sexta-feira, dezembro 02, 2005

ENTREVISTA/ CHUCK PALAHNIUK


Entrevistei o escritor Chuck Palahniuk, autor do best-seller "Clube da Luta" (que virou filme com Brad Pitt e Ed Norton) para o Valor Econômico. O conversê saiu hoje, no caderno Eu&Cultura:


O Brinquedo Assassino de Chuck

Eduardo Graça, de Nova Iorque, para o Valor

A cena se repete pela enésima vez. Enquanto o autor lê trechos de uma de suas histórias para o público, começam os desmaios. Um, dois, três, quatro! “Até este exato momento, 73 pessoas desmaiaram na turnê de divulgação do livro. Eu fico pensando que isto se deve mais ao calor das salas de leitura e, claro, ao tipo de curioso que resolve sair de casa para ir me ver. Agora, convenhamos, minha literatura não é mesmo, digamos assim, direcionada para leitores mais tímidos, né?”. Quem pergunta, quem escreve, quem causa tamanha comoção em leitores desavisados, é Chuck Palahniuk, 43 anos, o mestre por trás do “Clube da Luta” e que chega às livrarias brasileiras em dose dupla: “Sufoco”, escrita em 2001, sai esta semana pela Rocco e a recém-publicada coletânea de contos “Haunted” (Mal-assombrado) pode ser encontrada, infelizmente apenas em inglês, nas boas livrarias das capitais do país.

Os desmaios vêm transformando as mais recentes leituras públicas dos livros de Palahniuk nos Estados Unidos em eventos singulares, que pedem, invariavelmente, uma equipe de primeiros-socorros contratada pelas livrarias mais do que interessadas em transformar um simples encontro entre escritor e público em um evento performático e tão inconseqüente quanto sua literatura. “Tudo começa de uma maneira bem engraçada. Eu quase sempre tenho de recomeçar a ler os trechos escolhidos por conta do volume das gargalhadas. Mas assim que as pessoas começam a relaxar, a narrativa vai ficando mais pesada e, sim, incômoda. Quando as pessoas começam a perceber o que vai ocorrer com o narrador da história, os desmaios começam. E é claro que eu adoro ler algo que causa tanta histeria e drama”, conta o escritor.

Palahniuk está falando de um conto específico apresentado em ‘Haunted’, ‘Guts’, em que três histórias se sobrepõem: duas brincadeiras com cenouras e velas e uma outra conectando o sugador da piscina com a genitália masculina. Detalhe: as histórias realmente aconteceram, e os protagonistas foram conhecidos do escritor. ““Esta última quem me contou foi um senhor que estava em tratamento em um grupo de viciados em sexo. Eu o conheci justamente quando estava pesquisando para escrever ‘Sufoco” e achei que se tratava de uma história sensacional, engraçada e ao mesmo tempo realmente triste. Eu acabei não resisitindo e a incluí no meu livro de contos”, diz.

Quase toda ficção de Palahniuk é baseada em fatos que aconteceram na vida real. Mas ‘Sufoco” e “Haunted” surgem como um passo à frente (ou ao lado, como prefere Palahniuk) das odes ao niilismo que marcaram seus romances anteriores. “Sufoco” é considerado uma espécie de transição para um tipo de narrativa que contém, vá lá, valores mais positivos, quiçá a velha e boa esperança nossa de cada dia.

Aqui, o autor conta a história de Victor Mancini, um homem patético e viciado em sexo. Todo tipo de sexo, de papai-e-mamãe à simulação de estupro e até mesmo objetos inseridos nos orifícios mais variados. Em uma narrativa especialmente anti-erótica, vulgar no sentido íntimo do nome, ‘Sufoco” apresenta um mundo de infinitas possibilidades, de permissividade ilimitada. E, ao mesmo tempo, repete um bordão durante todos os seus capítulos: a total inabilidade de Victor de conseguir um relacionamento de verdade, em que não precise se ‘sufocar’, ou simular sua morte, para sobreviver, inclusive financeiramente.

“Sufoco” e “Haunted” não bebem da raiva do “Clube da Luta”, nem da grandiosidade de “Survivor”. Mas a mística de seu livro mais famoso, é claro, ainda rende dividendos a Palhaniuk. Não por acaso seu endereço eletrônico começa com Tyler, exatamente o nome do personagem mais emblemático e fantasioso do filme, vivido por Brad Pitt. Quando o livro foi transportado para Hollywood, o escritor se transformou em uma das principais vozes de um certo inconformismo americano, representando com convicção os nostálgicos por um dia-a-dia mais concreto e direto. Sua literatura chegou a ser acusada de ‘auto-ajuda para machões’, ao mesmo tempo em que era alçado à categoria de ‘novo Don DeLillo’. “Eu acho que o diretor David Fincher fez algo fabuloso com o ‘Clube da Luta’. O filme dele acabou sendo muito, mas muito melhor que meu próprio livro e ele é o modelo que tenho em mente para qualquer adaptação a ser feita de algo que eu escrevi”, diz o autor, jurando, em entrevista exclusiva para o Valor, que não anda freqüentando nenhum curso de aprenddizado de modéstia por correspondência.

- Eu li que que o senhor chegou a autografar vômito nesta sua última sessão de autógrafos. Quão estranhas elas são?
- Você não vai acreditar, mas tenho tanto medo de aparecer na frente das pessoas que eu comecei a levar brindes para minhas leituras e a presentear o público. Coisas assim como corvos empalhados (centenas deles), margaridas imensas, mamadeiras tamanho-família, buquês de noiva, pedaços de pernas e braços de brinquedo com sangue. São meus amuletos de sorte, que me ajudam a perder o medo quando eu entro no ‘palco’.
- Lendo seus dois livros podemos pensar nos vícios da sociedade contemporânea, na compulsão pela representação, na natureza cada vez menos íntima do sexo. Quais os pontos centrais de “Haunted” e “Sufoco”?
- O ponto central é a crise de nosso tempo, em que há uma falta de credibilidade total. E agora que a Internet transformou cada indivíduo em uma fonte de notícias, todos vêm sofisticando a técnica de abusar da verdade para seu próprio benefício.
- E o senhor está escrevendo algo agora?
- Sim! Uma ficção científica na forma de uma biografia. O que eu posso adiantar é que o livro documenta a vida curta de um jovem vivendo em um futuro nem tão distante assim, provavelmente cerca de duas décadas à nossa frente.
- Seus livros pegam pesado na violência. Há auto-mutilação em “Haunted” e abuso sexual em “Sufoco.” Você acha que a violência é mais presente do que nunca nos dias de hoje?
- Outro dia eu li um artigo indignado dando conta do retorno dos tratamento de choque para pacientes sofrendo de depressão. Isso não me surpreende nem um pouco. Eu sempre precisei de um ato físico para aliviar meu estresse. Se não fosse uma luta, pelo menos um dia inteiro carregando pedras ou pesos. As pessoas passam tanto tempo evitando o estresse dos conflitos que acabam perdendo a chance de desfrutar de seus benefícios. Conflito e batalha consensual trazem consigo um senso de paz e uma aceitação do descanso fundamentais.
- Boa parte de seus leitores brasileiros, pensam no senhor como ‘aquele escritor macho’. Isso o incomoda?
- Vai ver que quando eu escrevi o ‘Clube da Luta’ eu era mesmo ‘aquele escritor macho’. Ou pelo menos mais macho do que sou hoje. Aquele livro foi minha maneira de lidar com o tédio e a frustração que eu sentia quanto tinha 30 anos. Eu jamais conseguiria escrevê-lo hoje. E eu espero que os próximos cinco filmes que já estão sendo produzidos sobre a minha obra – “Sufoco”, “Survivor”, “Diary”, “Invisible Monsters” e “Lullaby” – modifiquem minha reputação. E que eu vire o ‘escritor insano’. Eu posso agüentar melhor esta!

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Connecticut: Lobista e Empreiteiro ficam de fora

Parece notícia paroquial, mas deveria interessar a quem trata do tema no Brasil. Esta semana aqui em Connecticut - onde, aliás, vive uma cada vez mais atuante comunidade brasileira - o legislativo local aprovou uma série de reformas no financiamento de campanhas eleitorais, que passa a ser basicamente público. Entre outras determinações, fica proibida a doação às campanhas por lobistas profissionais e empreiteiros. E o limite para a gastança declarada ficou menor, chegando a US$ 3 milhões para governador e US$ 10 mil para o que equivaleria ao cargo de deputado estadual no Brasil.

Connecticut também criou um 'sistema de financiamento voluntário'. Funciona mais ou menos assim: para poder receber dinheiro do Estado os candidatos precisarão primeiro passar o chapéu para pessoas físicas, em valores que não podem ser superiores a US$ 100 por cabeça. Quem receber mais, provando ter mais apoio popular, recebe mais ajuda pública. Fugiu-se assim da partilha do dinheiro da Viúva pelo número de cadeiras no Congresso estadual. A idéia é evitar, mesmo em um sistema basicamente bipartidário, o nosso velho conhecido troca-troca de legendas.

Em Connecticut o governador é republicano mas o Legislativo é dominado pelos democratas. Os dois lados apóiam as novas regras eleitorais. Dois outros estados, Maine e Arizona, também aprovaram o financiamento público recentemente, mas não proibiram a grana amiga de lobistas e empreiteiros. Se vai dar certo? No ano que vem a gente vai saber.

Chavez, mais um gol de placa

Hoje o governo venezuelano publicou anúncio de página inteira nos principais jornais aqui dos Estados Unidos. O título era Como a Venezuela Mantém os Aquecedores Funcionando nas Casas de Massachusetts, dando conta do acordo feito entre a PDVSA, a estatal venezuelana, e o governo de um dos estados mais liberais da Nova Inglaterra (embora comandado por um republicano), para levar gás mais barato às casas dos pobres americanos. Pois é.

O anúncio, na íntegra, com tradução livre do blogueiro aqui:


Quando acontecem disastres, o povo americano têm sido sempre o primeiro a oferecer seus corações e suas economias. Agora que os Estados Unidos foram atingidos com uma série de catástrofes naturias, a Venezuela e a CITGO estão oferecendo combustível - 12 milhões de galões de petróleo a preços muito abaixo do mercado - para ajudar os pobres de Massachusetts a se aquecerem neste inverno. Insituições públicas como escolas, hospitais e enfermarias também serão agraciadas com o combustível barato, em uma economia estimada de 80 centavos por galão, ou milhões de dólares economizados pelo Estado de Massachusetts nos próximos meses.

Nós já estamos preparando um plano especial para Nova Iorque e outras regiões temperadas, onde os residentes mais pobres enfrentam, ao mesmo tempo, o alto preço da conta do aquecimento e a precária assistência do governo federal. A Venezuela vem fornecendo a maior parte do combustível utilizado para o aquecimento das casas do Nordeste americano por muitos, muitos anos.

Por que estamos fazendo isso? Por que colocaríamos pessoas à frente dos lucros?

Porque nós não somos apenas uma companhia de energia. CITGO é uma subsidiária da PDVSA, a empresa estatal controlada pelo povo venezuelano. Por isso a PDVSA, em parceira com o governo do presidente Hugo Chavez, investe todos os anos uma boa parte de seus lucros para apoiar a educação, o combate ao analfabetismo e programas especiais para trabalhadores que ajudam milhares de venezuelanos. E a Venezuela, assim, tem dado às mãos a outros parceiros, na Ameerica do Sul e no Caribe, fortalecendo a região através do comércio externo justo, do desenvolvimento social e de parceiras econômicas.

O que nós leva de volta aos Estados Unidos, nosso antigo parceiro comercial e amigo. O programa de assistência da CITGO é um simples ato de generosidade para ajudar a população de Massachusetts por conta dos desastres dos furacões Katrina e Rita.

Nosso programa de assistência não é um programa político. Ele oferece ajuda humanitária aos necessitados. O que poderia ser mais americano do que isso?


Ligue-se o aquecedor com um recado destes...

Momento Blog

Eu sei, eu sei, ele só chega oficialmente no dia 21 de dezembro. Mas os meteorologistas anunciam, com garbo e pompa: começa hoje, de fato, o inverno no Hemisfério Norte. Agorinha mesmo entrou em cena o tal do Inverno Astronômico, que só acaba no dia 26 de fevereiro de 2006. Resumo da ópera: às quatro da tarde começa a escurecer e aumenta a vontade de ficar em casa, quietinho, enrolado nos cobertores da vida. Haja ânimo!

Diretinho da Redação (37)


A coluna da semana já está lá no www.diretodaredacao.com


Da Alegria de se Viver em uma Democracia


Nos EUA, só falta a opinião pública sair do armário e as bengalas começarem a bater no cocoruto dos políticos. A picaretagem é a mesma!


A sensação foi de filme repetido. Quando vi a imagem na televisão, imediatamente me veio à cabeça a conversa que tive recentemente com o jornalista britânico Andrew Gumbel. Tratávamos do escândalo do mensalão em Brasília e ele saiu-se com a pérola de que ‘ao menos no Brasil a prática de pagar legisladores para votar com o governo ainda é ilegal’. Correspondente do jornal "The Independent” aqui nos Estados Unidos, Gumbel escreveu o ótimo "How To Steal A Vote”, infelizmente apenas em inglês, sobre a precariedade do sistema eleitoral norte-americano.

Esta semana, aqui na tevê de casa, me aparece o deputado republicano Randy Cunningham, o Duke, um dos principais aliados do governador-exterminador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, constrangido, coçando os olhos por detrás dos óculos de bom-moço, renunciando publicamente ao mandato. Foi pego com a mão na botija – recebeu pelo menos US$ 2,4 milhões em propinas para ajudar contribuintes de sua campanha a conseguirem contratos vantajosos com o Pentágono.

Mas logo o Duke? Respeitado herói da guerra do Vietnã, do alto de seus 63 anos, ele seguia na televisão, pedindo perdão à família e aos colegas. Mas esqueceu de se desculpar com os eleitores. Ato falho? Nem tanto. A democracia norte-americana, afinal, ostenta o título inglório de menos representativa (uma média de 40% dos eleitores saiu de casa para votar nos últimos três pleitos) do ocidente. Com raríssimas exceções, os deputados não respondem ao eleitorado e sim aos lobistas e às grandes corporações, que financiam suas campanhas.

Até esta semana sabia-se que Duke, em seu sexto mandato, era um dos pilares do conservadorismo do oeste americano, um estudioso de temas espinhosos como a segurança nacional e o terrorismo. Também sabia-se, por conta das reportagens do tinhoso “The San Diego Union-Tribune”, que sua casa em Del Mar fora comprada pela MZM Inc., uma das empresas especializadas em prestar serviços para os militares, por US$ 1,7 milhão em 2003. E, que, mesmo com a mega-valorização imobiliária no pais, ela fora vendida, nove meses depois, por US$ 700 mil a menos.

O que parecia estranho revelou-se tenebroso. Hoje, descobre-se que Duke viveu durante anos em um luxuoso iate em Washington às custas de uma das empresas interessadas em fechar contratos vantajosos com o governo Bush. Que, entre outros presentes, ele ganhou um Rolls Royce avaliado em US$ 200 mil, móveis, a festa de formatura de sua filha, o pagamento de seu condomínio, férias e viagens. Tudo saiu da conta de seus satisfeitos parceiros eleitorais. E Duke, é claro, não declarou nada, nadinha mesmo, em seu imposto de renda.

A opinião pública norte-americana, cada vez mais voltada para o atoleiro do Iraque, parece mais estarrecida do que indignada. Um amigo conservador me disse, no feriado do Dia de Ação de Graças, que tão pouca gente vota nas eleições ianques porque a maioria da população está satisfeita. Vai-se às urnas, ele me dizia, para se protestar contra alguma coisa.

Ainda não apareceu, é certo, um idoso americano para dar uma bengalada bem-dada no Duke, mas ele pode pegar até 10 anos de cana. E olhem que seu caso é apenas mais uma peça no quebra-queças da crise da representação legislativa que tanto preocupa as democracias ocidentais! No senado, Bill Frist, virtual candidato à sucessão de Bush, se enrolou em uma negociação para lá de suspeita que valorizou as ações da companhia de seguro-saúde da qual era proprietário. Ela acabou sendo vendida por um montante estratosférico. Outro republicano encalacrado é o deputado Tom DeLay, do Texas, que teve de abandonar a liderança do governo depois de acusado de chefiar um esquema que garantia votos no Capitólio a partir dos interesses de financiadores de campanha. Soa familiar?

Bem, no meio de tanta lama, o governo Bush ignorou a sugestão de se criar uma legislação específica para punir os corruptores, que elegem deputados e senadores país afora. Também deixou para lá os projetos de se criar uma Justiça Eleitoral independente dos governos do Estado e do financiamento público das campanhas eleitorais em todos os níveis. Não. Cenho franzido, o presidente anunciou a instalação de uma série de seminários na Casa Branca sobre ética. Isso mesmo. Altos funcionários e grandes figurões republicanos foram convocados para comparecer a uma sala de aula improvisada em Washington. Ele jura que, agora, os ‘deslizes’ dos companheiros neo-conservadores vão acabar. Ufa! E eu aqui preocupado. Como é bom a gente viver em uma democracia de verdade, não?

domingo, novembro 27, 2005

Diretinho da Redação (36)


O texto já está no www.diretodaredacao.com


DA POBREZA AMERICANA, AINDA INVISÍVEL

Nesta segunda-feira o prefeito de Camden, aqui ao lado em New Jersey, convidou um grupo de jornalistas para passear pela cidade. A idéia era mostrar como a localidade, eleita nos últimos três anos a mais violenta e perigosa dos Estados Unidos, estava lutando para vencer o estigma. Não deu lá muito certo. Novidades apresentadas como trunfos – a construção de uma nova biblioteca, a primeira em um século, de um novo hospital e de um clube para jovens - não apagaram a forte imagem dos muitos meninos negros mal-vestidos e à toa, espalhados pelas casas mal cuidadas da cidade.

Todo o outono aqui no hemisfério norte uma empresa do Kansas, a Morgan Quitno, divulga seu ranking de perímetros urbanos, a partir do número de crimes per capita. O maior peso é dado para assassinatos, estupros, assaltos à mão-armada, invasão de propriedade alheia e roubo de carros. O anúncio de que tal local é mais ou menos violento acaba influenciando os preços de um mercado imobiliário mais do que quente, uma das âncoras da economia norte-americana na última década.

Camden tem cerca de 80 mil habitantes e, em 2004, registrou 54 homicídios, incluindo o de um menino de 12 anos, assassinado em sua varanda. O bandido queria roubar seu rádio de pilhas. Parece um outro mundo. E é. Logo atrás de Camden no ranking do medo aparecem duas grandes metrópoles – Detroit e Saint Louis – que, não por acaso, também contam com uma grande população negra.

Os negros também eram maioria em New Orleans. Três meses após o furacão Katrina destruir a cidade, ativistas da Louisiana contam que pouco foi feito para recuperar a capital do jazz americano. Pior: os moradores já temem que o desvio da pauta nacional para temas como a retirada das tropas federais do atoleiro do Iraque e as eleições legislativas de 2006 façam com que o país esqueça a tragédia ainda mais rapidamente. Capa da revista ‘Time’ desta semana, os flagelados de New Orleans se desesperam: “os americanos se recusam terminantemente a enxergar a pobreza americana’.

Não é diferente em Camden. O destino da cidade, famosa por ser sede da fábrica das sopas Campbell, foi traçado na década de 70, quando os empregos migraram para a Ásia e a classe media desapareceu. O que se vê hoje são janelas gradeadas, lixo espalhado pelos gramados e uma sensação de medo que lembra a do inferno carioca.

O irônico é que, nos mesmos jornais em que espantados repórteres davam conta de mais um capítulo da desigualdade ianque, a atriz Sigourney Weaver, em anúncio de página inteira, fazia propaganda de um grupo assistencialista avisando que, para 1,5 milhão de nova-iorquinos, o “problema não é o que escolher para jantar, mas saber se haverá alguma comida na mesa”.

Mande sua ajuda à África, mas não esqueça dos miseráveis aqui de casa, lembrava a atriz. Camden fica localizada na Grande Filadélfia, duas horas ao sul de Nova Iorque. A pobreza na maior potência mundial só muda de sotaque. O mau cheiro e o desespero são os mesmos, nossos velhos conhecidos.

Verissimo e a Americanização da Política Brasileira

No "Globo" do dia 25 de novembro:

...Nos Estados Unidos, o paradoxo de a maioria democrata votar no partido dos ricos contra seus próprios interesses econômicos se explica pelo truque republicano de valorizar o economicamente irrelevante — aborto, direitos dos gays, religião — e ser o partido dos bons costumes acima de tudo. No Brasil, o que parece unir as classes e se impor a qualquer outra conveniência é o moralismo, que em certos casos também é uma astúcia para desviar a atenção do que interessa.