domingo, outubro 22, 2006

Pop: Um senhor bate-papo

Infelizmente apenas em inglês, está no site do jornal dominical inglês The Observer um sensacional bate-papo entre Jarvis Cocker (leia-se Pulp), Nick Cave, a cantora de folk Beth Orton, meu querido Antony Hegarty (a doce voz dos nova-iorquinos Antony & The Johnsons, a canadense Mary Margaret O'Hara, o britânico Anthony Glenn (da banda The Hours) e o jornalista Paul Morley. Esta turma se reuniu em Dublin para discutir algo aparentemente tão banal quanto saber para que serve, afinal de contas, a música nos dias de hoje. Entre as muitas histórias divertidas estão a negativa de Cave em ceder os direitos de Red Right Hand para uma propaganda de papel higiênico na Nova Zelândia e o lembrete que Barney Summer, do New Order, exigiu para gravar Blue Monday em uma propaganda de refrigerantes, no início dos anos 80: um imenso cartaz que dizia:"Estamos fazendo isso por US$ 400 mil".

Raízes do Brasil, 70 Anos


Por conta do lançamento da edição comemorativa dos 70 Anos de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, uma das obras fundamentais para se entender Pindorama, o Estadão publicou dois belos textos no Caderno 2 de hoje. O meu favorito é o da professora da USP, e autora do ótimo Nas Barbas do Imperador, Lilia Schwarcz.

Nossa Raízes Profundas
Lilia Moritz Schwarcz

Há quem diga que o Brasil não é para principiantes e que, para entender o País, é preciso um esforço de tradução. É fato que não há cultura que abra mão de um bom tradutor; a nossa, porém, contou com um, particularmente, bem sucedido: Sérgio Buarque de Holanda. Dono de frases e definições lapidares, Holanda fez da interdisciplinaridade mais do que uma voga rápida: foi ensaísta, crítico literário, historiador.

É do historiador a descoberta pelo 'gosto da maravilha e do mistério', dupla inseparável na literatura de viagem e presente em seu livro Visão do Paraíso. É também do pesquisador a arguta definição encontrada no ensaio O Pássaro e a Sombra, quando analisou o poder pessoal de D. Pedro II e concluiu que a vontade imperial carregava 'muito lastro para pouca vela': paródia certeira para pensar a política brasileira, também nos dias de hoje. É ainda o crítico quem descreve nossos 'sertões ermos', em O Extremo Oeste, não distinguindo um espanhol de um português, senão pela montada. É por fim de Sérgio Buarque de Holanda o alerta, contido em Raízes do Brasil, ao apego irrestrito que manifestamos aos 'valores da personalidade'. Em questão estava a possível - e desejável - emergência de instâncias de representação que se sobrepusessem às persistentes estruturas privadas. 'Em terra onde há muito barão não há acordo possível' resumia Holanda, ironizando nosso teimoso e renitente clientelismo.

É por essas e por outras que os setenta anos da publicação de Raízes do Brasil merecem retomada, leitura e atenção. O livro envelheceu tão bem como os bons vinhos, e continua trazendo um incômodo alerta acerca dos limites dessa nossa 'modernidade tropical', condicionada pelo descrédito com relação às instituições e pelo antigo ditado: 'aos amigos tudo, aos inimigos a lei'. A obra carrega, ainda, a marca de ter lançado a voga da 'cordialidade', termo tão citado como mal compreendido. O País se definiria a partir da mania de jogar tudo para a esfera do privado; sinal maior de nossa identidade, entendida, em Raízes, como problema e não solução.

Mas essa obsessão com a definição do caráter particular de nossa cultura, refletido na busca de interpretações do Brasil, não data desta época e muito menos do livro de Holanda. Não é hora de fazer uma lista das teorias ou passar a limpo autores que - como Silvio Romero, Euclides da Cunha, Manuel Bonfim, Joaquim Nabuco ou Oliveira Viana - enfrentaram o tema da identidade, tudo isso entre finais do 19 e inícios do 20. Também não é o caso de retomar as máximas da geração realista dos anos 1870, que elegeu a raça como elemento definidor da nacionalidade. Na verdade, restara um certo mal-estar, legado por este grupo de intelectuais, que entendeu o cruzamento de raças como sinônimo da falência da nação. Por isso mesmo, os grandes intérpretes dos anos 1930 produziram ensaios que se contrapunham frontalmente ao antigo suposto teórico, que resumiu mestiçagem como degeneração.

A nova aposta centrava-se em desenhar a variedade desse imenso País a partir de uma imagem só, alentada até. E é nesse momento que algumas obras nascem clássicas. Casa Grande Senzala, de Gilberto Freyre, publicado em 1933, invertia o papel do escravo e dos negros na formação nacional. Inspirado na antropologia cultural norte-americana, o livro trazia o ambiente patriarcal nordestino como modelo de nacionalidade e propunha uma nova visão desse país. A mestiçagem - menos biológica e mais cultural - era destacada não mais como veneno, mas tal qual redenção.


O texto completo, e uma outra análise bem interessante, do embaixador Sérgio Paulo Rouanet, pode ser lido aqui, para assinantes do Estadão.