botaria em praça pública e levaria crianças para elas verem que houve tempos em que os homens viam que o mundo estava indo pro brejo e faziam algo a respeito para impedir.

Diretinho da Redação (32)

O texto abaixo já pode ser lido no Direto da Redação (www.diretodaredacao.com)

TOLERÂNCIA ZERO COM O PREFEITO MALUQUINHO

Nada mais desigual. Enquanto o prefeito César Maia resolve desenterrar a idéia fascista de remoção de populações inteiras das favelas cariocas, por aqui a campanha municipal esquenta com o republicano Mike Bloomberg ostentando uma arma poderosíssima na luta pela reeleição: o índice de criminalidade nunca esteve tão baixo em Nova Iorque.

Na semana passada, aqui no Brooklyn, ele comemorou com uma platéia atenta o fato de que ‘nós somos a metrópole mais segura da América”. É claro, você vai me lembrar que tudo isso começou com Rudi Giuliani, o prefeito conservador que fechou sex shops, acabou com o vale-tudo da Rua 42 e cunhou um termo para as prisões em massa com pesadas penas dadas aos infratores: a tal da tolerância zero. De fato, Giuliani se elegeu com uma plataforma que esculhambava com a política de segurança do alcaide da vez, o negro democrata David Dinkins, perdido em uma batalha aparentemente sem fim contra a epidemia de crack na cidade.

Com Giuliani, o tráfico realmente deixou as ruas, mas para se confinar nos projetos habitacionais, e nunca tantos negros foram passar uma temporada no xilindró. Afinal, só entra para o ramo das drogas quem está nos patamares mais baixos da economia local. O republicano foi canonizado no exterior e é uma das possíveis opções do partido situacionista para a sucessão de Bush, mas os efeitos colaterais de sua política do ‘big stick’ local, copiadas da costa leste à Califórnia, são chagas ainda não cicatrizadas aqui na Big Apple.

O numero de adolescentes confinados para sempre na cadeias americanas é o maior do mundo – um dado que envergonha o país – e as tensões sociais criadas pela tolerância zero levaram o Harlem e os cafundós do Queens, do Bronx e do Brooklyn a uma sensação de segregação que não se via desde os anos 60. Quando um judeu ortodoxo apanhou mais do que Judas em sábado de Aleluia depois de atropelar um estudante negro em Crown Heights e, meses depois, seis brancos lincharam um negro no Queens em frente a um bar, a rica fauna de Park Avenue absorveu estas tragédias como ‘seqüelas inevitáveis’ de uma cidade de 8 milhões de habitantes e mais de 50 nacionalidades diferentes. Coisas da vida. Dos outros, é claro.

Bloomberg, um republicano de última hora, que só abandonou o Partido Democrata para conseguir legenda, pensa diferente. Sua estratégia, em um primeiro momento, parecia suicida. Ele reduziu o número de policiais, diminuiu o orçamento e a munição da polícia, concentrando sua ação nas áreas mais conflituosas, na chamada “Operação Impacto”. No entanto, desde que ele tomou o poder, os crimes reduziram em 20% . Mais: uma pesquisa acaba de mostrar que 53% dos negros aprovam a atuação de sua polícia, contra 21% no caso de Giuliani.

Semana passada o alcaide bilionário andava tranqüilamente pelo Harlem, uma área tradicionalmente hostil a políticos conservadores. Bloomberg lembrava os eleitores de que seu principal investimento na corporação foi em inteligência e tecnologia: hoje a polícia nova-iorquina mapeia melhor a cidade, identifica mais rapidamente as ameaças, conhece melhor os criminosos. As ligações para o 911 são agora todas digitalizadas – e usadas como evidência nos tribunais – , o uso de testes de DNA para evitar injustiças baseadas em preconceitos raciais é corriqueiro, e foi criado o ‘real time crime center’, que envia informações sobre suspeitos em tempo real, quase igual ao que se vê nas séries de televisão.

É claro que este é um investimento maciço de dinheiro que cidades como o Rio de Janeiro talvez não pudessem arcar. Mas quem disse que Nova Iorque tinha tudo isso em caixa? No exato momento a administração republicana projeta para 2006 um déficit de US$ 6 bilhões. Seus moradores, sentindo-se muito mais seguros, não parecem estar nem aí.

Com um índice de aprovação que beira os 70%, Bloomberg pensa agora em integrar mais os projetos habitacionais, aumentando as opções de transporte público e deslocando policiais para as escolas em que a população de renda mais baixa matricula seus filhos. Como se vê, até mesmo para um político conservador e com um terrível cacoete de desrespeitar as liberdades civis como Bloomberg, é possível executar uma política de segurança racional e efetiva ao mesmo tempo em que se combate o apartheid social. Tolerância zero com o prefeito maluquinho, minha gente!

Deda & Zuenir

Hoje o Correio me trouxe uma surpresa deliciosa: uma edição de sábado do jornal "Público", de Portugal. Lá dentro, na capa do suplemento-cabeça 'Mil Folhas', uma entrevista sensacional da querida amiga Andréia Azevedo Soares com seu colega Zuenir Ventura. Uma conversa carinhosa, animada, repleta de informação e que ocupa quatro páginas, destas que a gente raramente vê nos cadernos culturais dos jornais brasileiros.

Infelizmente, o bate-papo, ilustrado por imagens clicadas pelo fotógrafo Pedro Vilela, não está disponível na rede. Mas...a Deda, colega de outros tempos de outro 'Jornal do Brasil', pode ser encontrada a um clique do mouse em seu blog "Notícias do Cais", diretamente de Porto, Portugal:

www.noticiasdocais.blogspot.com

quinta-feira, outubro 06, 2005

Una Republica Bananera

O indispensável poeta argentino Juan Gelman desceu a lenha no governo norte-americano em artigo hoje no jornal argentino 'Pagina 12'.

Algumas tiradas:

* se um país se torna uma República das Bananas pelo tamanho de sua corrupção, os Estados Unidos são membros honorários do clube. Nada menos do que 273 ex-funcionários públicos deixaram seus postos entre 1998 e 2004 e conseguiram fechar contratos acima da casa dos milhão de dólar com a Casa Branca.

* o número de lobistas em Washington nunca foi tão grande: são 4.600 escritórios dedicados à prática de convencer legisladores, o Executivo e o Judiciário, de que suas idéias são as melhores. Para quem, é a questão mais capciosa, lembra Gelman.

* pelo menos cinco figurões ligados ao governo Bush respondem a procesos judiciais e foram afastados do poder por conta de corrupção.

O artigo, infelizmente apenas em espanhol, pode ser lido na íntegra em

http://www.pagina12.com.ar/imprimir/diario/contratapa/13-57506-2005-10-06.html.

segunda-feira, outubro 03, 2005

O Maravilhoso Mundo do Design

www.wmwmwm.com



O site do meu parceiro William Morrisey, reunindo sua produção mais recente e suas invencionices geniais já está no ar.

Eu sou mais do que suspeito - mas acho que vocês deveriam ir lá no http://www.wmwmwm.com/

Vale o passeio.

Santa Sinead do Reggae




"Throw Down Your Arms" - quando o reggae ganha um charme para lá de celta







Depois de uma entrevista nervosa à "Mojo" de outburo, Sinead O'Connor, a própria, foi destaque no caderno de Artes do "The New York Times" de hoje. Depois de ser ordenada 'sacerdotisa' por um dissidente da Igreja Católica e anunciar que jamais voltaria a gravar um disco de música, a irlandesa acaba de lançar "Throw Down Your Arms", inteiramente dedicado ao..reggae!

Pois o que poderia ser o dancehall da irlandesa maluca é um achado. O crítico Ben Ratliff, do NYT, chama o disco produzido por Sly Dunbar e Robbie Shakespeare de uma deliciosa surpresa.

- É conciso e elegante, com uma economia de sopros e de elementos característicos do ritmo. Seu sotaque irlandês e sua óvia crença no que canta fazem de "Throw Down Your Arms" uma obra-prima de interpretação pop.

Ou seja, a moça conseguiu mesmo traduzir no estúdio sua concepção de reggae - música popular para se rezar.

Quem quiser ter uma idéia do som, basta ir lá no http://www.scissorkick.com/2005/08/sinead-oconnor.html e baixar 'He Prayed", uma versão caprichadíssima de Burning Spear, que oferece quase metade dos clássicos revistos por Sinèad.

domingo, outubro 02, 2005

Tracy Chapman & America

Tracy Chapman, voz negra da América Contemporânea


Parece que foi ontem, mas lá se vão dezessete anos desde que aquela menina bochechuda, dos subúrbios da Nova Inglaterra, invadiu os aparelhos de som do mundo todo com seu violão afiado, uma voz poderosa e letras fortes em músicas como 'Talkin' Bout a Revolution", "Across The Lines", a grudenta "Baby Can I Hold You" e sua obra-prima, a delicada 'Fast Car".

Mês passado, Tracy voltou a pegar pesado com a América em seu "Where You Live". Não chega nem perto do discaço de 1988. Mas uma das faixas mais lindas, batizada apenas de "America", diz, em meio a fúnebres batidas afro, que "nós estamos cansados e de saco cheio, famintos e pobres, porque vocês ainda estão conquistando a América'".

Depois do que aconteceu em Nova Orleans, o timing de Chapman não poderia ser mais exato. Ela soa como um dedo apontado na cara de um país dividido e miserável.

Para ouvir "America", cá entre nós, basta ir lá no http://www.streetknowledge.net, um ótimo site-cabeça de uns amigos que adoram boa música. A foto de Tracy, que ilustra o post, é deles.

quinta-feira, setembro 29, 2005

O Banquete da Vergonha

Convidada para tomar um café da manhã com a primeira-dama Laura Bush no último sábado - coincidentemente o mesmo dia em que a grande manifestação contra a invasão do Iraque estava programada em Washington - a poeta e professora da NYU Sharon Olds não só recusou o 'privilégio' como publicou, na 'The Nation', uma carta aberta à primeira-dama norte-americana, com o sugestivo título 'Não Há Lugar para uma Poeta no Banquete da Vergonha'.

Vencedora do prêmio da National Books Critics Circle, ela desceu lenha na administração republicana, com tradução livre do blogueiro aqui:

_ Não poderia passar pela minha cabeça dividir o pão do café da manhã com a senhora. Eu sei que se sentasse para dividir uma refeicão com a senhora, pareceria para mim que eu estava, de alguma maneira, concordando com a barbárie promovida pela administração do seu marido. Muitos cidadãos que se sentiam orgulhosos por serem norte-americanos agora se sentem angustiados e envergonhados, por conta do atual regime de sangue, tortura e agressão. Quando recebi seu convite, eu pensei na impecável toalha de linho de sua mesa, na louça brilhante e nas velas tão bem cuidadas e, sinceramente, eu não teria estômago para tanto.

A carta, excepcional, pode ser lida na íntegra, infelizmente apenas em inglês, no www.thenation.com/doc/20051010/olds.