segunda-feira, janeiro 19, 2009

ENTREVISTA/ Phillip Gourevitch

Também neste fim de semana, o Terra Online publicou minha entrevista com o editor da Paris Review, Philip Gourevitch, que lança no Brasil dois livros fundamentais, ambos pela Cia. das Letras, para os que querem entender como funciona o mundo nosso de cada dia: Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias e Procedimento Operacional Padrão.

Abu Ghraib será maior mácula de Bush, diz escritor



Eduardo Graça, Direto de Nova York

Para o jornalista americano Philip Gourevitch, editor da The Paris Review, as práticas de tortura na prisão iraquiana de Abu Ghraib serão "a maior mácula da administração Geroge Bush". Ele é autor do livro Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias, sobre o massacre que exterminou 10% da população de Ruanda, em 1994, e Procedimento Operacional Padrão, que narra as sessões de sadismo cometidas por jovens soldados dos EUA contra iraquianos detidos.

O senhor acredita que as imagens de Abu Ghraib serão o símbolo mais hediondo da Era Bush, que termina, oficialmente, em um mês?
A política de ocupação norte-americana, que fez de Abu Ghraib uma imagem icônica de tortura será, sim, a maior mácula da administração George Bush. O genérico e sistemático abuso de prisioneiros, que se transformou em praxe na chamada 'guerra ao terror' revelou-se um reverso de mais de 200 anos de doutrina militar e do uso da Lei nos EUA.

O senhor disse que os EUA terão de fazer 'o seu ato de contrição'. Como a sociedade a sociedade norte-americana está reagindo a este triste capítulo de sua História?
É óbvio, quando você vê as imagens de Abu Ghraib, ou lê as histórias sobre Guantánamo ou sobre o que acontece na Base Aérea de Bagram, no Afeganistão, que estivemos fazendo coisas terríveis com nossos prisioneiros de guerra. Mas, ao cometerem estes crimes em nome da sociedade americana e de nossa segurança nacional, nossos líderes também fizeram algo inominável contra nossos próprios soldados e contra os cidadãos norte-americanos. Aqueles soldados nas infames fotos de Abu Ghraib eram os recrutas da parte mais baixa de nossa hierarquia militar, eram noviços. E eles foram os únicos a ir para a cadeia por crimes que foram maquinados nos altos escritórios de Washington. Eles foram instrumentos e agentes de uma imensa injustiça, mas eles também foram vítimas, ao se tornarem bodes expiatórios de uma política oficial, dirigida de cima, que ainda precisa ser completamente repelida ou, pelo menos, precisamos ver os responsáveis intelectuais desta política prestarem contas do que fizeram.

A prestação de contas que o governo Bush parece interessado em apresentar à sociedade americana é a de re-introduzir os oito anos de seu governo aos americanos em uma série de entrevistas na semana passada, que procuram enfatizar o fato de que os EUA, em sua administração, não foram atacados novamente depois do 11 de setembro de 2001...
Na melhor das hipóteses, o legado de Bush é uma série catastrófica de oportunidades perdidas. E, na pior, uma gigantesca violação da honra dos EUA em nome da segurança nacional. Em Procedimento Operacional Padrão, eu pergunto: quando você enfrenta o terrorismo com terror, como você sabe quem é quem? As feridas do 11 de Setembro, no fim das contas, chegam a ser menores do que as que as resultantes da tentativa fracassada da administração Bush de vingar a dor original. Ainda é cedo para saber exatamente o que significaram, de fato, estes anos Bush, mas é significativo perceber que hoje trava-se um debate sério no meio acadêmico sobre se ele foi, de fato, o pior presidente nos 232 anos de nossa história.

O senhor acredita que a administração Obama iniciará uma série de investigações sobre os abusos cometidos na Era Bush?
Ficarei profundamente surpreso se uma investigação séria sobre os anos Bush começar nos próximos anos. Obama não vai querer passar seus primeiros anos de governo lidando com o que aconteceu nos últimos oito. Creio que ainda mais urgente do que inquéritos é o estabelecimento de uma clara e absoluta rejeição às políticas de uso de tortura implantadas pelo governo Bush.

Juntamente com seu livro mais recente, sobre Abu Ghraib, sua editora brasileira está relançando Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias, sua premiada obra sobre o genocídio de Ruanda, produzida quando o senhor trabalhava na The New Yorker. O que o motivou a escrever sobre o drama africano? E vocÊ acha que a comunidade internacional pode intervir em atrocidades cometidas lá?
Um ano depois do genocídio, decidi viajar a Ruanda porque não conseguia entender como um crime daquela dimensão havia acontecido. E queria saber o que significava para a população de Ruanda, e para o mundo moderno, viver sob esta mancha. Curiosamente, nunca havia sequer feito uma reportagem no continente africano. Mas estava igualmente interessado no fato de que nós dizemos a nós mesmos que jamais permitiremos a repetição de crimes como estes e no entanto eles voltam à tona com uma periodicidade alarmante.

No fim, a motivação parece semelhante à que o levou a escrever a grande reportagem sobre Abu Ghraib...
Exatamente. Simplesmente não me satisfazia mais ler sobre os fatos políticos. Queria ouvir as histórias diretamente das pessoas que estavam próximas à ação, boas ou más, e transmitir seus pontos de vista através de suas próprias vozes. Não vejo meus livros como jornalismo político per se. Eles são tentativas de se entender e descrever quem, e o que, nós, pessoas deste planeta, somos.

Como o senhor vê Ruanda nos dias de hoje?
Curiosamente, viajarei para lá em algumas semanas e parece que eles têm melhorado em muitas frentes, especialmente se considerarmos o fardo imenso pelo qual passaram e a dimensão do desafio que enfrentam. A violência foi subtraída - hoje é um país razoavelmente seguro - mas a pobreza segue sendo um imenso problema. E não há dúvidas de que a parceria com países não-Europeus, como o Brasil, será importante no caminho para a prosperidade de Ruanda.

ENTREVISTA/Dustin Hoffman & Emma Watson

Ele é o que há. O máximo. Depois de tê-lo flagrando carregando jarra de suco de frutas no elevador do chiquérrimo Beverly Wilshire, em Beverly Hills, durante o lançamento do delicioso Kung Fu Panda, agora eu o vi fazendo graça para os jornalistas em Santa Monica. O motivo? O lançamento de mais uma animação - O Corajoso Ratinho Desperaux, que também conta com a voz de Emma Watson, a Hermione de Harry Potter.

As entrevistas com os dois seguem abaixo:

Dustin Hoffman

Ratos no porão

Descontraído e falando pelos cotovelos, Hoffman conta como foi interpretar um rato impetuoso em O Corajoso Ratinho Despereaux, e Emma Watson fala sobre a vida profissional além dos muros de Hogwarts

  •  - Foto: Jaimie Trueblood / Divulgação / Paramount Pictures - 0
  •  - Foto: Jaimie Trueblood / Divulgação / Paramount Pictures - 1

 - Foto: Jaimie Trueblood / Divulgação / Paramount Pictures - 0

Foto: Jaimie Trueblood / Divulgação / Paramount Pictures

Hoffman dubla o rato Roscuro em O Corajoso Ratinho Desperaux

Por Eduardo Graça, de Los Angeles

Na primeira vez em que Contigo! se encontrou com Dustin Hoffman este ano - no lançamento do megasucesso Kung Fu Panda - o ator de 71 anos, vencedor de dois Oscars, por Kramer Vs. Kramer (1979) e Rain Man (1988), foi direto: ''Não gosto de animações''. Então por que ele está emprestando sua voz para mais um desenho animado, desta vez para o rato Roscuro, um dos heróis de O Corajoso Ratinho Despereaux, estreia desta sexta-feira (16/1/2009) nos cinemas? ''Continuo não gostando'', responde, com uma piscadela de olhos. ''A melhor resposta é: tenho dois netos.''

Na coletiva para a imprensa internacional em Los Angeles, Hoffman, terno e gravata, alinhadíssimo, só parava de falar quando bebericava seu refrigerante. E brincava com as pedras de gelo no copo, para lá e para cá, tal qual um personagem... de desenho animado! O nariz enorme e os olhos pequeninos remetem imediatamente a seu Roscuro, um rato diferente, que gosta da luz e de sopas elaboradas - qualquer tentativa de acusar o filme de plágio de Ratatouille (2007) não vai funcionar, já que o longa é a adaptação do livro homônimo publicado em 2003 -, criado em alto-mar, que viaja mundo afora, indignado ao se perceber no Reino da Dor, onde, por conta de uma trapalhada sua, a escuridão é lei. Roscuro, ao lado do camundongo Despereaux (com voz de Matthew Broderick) e da princesa Pea (vivida por Emma Watson, a Hermione da cinessérie Harry Potter), decide transformar este conto de fadas surrealista em uma história de amor em que todos, inclusive o intrépido personagem de Hoffman, viverão felizes para sempre. A seguir, os principais trechos da conversa com Dustin Hoffman.

O neto Gus
''Minha filha Jenna vive em Minneapolis. Ela e meu genro ficaram entusiasmadíssimos com a candidatura de Obama e foram ao seu comício lá. E falam tanto em Obama, mas tanto, que meu neto Gus, de quatro anos, perguntou, seríssimo: ‘Mãe, Barack Obama é um restaurante ou uma loja de brinquedos’? (risos). Quando você tem esse tipo de reação em casa, quando elas são importantes para você, é hora de fazer filmes como O Ratinho Despereaux. Não vejo a hora de ele ver este filme. Em Kung-Fu Panda ele me perguntava por que eu estava machucando o Jack Black (risos).''

Dublagem

''Definitivamente, não gosto. A parte boa é que você não precisa ir para o set de filmagem todos os dias. Você faz quatro horas em um dia, aí passam-se meses, às vezes anos, e te chamam novamente. No meio disso, você pode fazer outros filmes. Ficar num quarto fechado fazendo vozes... hummm... não, eu não gosto mesmo. Nem um pouquinho (risos). Eu e o Matthew sequer conseguimos fazer uma cena ao mesmo tempo! Não é sequer tão excitante quanto sexo por telefone (muitos risos)!''

Barack Obama

''Estou muito, muito feliz (com a eleição de Obama para presidente). Na manhã seguinte à da eleição, no dia 5 de novembro, percebi que havia me livrado de uma sensação horrorosa, que tive durante oito anos: a de que me sentia envergonhado por ser americano.''

Os filmes do menino Dustin
''BambI (1942) foi o primeiro filme que vi na vida. E no fim a floresta está em chamas, os animais fugindo, tentando sobreviver. Morri de medo (risos)! Só fui perceber essa qualidade assustadora das histórias para crianças novamente quando comecei a ler para os meus filhos, na hora de dormir. Pinóquio, por exemplo, também tem seu lado assustador, desesperador, não é? São narrativas brutais.''

Escolhas
''Atores são seres passivos. Recebemos roteiros e aí decidimos o que fazer. Não fiz A Loja Mágica de Brinquedos no ano passado porque era um filme para crianças, isso não pesou em nada. Fiz porque achei meu personagem, Magorium, o criador da loja, interessante. Nunca, nesta indústria, os grandes papéis abundam. Sejamos honestos. Muitas vezes você pega o melhor dos piores e vai em frente. Pense em quantos filmes de fato bons você viu este ano. Agora, é claro, andei recusando alguns pornôs recentemente (risos). É que os diretores não concordaram com alguns efeitos especiais que exigi para aparecer em cena (mais risos).''

Sopas
''Quando criança, não era fã de sopas, como Roscuro. Tinha horror. Mas hoje curto, por exemplo, sopa de ervilhas. Como minhas origens são lá da Ucrânia, posso dizer que adoro sopa de repolho, estourando de quente, e de beterrabas, fria, com creme e um tiquinho de vodka. Aliás, adoro borsch e tudo o que é feito com o que vem da terra. Amo raízes. Gosto mesmo. Acho perfeito que a sopa é quase um personagem em Despereaux.''

Semelhanças com Ratatouille
''Essa, eu passo. Se o diretor estivesse aqui, como previsto, ele responderia se a questão se trata de semelhança ou de roubo de ideias mesmo (risos). Mas o pneu do carro dele furou. Aliás, uma desculpa boa para não vir à entrevista, não acha (mais risos)?''

Sendo Dustin Hoffman

''Imagina, eu, com este nariz, me olhei no espelho e disse para mim mesmo: 'Dustin, serás uma estrela de Hollywood' (risos). Que nada! Olha, nasci e fui criado em Los Angeles e, quando jovem, me mudei para Nova York, onde dividi um apartamento com Robert Duvall e Gene Hackman. Nós queríamos apenas sobreviver como atores. Naquela época, como hoje, apenas a minoria dos atores não precisava de um bico. Hoje, somos uns mil vivendo da arte aqui em Hollywood, enquanto outros 12 mil fazem outras coisas para pagar as contas no fim do mês. Nunca tivemos subsídio às artes nos Estados Unidos, apenas nos anos 30, para o teatro, que durou pouquíssimo.''

Liberdade Artística
''Sucesso corrompe. Quando era um ator de teatro, se não concordava com a linha de um diretor, dizia adeus e pronto. Eu me mandava. Esse era um dos melhores aspectos da profissão. Com o sucesso, vêm as concessões, inevitáveis. Não vou dar nomes aos bois, mas fiz, sim, concessões em muitos filmes de Hollywood. Filmes bons são acidentes, que acontecem muito de vez em quando. Um ótimo filme que fiz recentemente, por exemplo, foi Mais Estranho Que a Ficção (2006). Fiquei surpreso pelo fato de Emma Thompson, que está brilhante, e o roteiro, não terem sido reconhecidos como deveriam. Mas é como diz Stephen Frears, um diretor sensacional, um artista de fato, que nunca fez o sucesso merecido aqui nos Estados Unidos. Quando ele se encontrou com o grande diretor americano John Huston (1906-1987), pediu-lhe um conselho sobre a função de dirigir filmes. Huston perguntou: 'Quantos dias você tem para filmar seu novo filme, meu filho?'. Frears disse que teria 32. Huston então pensou um pouco e disse: 'Bem, se você fizer uma concessão por dia, serão trinta e duas concessões! E lá se foi seu filme para o brejo. Você está perdido!' (risos). Essa é a mais pura verdade.''


Emma Watson

''Toda mulher é uma princesa''

 - Foto: Ollie Upton / Divulgação / Paramount Pictures - 0

Foto: Ollie Upton / Divulgação / Paramount Pictures

Emma Watson durante a dublagem da princesa Pea

Ollie Upton / Divulgação / Paramount Pictures

Nome de princesa ela já tem. Emma Charlotte Duerre Watson é, aos 18 anos, uma das adolescentes mais famosas do planeta. Sua Hermione Granger, a intelectual da cinessérie Harry Potter, já se tornou apelido, nos Estados Unidos, até da futura secretária de Estado do governo Obama, a senadora Hillary Clinton, 61. Com um tino para a moda mais apurado que o da ex-primeira-dama americana (aos 15 anos, ela foi a mais jovem capa da Teen Vogue), Emma é, ao contrário de sua personagem mais famosa, loira natural, nasceu em Paris, cresceu em Londres e, no mundo real, fatura por ano algo em torno de 4 milhões de dólares, de acordo com a revista Forbes. Contigo! conversou com a ela. Seguem os melhores trechos.

Você apareceu lá atrás na coletiva do Dustin. Nunca havia visto isso acontecer antes. Parecia bem atenta...
Sim! Dustin é um ator fabuloso, que sabe como entreter uma plateia, né? Fui lá para ver o show (risos). Adorei!

A imprensa britânica jura que você será a nova cara da Chanel...
Ah, a imprensa britânica (risos)! Não, não fechamos nada. Quem sabe no futuro? Mas é hilário, todos ficam me dando parabéns, e é mais um boato...

Os boatos sobre a sua vida são muitos?
Ah, claro. O que eu já namorei nas páginas de revista, menino, é uma loucura (risos)! Mas não posso reclamar, até que eles me dão um refresco. A imprensa faz com que minha vida seja um pouco mais complicada, mas ir à escola todos o dias e, no ano que vem, se tudo der certo, cursar uma faculdade, ajudam muito.

Estava pensando em seus colegas de Harry Potter. Parte da mídia e do público queriam que Daniel Radcliffe, por exemplo, permanecesse eternamente o menino de óculos de aros pretos...
É verdade. Também sofri com o complexo de Peter Pan. Sei que as pessoas amam tanto aqueles personagens que gostariam que ficássemos daquele jeito para sempre. Infelizmente, minha gente, estou crescendo, e não tem jeito (risos).

Este ano, você apareceu na capa da Harper's Bazaar, uma das mais conceituadas revistas de moda dos Estados Unidos. Diria que o mundo da moda é tão interessante quanto o do cinema?
Moda é uma diversão para mim. Vejo como um ótimo modo de me expressar. E eu adoro. Mas, hoje, definitivamente, posso dizer que sou uma atriz. Gosto de atuar.

Há alguma pressão pelo fato de você já aparecer na 'lista das mais vestidas', as pessoas comentam o seu estilo...
Sim. Sinto-me um pouco intimidada. É como se fosse julgada a cada momento em que abrisse a porta da minha casa para ir à rua. Mas espero que essa sensação não aniquile o prazer que tenho com a moda. Sempre gostei de pensar que tenho meu próprio estilo, bem a cara de Londres, mesclando muitas influências, sem seguir uma coisa em particular.

Você tem algum ícone quando pensa em moda?
Sim. Audrey Hepburn (1929-1993). A maneira como ela se vestia era atemporal, simples e elegante. E Jennifer Connely, sempre incrível. Ah, e também as Kates: Bosworth e Hudson, sempre interessantes no modo de vestir. Agora, se eu pudesse escolher uma carreira, seria a que a Cate Blanchett tem, fazendo papéis multifacetados e sempre acertando nas escolhas. Nicole Kidman também é minha referência. As australianas são fenomenais! E a inteligência de Jodei Foster Nathalie Portman e Meryl Streep? Poderíamos ficar aqui por horas...

O que você pode revelar sobre o novo Harry Potter e o Enigma do Príncipe, que chega aos cinemas em julho?
Que é um filme mais romântico, tem um quê de comédia romântica, eu diria, com os principais personagens passando mais tempo às voltas com seus interesses sentimentais. Há muito humor. A relação de Hermione e Ronnie evolui bastante e vai ficando mais interessante para o que vem aí nos momentos finais da história.

E é verdade que você não quis voltar a fazer a Hermione no último filme da saga?
Não! É que tivemos de agendar tudo para não atrapalhar meus testes para a universidade, foi um problema de agendamento apenas. Terminaremos de filmar em setembro e espero começar imediatamente a estudar Literatura Inglesa.

Você está se preparando para esse fim?
Sei que vou ficar especialmente emocionada, passei metade da minha vida como Hermione. Os diretores, as pessoas da equipe técnica são como minha segunda família. Ao mesmo tempo, no entanto, estou animada, pois estarei livre para outros projetos, poderei administrar melhor meu tempo. Estou pronta para fazer outra coisa agora.

Em seu tempo livre o que você costuma fazer?
Adoro ler, praticar esportes, especialmente hóquei e tênis, cozinhar, viajar e passar tempo com minha família e amigos. Sou craque em fazer uma torta de framboesa, que, modéstia à parte, é uma delícia. Ah, e nos feriados longos, adoro viajar para lugares em que posso mergulhar, como as Ilhas Maldivas. Mergulho desde os 12 anos. É uma das minhas paixões.

Em Despereaux você vive uma princesa. Quando é que você se sentiu uma nobre?
Rá! Essa é boa. Acho que o vestido cor-de-rosa que a Jany Temime criou especialmente para mim e que usei em Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005). Ele tinha um quê de princesa, os babados, aquela coisa toda. Mas a princesa que eu sempre adorei era Ariel, de A Pequena Sereia (1989). Ela era sensacional! Mas uma das coisas que mais gosto em Despereaux é a idéia de que toda mulher é uma princesa, basta que seja vista dessa maneira por quem a ama. O segredo é a gente se sentir princesa.

Esse é um pré-requisito para os que pensam em se candidatar ao seu coração?
Ah, é! Mas está difícil, sabe? Não há muitos cavalheiros como o Despereaux por aí, não. Mas sei que um dia vou encontrar um homem honrado, corajoso, gentil e, sim, que me faça rir. Não tenho, honestamente, um tipo físico ideal, mas tenho problema com os chatos e os pouco inteligentes.

A revista masculina Maxim a elegeu uma das 100 mulheres mais sexys do planeta, e você tem apenas 18 anos! Qual foi sua reação?
Fiquei lisonjeada. É um pouco estranho, porque sou tão jovem, mas é cool. Recebi um telefonema de uma amiga me dizendo: ''Olha lá você na lista da revista!''. Meu pai e meu avô ficaram possessos, claro (risos)!

ENTREVISTA/Daoud Hari

A Carta Capital que está nas bancas traz minha entrevista com o sensacional Daoud Hari, exilado sudanês que escreveu o best-seller O Tradutor, agora editado no Brasil pela Rocco. A história é das mais dramáticas que ouvi e o homem manda um recado para os brasileiros: ajudem os refugiados africanos!

Segue a entrevista:

Plural

MASSACRE SEM FIM

ENTREVISTA O sudanês Daoud Hari conta em livro por que desafiou as autoridades em Darfur e pede solidariedade brasileira

POR EDUARDO GRAÇA,
DE NOVA YORK


Voz mansa, direto e objetivo em suas declarações, Daoud Hari lança no Brasil este mês seu O Tradutor – Memórias de Um Homem Que Desafiou a Guerra (Rocco, R$ 25), em que relata sua dramática experiência no conflito que assola Darfur desde 2003. Decidido a revelar ao mundo as atrocidades cometidas pelas facções de janjaweed (guerreiros tribais de origem árabe), grupos rebeldes e a ditadura militar que controla o governo a mão de ferro desde o golpe de 1989, todos interessados em controlar a prospecção e distribuição de petróleo que é exportado preferencialmente para a China, Daoud, já refugiado no Chade, criou um nome falso e decidiu trabalhar como intérprete.

Há três anos, na sétima incursão em seu país natal, foi capturado pelo governo de Omar al-Bashir, acusado de espionagem por facilitar a entrada de jornalistas ocidentais em Darfur. Daoud, como gosta de ser chamado, só conseguiu escapar depois das pressões exercidas pelo governo dos EUA e do advogado especializado em Direitos Humanos Christopher Nugent, já que fora preso juntamente com seu patrão, o jornalista Paul Salopek, do Chicago Tribune, ganhador, por duas vezes, do Prêmio Pulitzer de reportagem. No momento, Daoud vive como refugiado em Washington, de onde trabalha diariamente na pré-produção da versão cinematográfica de seu livro. Com previsão de lançamento para 2009, O Tradutor, o filme (sem o subtítulo da edição brasileira), tem roteiro do irlandês Jeffrey Caine, responsável pela adaptação de O Jardineiro Fiel, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles em 2005. Ainda sem elenco definido, o filme será rodado no Quênia sob a batuta do mexicano Luis Mandoki, famoso por seu documentário-denúncia sobre as eleições presidenciais de 2006 em seu país, sugestivamente intitulado Fraude.

Carta Capital conversou com o intérprete sobre o lançamento de O Tradutor no Brasil, cujo governo estaria numa posição privilegiada, na visão de Daoud, de comandar um esforço internacional para o assentamento de milhares de refugiados – especialmente crianças e viúvas - vivendo sem segurança e perspectivas no Chade, do outro lado da fronteira ocidental do país.

- CARTA CAPITAL: Certa vez o senhor disse que amelhor tradução para Darfur era o planeta perdendo sua consciência. Esta é uma imagem forte, que permeia todo O Tradutor. Como é que o senhor vê a reação da comunidade internacional às atrocidades cometidas no Sudão?
- DAOUD: Há ondas de interesse. Em alguns momentos a atenção é despertada e ao menos fala-se no problema. Passamos a existir. Mas na maioria das vezes o mundo parece querer esquecer o que acontece por lá. A situação por lá é terrível e há pelo menos seis anos não evolui. Trata-se de um genocídio de fato e é difícil entender que a mensagem é a de que precisamos ser pacientes. Para ser completamente sincero, a comunidade internacional fez muito pouco por nós, sudaneses.

- Aqui nos EUA há uma mobilização da comunidade judaica e de celebridades, como o ator George Clooney, ligados ao movimento ‘holocausto nunca mais’, que estabelece um paralelo entre o extermínio dos judeus na Segunda Guerra Mundial e o massacre em Darfur...
- Houve uma movimentação nos EUA, na França e na Grã-Bretanha, com a sociedade civil pressionando os governos destes países para que reconhecessem a existência do genocídio. Os EUA o reconhecem oficialmente. Mas há uma dificuldade específica da comunidade internacional, creio, de lidar com um problema africano e não europeu, por exemplo...

- Há um tratamento diferenciado do que se viu em relação às crises na Bósnia e em Kossovo?
- Exatamente! As atrocidades cometidas em Darfur, se acontecessem em qualquer outro lugar, inclusive no Oriente Médio, seriam tratadas de modo diferente pelos líderes globais. Os governos africanos são fechados e é muito difícil para a ONU ou a União Africana serem fatores de fato decisivos. Esta é, infelizmente, a principal razão pela qual o conflito em Darfur se estende indefinidamente: porque estamos falando do continente africano.

- O senhor acredita que o governo Obama, que começa nesta semana, será mais atuante em relação a Darfur? China e Rússia têm impedido, exercendo seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, qualquer intervenção militar global no Sudão...
- Obama falou muito de Darfur em sua campanha, Joe Biden (o vice-presidente eleito) também e há grande esperança no Sudão de que ele possa ter uma atuação mais decisiva. Mas, sendo bem realista, o momento político não poderia ser pior. A crise financeira dos EUA e a invasão de Gaza por Israel serão as prioridades de Washington. Creio que seremos deixados no esquecimento mais uma vez. É o que tem acontecido nestes seis anos todas as vezes que aparece uma crise mundial. A situação, de certa maneira, favorece o governo Bashir, que se sente ainda menos vigiado.

- A crise econômica também favorece o estreitamento de relações entre Cartum e Pequim, não?
- A China vem se tornando, a cada dia, mais poderosa no Sudão. Aliás, em toda África. Há uma presença européia, resquício do período colonial, mas especialmente na África Central e Oriental, o poder econômico dominante é a China. E eles não querem intervenção militar no Sudão, não querem qualquer interferência em seus negócios, em sua exploração de petróleo, no lucrativo negócio de venda de armas.

- Em O Tradutor você escreve repetidas vezes que há uma lógica simples na situação de Darfur: se o governo e os rebeldes não tiverem acesso às armas, o massacre acaba...
- Exatamente. E os EUA, como se sabe, dependem cada vez mais dos chineses economicamente. Tem sido particularmente difícil para Washington se mover diplomaticamente em relação a Darfur por conta desta relação de dependência. Quando estive na República dos Camarões, saindo de Darfur pelo Chade, antes de ser aceito como refugiado nos EUA, fui ao mercado e descobri que poderia comprar chinelos made in China por um preço bem baixo. No entanto, descobri que os chinelos haviam sido fabricados lá mesmo nos Camarões. A diferença é que os trabalhadores eram chineses! A mão-de-obra que eles estão empregando nas fábricas africanas é chinesa. É uma política de exploração, pura e simples. Não há uma preocupação humanitária ou de desenvolvimento econômico do continente. É apenas a velha busca de recursos naturais, exploração pura e simples.

- A sua voz é hoje extremamente importante para não nos deixar esquecer de Darfur. Mas obviamente foi uma decisão difícil a de se tornar um tradutor para jornalistas americanos e europeus em meio às atrocidades cometidas no oeste de seu país. O senhor quase não escapa vivo para contar sua história. O que o fez arriscar sua vida de forma tão radical?
- Não foi uma decisão difícil. Ela já havia sido tomada em 2003, antes de ter escapado para o campo de refugiados no Chade, um ano depois. Meu único receio era se minha família, irmãos e pais, estivessem ainda no Sudão. Quando eles escaparam, sabia o que tinha de fazer. Passei então a andar pela área de Darfur com os jornalistas ocidentais, que, aliás, do ponto de vista do governo, também estavam todos ilegalmente em meu país. Tive a opção de pegar em armas e combater os abusos do governo, mas nunca fui um homem da luta armada. Esta foi minha maneira de denunciar o que havia por lá, de ajudar meu país. E, claro, eu via o sofrimento nos campos de refugiados, as ONGs, e me sentia uma pessoa sem muita utilidade na sociedade...

- Porque, como refugiado, você não podia trabalhar...
- Isso! Ser intérprete foi uma possibilidade de usar meu conhecimento para ajudar minha gente.

- E ainda ganhava por isso...
- Ah, mas não foi uma decisão tomada pelo dinheiro, não! Cheguei a ganhar 20 dólares por dia e foi o máximo. Mas o importante era fazer chegar às pessoas as imagens horrendas que havia visto, os estupros, as mortes, os ataques às mulheres e crianças. Era mostrar que aquela era a rotina, o dia-a-dia de meu povo. Melhores razões impossíveis.

- Como é a sua vida hoje, vivendo como um refugiado nos EUA?
- Aqui é possível trabalhar, escrevi o livro. Não é um problema específico dos EUA, mas do exílio, como você deve imaginar, as dificuldades de se integrar à nova comunidade, de superar a distância e a impossibilidade de seu local de origem. E, quando se trata de Darfur, você não pode ligar todos os dias, o contato é mais precário. O que queria era contar com mais refugiados de Darfur aqui, que os EUA se abrissem para a criação de uma comunidade de darfurianos aqui.

- Não há uma política específica de recebimento dos refugiados sudaneses estacionados no Chade pelos EUA...
- Testemunhei várias vezes no Congresso, em Washington, e falei bastante da necessidade de se tirar dos campos do Chade os refugiados em situação mais precária, especialmente viúvas e órfãos. Os campos não são seguros e há casos de exploração e tráfico sexual. Em julho, a resolução do Comitê de Política Estrangeira no Senado previu a criação de um programa de recebimento de refugiados sudaneses, mas ela ainda precisa ser votada no plenário.

- E há uma razão clara para o adiamento desta votação...
- Sim, deve-se ao fato de que o Departamento de Estado acredita ser muito perigoso criar um sistema de transporte de refugiados no Chade. E, tecnicamente, se você, de alguma maneira combateu o governo ou pegou em armas, não pode ser considerado um refugiado. Hoje em dia dizer quem é quem é complicado. Há uma sensação de que, se os refugiados estão nos campos, eles estão quietinhos e não incomodam ninguém. Mas, como não se pode trabalhar, muitos jovens acabam não tendo outra opção a não ser pegar em armas e se integrar em algum grupo rebelde.

- Que, por sua vez, se sub-dividem em inúmeros grupos...
- Creio que hoje existam 30 facções independentes lutando entre si e contra o governo no Sudão. É uma situação caótica e a carnificina continua. Quando lancei O Tradutor na Europa fazia questão de perguntar às platéias: por que é que os países da Comunidade Européia não aceitam alguns refugiados sudaneses? Ou pelo menos as viúvas? Fui um dos poucos darfurianos a conseguir sair daquele inferno. Em Amsterdã encontrei alguns compatriotas, mas que estavam lá há 10 anos, antes do genocídio.

- Isso me leva a pensar no papel que o Brasil, o segundo maior país do globo em população de origem africana, cuja prioridade em sua política externa é assegurar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, poderia ter no acolhimento de refugiados sudaneses. Como o governo e a sociedade civil brasileiras poderiam ajudar os sudaneses?
- O Brasil é cada vez mais um líder entre os países do Hemisfério Sul, mas o governo brasileiro pouco menciona a situação de Darfur. Sempre que vou à ONU me perguntam: o que um país como o Brasil, claramente uma potência emergente, poderia fazer para ajudar Darfur? A resposta é simples: precisamos de ação. O Brasil poderia, pelo menos, pressionar de forma mais contundente para o envio de uma missão de paz das Nações Unidas para a região, de assumir a liderança deste movimento, como a voz do sul. Acredito que até mesmo o clima tropical seria um fator facilitador na assimilação dos refugiados pelo Brasil. Aqui nos EUA, o que há de mais próximo com o clima do Sudão é o Arizona.

- E há o precedente de que nos anos 60 e 70 brasileiros viveram como refugiados políticos na Europa e até mesmo na África, especialmente na Argélia...
- Seria um belo movimento no sentido contrário. O governo americano vem batendo na tecla da segurança quando se trata de receber os refugiados, mas há a prática da realpolitik mesmo, que paira sobre tudo. Israel recebeu há alguns meses algumas centenas de refugiados de Darfur, em uma decisão inédita, e o governo Bashir imediatamente reagiu dizendo que receberia refugiados palestinos no Sudão. É o toma lá dá cá. Ele aproveitou para aparecer como o bom árabe.

- Aqui nos EUA há a noção de que a religião – árabes no norte, cristãos no sul – é um fator importante no desastre de Darfur. Mas em seu livro você refuta esta asserção...
- Religião não foi, em nenhum momento, uma das motivadoras do genocídio em Darfur. Tivemos problemas no sul do Sudão, anos atrás, relacionados a religião, mas trata-se de reducionismo perigoso traduzir o que ocorre em Darfur pelo viés religioso. Há crianças abandonadas nos campos de todos os credos e todas as cores. Também não é um problema entre árabes e negros, de rivalidades étnicas. Mas o mais importante é seguir denunciando. Na semana passada recebi a informação de que 6 mil crianças estão lutando entre os rebeldes. Um menino que tinha 6 anos quando o genocídio começou tem hoje 12 e esta é a vida que ele conhece, é normal pegar em armas para sobreviver. Temos que acabar com isso.

ENTREVISTA/Cate Blanchett

Também conversei com dona Blanchett, desta vez bem mais simpática do que quando a entrevistei logo após as filmagens da seqüência sobre a Rainha Elizabeth, um dos piores filmes históricos que vi. Blanchett, creio, também não tinha gostado do que havia visto na telona e foi especialmente rude. Desta vez ela até brincou de cantora com um microfone sem-fio, como se estivesse em um caraoquê e não à frente de jornalistas do mundo todo.

Ó só a moça aqui:

Cate Blanchett

Uma mulher plena

 - Foto: Reuters - 0

Foto: Reuters

De camiseta de listras e jeans colado sobre saltos altíssimos, a australiana Cate Blanchett, casada há 12 anos com o roteirista e diretor teatral Andrew Upton, 42, e mãe dos meninos Dashiell John, 7, Roman Robert, 4 e Ignatius, 8 meses, tomava no gargalo água mineral e esbanjava o corpo esbelto enquanto o diretor David Fincher, 46 - que trabalhou com seu ator favorito (Pitt) nos sucessos Seven - Os Sete Crimes Capitais (1995) e O Clube da Luta (1999) -, não conseguia parar de olhar para ela e Brad Pitt, embasbacado. A seguir, trechos do que ela falou aos jornalistas.

Você se apaixonou de cara por sua personagem?
''A personagem me atraiu porque vive uma história que é completamente impossível, absurda, o cúmulo da ficção. A ambição de Benjamin Button é tão grande e as emoções contidas nele tão exacerbadas que, quando li o roteiro pela primeira vez, fiquei sem saber exatamente quem era aquela mulher e não consegui mais pensar em outra coisa. Daisy transformou-se em um enigma que eu precisava desvendar. E, claro, também havia o prazer imenso de fazer uma personagem da idade mais tenra até a velhice, algo raríssimo de se fazer em minha profissão. Que atrizes tiveram essa chance?''

Fez algum tipo de laboratório para encarná-la?
''Minha preparação para o filme foi minuto a minuto, literalmente. Tive de olhar atenciosamente para os fatos mais importantes de minha própria vida e emparelhá-los com os de Daisy. Como, por exemplo, quando meu corpo falhou pela primeira vez em cena, que aconteceu perto de eu completar 30 anos (ela não explica o que aconteceu), e o acidente de carro que Daisy sofre no filme.''

Como foi passar pelo processo de envelhecimento de Daisy?
''Há uma questão fundamental na hora do envelhecimento em cena: a luz. Você consegue fazer maravilhas com uma boa equipe de iluminação. Somente usamos efeitos digitais quando eles eram de fato necessários. Acredite em mim, quando você ilumina uma mulher de modo indelicado, ela vai envelhecer no mínimo 10 anos!''

Este é um filme que toca e faz pensar, que mensagem tirou dessa fábula?
''Quando você olha para uma pessoa mais idosa, naturalmente pensa em alguém que tem mais experiência de vida. O que o filme traz de fabuloso são as idas e vindas da narrativa, em que você vê uma mulher de 23 anos e, na cena seguinte, a mesma Daisy, feita pela mesma atriz, está com cerca de 82. É ali que o filme toca em algo profundo e universal, que é a experiência do envelhecimento, comum a quase todos nós.''

O que é mais desafiador para você neste momento de sua carreira: representar uma jovem ou uma idosa?
''Não diria que é especialmente mais complicado representar alguém jovem e inocente do que a mesma personagem idosa e sábia, o difícil é encontrar a especificidade de cada momento. Nem toda idosa, por exemplo, é repleta de vida. Não concordo que haja uma atitude genérica para uma mulher idosa. Meu desafio foi encontrar a Daisy de forma natural, com todos os seus arrependimentos e desejos, que ainda existem de forma muito clara aos 82 anos.''

ENTREVISTA/Brad Pitt

Participei de uma concorrida entrevista coletiva - em que fui o único repórter brasileiro a marcar presença - com Brad Pitt e Cate Blanchett, dois de meus artistas favoritos, por conta do sensacional O Curioso Caso de Benjamin Button.

O filme é imperdível. Corra para o cinema e não se assuste com as 2h45 minutos de cinema. É cinemão, do bom.

Agora, o lero-lero:

Brad Pitt

Beleza atemporal

O grande ícone atual da beleza hollywoodiana esconde seu maior bem atrás de rugas, cabelos brancos e costas arqueadas na fábula O Curioso Caso de Benjamin Button, no qual representa um idoso que vai rejuvenescendo. A quem interessar possa, ele será um velhinho bem interessante

 - Foto: Reuters || Divulgação / Warner - 0

Foto: Reuters || Divulgação / Warner

Por Eduardo Graça, de Los Angeles

A beleza de um dos homens mais desejados de Hollywood, Brad Pitt, 45 anos, incomoda a quem menos deveria: o próprio dono dela. Numa clara concordância com a máxima capenga de que homens (e mulheres) bonitos não dão bons atores, um preocupado Pitt pediu ao estúdio Warner Bros. que só divulgasse à imprensa as fotos de cena de seu novo filme, O Curioso Caso de Benjamin Button - principal estreia desta sexta-feira (16/1/2009) nos cinemas -, nas quais ele não está bonito. Pura bobagem do “senhor Angelina Jolie". Sua beleza é inerente e mesmo camuflada por rugas e fios brancos, como no novo longa, revela-se num olhar, num sorriso, num gesto e no seu talento, que, como sua beleza, também é grande.

Por causa de seu magnetismo, aliás, há um risco do espectador ficar mais embasbacado com os sensacionais efeitos especiais que envelhecem (e tentam enfear) Pitt, na pele de um personagem que atravessa uma vida ao contrário - nascendo velhinho e minguando bebê -, do que com sua excelente performance (a crítica americana já considera este seu melhor trabalho). Mas esse risco se dissipa ao longo de sua convincente aparição. Ele, ao lado de sua parceira na maioria das cenas, Cate Blanchett, 39 anos, faz com que o público acompanhe por 2h45 sem piscar os olhos - e com alguns suspiros por parte tanto de mulheres quanto de homens, uma vez que Brad (jovem, é claro) e Cate estão deslumbrantes - a improvável e tocante paixão vivida por Benjamin (papel de Pitt), abandonado pelo pai rico em um asilo, e a bailarina Daisy (vivida por Blanchett).

Na história, inspirada no conto homônimo de um dos maiores nomes da literatura americana, F. Scott Fitzgerald (1896-1940), os personagens de Pitt e Cate vão se desencontrando da infância à velhice - com uma breve e intensa primavera juntos, ao som dos Beatles -, enquanto revelam o quão relativo é o tempo nosso de cada dia.

Bigodinho ralo e usando um colete anos 70, Pitt, que está filmando na Alemanha a mais nova empreitada de Quentin Tarantino, Inglorius Bastards, conversou com a Contigo! nos estúdios da Warner Bros., em Los Angeles. Sério, cabelo bem curto, evitou falar de sua badalada vida pessoal, afinal, do outro lado da cidade sua ex-mulher, Jennifer Anniston, 40, lançava no mesmo dia a comédia romântica Marley & Eu. Mas não conseguiu escapar das perguntas sobre sua legião de filhos - Maddox, 6, Pax Thien, 4, Zahara Marley, 3, Shiloh, 2, e os gêmeos Knox Leon e Vivienne Marcheline, 6 meses - que tem com a companheira Angelina Jolie, 33.

A passagem do tempo
''David Fincher está neste projeto há seis anos. Ele investiu muito de sua vida em Benjamin. Começamos a filmar há dois anos e durante o processo o pai de David morreu. Conversamos muito sobre estes aspectos da vida, a passagem do tempo para as pessoas que mais amamos, temas que procuramos evitar durante nossa vida. Conversei também com quem trabalha em asilos. Eles me disseram que, em geral, o que os pacientes mais idosos falam é sobre os amores e as perdas que tiveram ao longa da vida. Esses são os focos de Benjamin.''

Envelhecendo no set
''Foi difícil usar a maquiagem para o envelhecimento, mas sabíamos que se isso fracassasse, o filme seria também um fiasco. Fizemos testes e mais testes, tive este luxo de ir ficando à vontade com o tempo, me 'vendo' mais velho aos poucos na tela. Não usamos fotos de meus antepassados, mas é engraçado o que meu pai, William, em uma visita ao set do filme, disse ao David, que lhe perguntou o que estava achando de tudo. Ele disse: 'Eu não me pareço com este Benjamin (risos)!'. Eu então disse ao David que ficasse despreocupado, porque eu estava parecendo muito com meu avô materno (mais risos).''

Legado
''Ter seis filhos - sim, eu tenho seis, né! Seis (risos)! - e lidar com o processo de desaparecimento de uma pessoa tão intensamente quanto acontece em Benjamin me fez ter uma maior clareza sobre vida e morte. A certeza de que há um relógio que não para. Estou no meio do meu caminho? Tenho mais 10 anos de vida? No fim, pegava-me sempre pensando como queria passar o tempo que tenho aqui e a resposta era imediata: 'com minha família, com os amigos que amo, com meus filhos'. E mais importante: investir diariamente na qualidade desses momentos e em não estar zangado com quem de fato amo. Em fazer desses momentos cenas especiais, porque, de fato, o clichê é verdadeiro: eles passam rápido demais.''

Lições que o filme traz
''Benjamin me fez olhar as pessoas de um modo diferente. Sinto agora que, de fato, cada ser tem uma história especial para contar, uma surpresa. Olhe à sua volta e pense o quão pouco ou quase nada sabe sobre as pessoas que o rodeiam. Benjamin me fez pensar em olhar para o lado e manter menos a minha cabeça em direção ao horizonte. Cada um de nós carrega momentos extraordinários dentro de si, tal qual Benjamin.''

Trabalhando com amigos
''Sou inteligente o suficiente para saber que, no meu ramo, o segredo é trabalhar com os melhores contadores de história. Tive a sorte de encontrar um dos melhores, que me deixou apresentar histórias como as do Clube da Luta, Seven e Benjamin. É simples assim.''

Jovem X Velho
''Nós já fomos jovens um dia (risos). O futuro é sempre mais desafiador de se representar.''

VALOR ECONÔMICO/Os Desafios de Obama na Seara Internacional

Tive o prazer de escrever a mais recente capa do Caderno Eu&Fim de Semana do Valor Econômico, sobre como será a nova política externa do governo Obama, especialmente no que se refere a intervenções humanitárias.

Segue o texto:

Um teste para Obama


Crise humanitária. No Oriente Médio ou na África, um mesmo problema aguarda o novo presidente americano.


Guerreiros sem fronteiras
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
16/01/2009

Na terça-feira Barack Obama assume o poder em meio à maior crise econômica enfrentada pelos Estados Unidos desde a Grande Depressão e com o Oriente Médio em frangalhos. A imprensa americana destaca o silêncio do presidente eleito ante a ocupação de Gaza pelas forças armadas israelenses, dentro de sua estratégia de "um presidente de cada vez", em que deixa o flanco internacional livre para o derradeiro suspiro do governo Bush. Obama terá de lidar com um quadro inimaginável há poucas semanas: centenas de palestinos mortos (e a contagem continua), boa parte civis, mulheres e crianças, milhares desalojados de suas casas, denúncias, ainda não comprovadas, de uso de armas químicas pelo exército israelense. Mas o presidente democrata também chega cercado da expectativa criada pela presumida emergência de uma nova e relevante voz, a sua, contra a mesmice desta outra crise que não é menos global: a humanitária, engendrada e alimentada por engenharias geopolíticas de diferentes origens, propósitos e dimensões (se não por pura bandidagem de inspiração étnica), que, no mais das vezes, dificilmente passariam por uma avaliação ética rigorosa - mesmo quando sancionadas por atos da ONU, ou talvez por isso mesmo tornadas mais vulneráveis à crítica isenta.
AP
Obama pode ser uma nova e relevante voz contra a mesmice desta outra crise que não é menos global: a humanitária, feita por engenharias geopolíticas ou pura bandidagem

É bom saber então que, com o fim da Guerra Fria e a explosão da globalização, os movimentos voltados para a proteção dos direitos humanos tornaram-se cada vez mais atuantes. Em seu "The Thin Blue Line - How Humanitarism Went to War", lançado este ano nos Estados Unidos, o advogado Conor Foley, que esteve por boa parte do ano passado na Geórgia e participou ativamente das experiências de Kosovo e do Afeganistão, aponta um dado curioso: hoje, a Anistia Internacional, na Grã-Bretanha, tem mais filiados, 250 mil membros, do que o Partido Trabalhista do primeiro-ministro Gordon Brown.

Em outra publicação que mereceu a atenção da inteligência americana, o ex-chanceler australiano Gareth Evans, em seu "The Responsibility to Protect - Ending Mass Atrocity Crimes Once and for All", afirma que não há função mais nobre no universo político do que usar o poder para fins humanitários. O cerne de seu livro está na idéia de que todo Estado tem o direito (e a responsabilidade) de proteger seus cidadãos contra genocídios e ataques aos direitos humanos básicos. Se falharem, estariam sujeitos à intervenção da chamada "comunidade internacional", como aconteceu no conflito da Bósnia, com a intervenção comandada pelos Estados Unidos e pela Otan, com mandato da ONU. A missão humanitária na antiga Iugoslávia aconteceu um ano depois do genocídio em Ruanda, quando a "comunidade internacional" viu, impávida, a morte de centenas de milhares de tutsis pela milícia hutu.

AP
Americanos no Afeganistão: foi lá, na invasão de 2002, que a ação humanitária global se imiscuiu definitivamente no teatro de guerra, numa mistura de operações que permanecem ligadas, apesar de terem sentidos opostos
Uma bandeira dos liberais nos Estados Unidos - erguida com especial gosto pelo ex-presidente Bill Clinton - as intervenções humanitárias foram apropriadas pelos neoconservadores durante o governo Bush, que utilizaram o argumento de semear democracia como justificativa para as ocupações do Afeganistão e do Iraque. Tanto a ditadura de Saddam Houssein (acusado de crime de guerra contra as minorias xiita e curda) quanto o governo ortodoxo dos talibãs, que oferecia abrigo a grupos terroristas islâmicos, precisariam ser derrubados para o bem de suas populações.

O que esperar do novo governo americano, recheado de nomes experimentados, como a futura secretária de Estado Hillary Clinton e o vice-presidente Joseph Biden, por anos a fio comandante da poderosa Comissão de Relações Exteriores no Senado? Ainda haveria espaço e apetite para a reconstrução diplomática necessária ao estabelecimento de uma nova pax americana no planeta?

Em artigo no "New York Times", o jornalista Scott Malcomson, editor da "New York Times Magazine" e durante anos conselheiro do Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Ancur), aponta a autorização, dada pelo então secretário de Estado Colin Powell para a inclusão de uma "força de trabalho, reconstrução e apoio humanitário" durante a invasão do Afeganistão, em 2002, como o momento em que a ação humanitária global se imiscuiu definitivamente no teatro de guerra. "Como separar as duas ações? Ao mesmo tempo em que se ataca, na retaguarda um grupo de ajuda humanitária cuida dos feridos? Morde e assopra? Fere e passa o 'band-aid'?"
AP
Crianças de uma escola palestina protestam contra as operações do exército de Israel na Faixa de Gaza, em frente ao Comitê da Cruz Vermelha em Beirute

"A ação no Afeganistão é um marco ético na discussão sobre a importância, a necessidade e a maneira pela qual as intervenções humanitárias devem ser conduzidas no mundo globalizado", diz a jornalista Erika Sallum, mestre em negócios globais pela Universidade de Nova York, especializada em direitos humanos. Foley mostra um outro lado: diz que a "integração da assistência humanitária à intervenção militar levou a um aumento enorme no ataque às missões de paz, com o desrespeito ao 'espaço humanitário', não mais reconhecido como neutro".

De Brasília, onde vive com a família, Foley afirmou que "o que acontece em Gaza agora, com funcionários da ONU e da Cruz Vermelha na linha de tiro, é exatamente o reflexo deste momento em que o humanitarismo foi à guerra. É também uma herança do que aconteceu no Iraque. O Hamas vê a ONU como cúmplice dos Estados Unidos e de Israel no conflito. Tel-Aviv, por sua vez, não vê a ONU agindo para impedir o governo iraniano de enviar armas para Gaza. Daí as dificuldades de os dois lados aceitarem a presença de tropas internacionais, como no caso da Bósnia, que necessariamente precisam ser percebidas como imparciais", diz. Foley afirma que a idéia de se mesclar intervenção militar com disseminação democrática e ação humanista foi posta em xeque no Iraque e é, inegavelmente, uma das principais sequelas da Era Bush. "Também não se age no Congo ou em Darfur por que há o perigo de uma outra intervenção internacional desastrosa."

Bloomberg
A presença de Hillary Clinton como secretária de Estado e do vice-presidente Joseph Biden no governo Obama dirige atenções para a possibilidade de reconstrução diplomática de uma nova pax americana
O advogado especializado em direitos humanos Christopher Nugent viajou no ano passado pela Europa para a divulgação do lançamento de "O Tradutor", livro do refugiado sudanês Daoud Hari, que chega às livrarias brasileiras este mês. Nugent conta que em todas as palestras ouvia da platéia o mesmo questionamento. "Eles diziam: 'Depois do papelão no Iraque, o que podemos esperar dos americanos?' Eu argumentava que a fadiga em relação ao Iraque não impediu a sociedade civil americana de criar um movimento fortíssimo de condenação aos abusos em Darfur, para pressionar o governo Bush a reconhecer o genocídio na parte ocidental do Sudão. E tanto Obama quanto Biden mostraram-se engajados em relação ao desastre na África. Mas agora, com a crise econômica, creio que tudo será colocado em compasso de espera. Até mesmo a situação de Gaza está sendo tratada com menos atenção do que deveria."

Mas há quem veja na própria idéia de uma "comunidade internacional" agindo como polícia dos desprotegidos uma peça de ficção típica dos anos pós-Guerra Fria. Editor da "Paris Review", Philip Gourevitch, autor do clássico "Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias", recém-lançado no Brasil, sobre o genocídio em Ruanda, argumenta que é uma falácia o pressuposto de que os Estados Unidos lideraram o mundo em intervenções humanitárias no passado. "Esta é uma peça de ficção que reapareceu no auge do desastre no Iraque. Quando é que os Estados Unidos lideraram operações de salvamento de caráter humanitário ao se sentirem ofendidos por ditadores que destruíam seus próprios países e assassinavam seus próprios cidadãos? Não comandamos intervenções em Ruanda ou no Zimbábue, e, como se sabe, quando decidimos agir, muitas vezes enfiamos os pés pelas mãos."

Para Gourevitch, as aventuras no Iraque e no Afeganistão - neste último, Obama já anunciou que a presença militar americana será aumentada - diminuíram o alcance da liderança americana, mas não alteraram significativamente a balança de poder global. "Quando pensamos em tragédias humanitárias, a grande lição de Ruanda é que populações que dependem da 'comunidade internacional' para sua segurança estão, na realidade, desprotegidas."

Mas quem integra, afinal, esta "comunidade internacional", representada, em última instância, pela ONU?

Dentro da própria ONU, uma intensa discussão em torno da legitimidade das intervenções vem tomando corpo desde os anos 1990. "Como diagnosticar uma crise humanitária? Os jesuítas já advogavam a função de interventores humanitários durante o período colonizador. Há hoje uma tônica dentro da ONU de se trabalhar com a prevenção das crises, através do conceito de consolidação da paz", diz Erika Sallum. Uma iniciativa da administração Kofi Annan, o Fundo Para a Consolidação da Paz destina ajuda monetária vinda de organismos governamentais e privados para países que sofreram tragédias humanitárias, como Serra Leoa, Burundi, República Centro-Africana e Guiné-Bissau, e estariam na iminência de erupções de novos conflitos. A idéia, aqui, é prevenir antes que a situação se deteriore e evitar a mescla de ajuda humanitária e ocupação militar.

Analistas acreditam que a nomeação do general James I. Jones para o cargo-chave de conselheiro de Segurança Nacional poderia sinalizar uma aproximação do governo Obama com a chamada arquitetura de consolidação da paz. Jones foi o comandante da missão de ajuda humanitária do governo Clinton na Bósnia e, no ano passado, iniciou um projeto-piloto em Jenin, na Cisjordânia, voltado para a organização de uma força policial palestina, ao mesmo tempo em que desenvolvia projetos de melhoria de serviços públicos financiados por entidades internacionais. A partir desta semana, Jones será protagonista na nova política americana para Israel e Palestina.

As expectativas em relação à atuação de Jones são grandes. Com uma capa ilustrada pela bandeira de Israel, a "Time" desta semana proclama "as razões pelas quais Israel não pode vencer". E aponta algumas saídas para Barack Obama cumprir a promessa eleitoral de propor um novo plano de paz para o Oriente Médio. Uma delas seria assumir a liderança nas negociações para o estabelecimento de um cessar-fogo imediato em Gaza. O conflito estaria anulando o efeito que um presidente com Houssein no sobrenome teria no mundo árabe. "Esta é a oportunidade ideal para os extremistas islâmicos deixarem claro que não há diferença entre Obama e Bush", sintetiza Martin Indyk, que foi embaixador dos Estados Unidos em Israel no governo Clinton e autor de "Innocent Abroad: An Intimate Account of American Peace Diplomacy in the Middle East".

Fareed Zakaria, editor da "Newsweek", autor de "O Mundo Pós-Americano", que apoiou a invasão do Iraque, conta que a eleição de Obama diminuiu a antipatia dos árabes pelos Estados Unidos. Em uma viagem ao Egito, logo após a eleição de Obama, Zakaria detectou a sensação, entre a população do Cairo, de que alguém mais próximo do cidadão comum nos países de maioria islâmica poderia modificar o balanço de uma política externa percebida como injusta pela comunidade árabe. Zakaria acredita no estabelecimento de novos parâmetros para a intervenção americana. "Não há mais espaço para ações como as no Iraque e no Afeganistão. A única possibilidade de intervenção hoje é multilateral, a la Bósnia, e abençoada pela ONU", diz.

Mas a crise humanitária na Faixa de Gaza já faz com que intelectuais mais próximos da esquerda - distantes tanto dos liberais intervencionistas, que comungam da moral civilizatória de Gareth Evans e Fareed Zakaria, quanto dos neoconservadores e sua lógica de expansão democrática a todo custo - comecem, antes mesmo da posse de Obama, a pressionar o novo governo por mudanças mais radicais. Em sua coluna na edição de "The Nation" que chega às bancas esta semana, a jornalista e ativista canadense Naomi Klein, autora de "Sem Logo" e uma das primeiras vozes a se opor ao modelo de reconstrução pós-invasão adotado pelo governo Bush na Ásia - por ela batizado de Capitalismo de Desastre - pede um boicote internacional a Israel nos moldes do imposto à África do Sul durante os derradeiros anos do apartheid.

A escritora, que compara a ocupação de Gaza e da Cisjordânia às aventuras americanas no Afeganistão e no Iraque, argumenta que a "comunidade internacional" tentou engajar Israel de forma construtiva no debate sobre a Palestina, mas falhou de forma gritante. E considera a ajuda anual de US$ 3 bilhões do governo americano - além da prioridade na compra de armamento - como um empecilho a qualquer tipo de compromisso entre as duas partes. Mas também aponta as armas em direção a Brasília, lembrando que em 2007 Israel se tornou o primeiro país fora da América Latina a formalizar um acordo de livre-comércio com o Mercosul. "Sanções econômicas", sugere Klein, "seriam as ferramentas mais efetivas em nosso arsenal de ações não-violentas. Abandoná-las, em contra-partida, seria assumir o papel de cúmplices da tragédia em Gaza."

Foley lembra que Obama, herdeiro de uma tragédia que não criou, terá de manejar ao mesmo tempo duas ocupações impopulares - Iraque e Gaza - e apresentar alternativas para a face hoje mais visível da crise humanitária global. "Não tenho dúvidas de que nos próximos meses a discussão em torno de temas ligados às leis internacionais, como a recusa do governo Bush de reconhecer a Corte Penal Internacional e a posição dos Estados Unidos em relação à ONU será intensa. Este será o primeiro teste do governo Obama no que diz respeito às intervenções humanitárias: decidir se a ONU será, de fato, o organismo responsável pela interpretação e aplicação da lei internacional. Caso contrário, será ainda mais fortalecida a idéia de que as intervenções são, grosso modo, mais um capítulo da civilização ocidental tentando impor suas leis ao restante do planeta", sintetiza Foley.

ENTREVISTA/Keanu Reeves e Jennifer Connely

A Contigo! desta semana traz uma penca de entrevistas que fiz no fim do ano em Los Angeles. Uma delas, com Keanu Reeves, o protagonista da nova versão - bem xoxa - do clássico da ficção-científica O Dia Em Que A Terra Parou, e a mulher que tenta salvar a Terra, Jennifer Connely.

As conversas com o galã haviano e a bela atriz seguem abaixo:

Por Eduardo Graça, de Los Angeles

A bela e o fera. É assim que as estrelas de O Dia em Que a Terra Parou, ficção científica em cartaz e que liderou a bilheteria americana em seu primeiro fim de semana de exibição (rendeu 38,4 milhões de dólares), são apresentadas pelo diretor Scott Derrickson, em entrevista para divulgar o filme realizada em um hotel de luxo em Santa Mônica, Califórnia.


A bela é a realmente linda Jennifer Connely, 38 anos, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por Uma Mente Brilhante (2001), magra de doer e que comparece ao evento com um deslumbrante vestido vermelho da grife espanhola Balenciaga. O fera é Keanu Reeves, 44, barba por fazer, camiseta sem manga da Harley-Davidson - ele é um notório motoqueiro, que circula pelas ruas e avenidas de Los Angeles, onde mora, quase sempre sobre duas rodas - sob blazer cinza e calças jeans justíssimas.

A dupla protagoniza o remake do clássico homônimo lançado em 1951, filmado no auge da Guerra Fria. Na nova versão, sai a ameaça de uma guerra nuclear e entram o aquecimento global e a destruição do meio-ambiente como os motivos pelos quais os seres humanos devem ser destruídos por uma civilização superior, enojada com a maneira pela qual cuidamos do nosso planeta. E caberá ao extraterrestre Klaatu, vivido por Reeves, decidir se merecemos ou não sermos salvos.

A seguir, Reeves, que durante a entrevista gesticulou muito e fez caras e bocas - até atendeu a um telefonema erroneamente enviado pela recepção do hotel à sala da imprensa (imaginem a surpresa do hóspede do outro lado da linha ao perceber que conversava com o Neo da cinessérie Matrix!) -, opina sobre o argumento do longa, entre outros assuntos.

Alma verde
''O filme relembra aos humanos que estamos dividindo este planeta com outras espécies de vida. Estamos lidando aqui com o impacto que nossas ações diárias causam nos outros seres vivos, também habitantes deste planeta. Preocupo-me com a questão. Só uso energia solar, sou adepto da reciclagem e contribuo para a preservação das florestas tropicais.''

Imaginação e trabalho
''Para criar Klaatu não tive de seguir nenhum método especial de pesquisa. Minha maior dificuldade foi não poder conversar com ETs de verdade (risos). Para encontrar uma proximidade com minha própria personalidade investi muito em minha imaginação, em minha maneira de ver o mundo, mantendo a objetividade e percebendo o que está ao meu redor.''

Fã de ficção científica
''Tudo começou com os livros de Júlio Verne. Depois vieram 1984 (George Orwell), Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley) e as obras dos autores Phillip K.Dyck e William Gibson. No cinema, fiquei louco com 2001- Uma Odisséia no Espaço (1968), O Homem Que Caiu na Terra (1976), Guerra nas Estrelas (1977, 1980, 1983, 1999, 2002 e 2005), Blade Runner (1982), O Quinto Elemento (1997) e, claro, aquela trilogia de nome Matrix (1999 e 2003) (risos).''

Moda
''Se eu gosto quando me classificam de metrossexual? Hum... claaaaaaaro (risos)! Jennifer me chamava assim no set o tempo todo. Ela dizia: 'Ei, metrossexual, qual é a marca de hoje?' (risos) Bem, eu gosto de um terno com um corte bem-feito, não posso negar. As pessoas também perguntam por que estou sempre barbudo na vida real e, nos filmes, com a cara limpa. É que, se deixarem, não faço a barba nunca! Simplesmente não gosto (de fazer).''

Vida extraterrestre
''Acredito! E acho que devemos controlar nosso medo e nossa ansiedade, para, no dia em que encontrarmos os ETs, recebê-los de braços abertos.''

Agora, as considerações de dona Jenniffer:


Ecologia
''Fiz um curso de Ecologia quando estava no colégio em Nova Iorque e, mais tarde, na faculdade, fiz uma especialização em Ciências do Ambiente. Mas meus dois filhos são ainda mais conscientes da questão verde. O Kai é obcecado em apagar as luzes da casa e sabe o custo ambiental da gasolina. Acho que esta geração será ainda melhor."

Encontrando o Personagem
"Não tinha a mais vaga idéia sobre astrobiologia ou microbiologia, fiz uma pesquisa sobre os temas, li algumas obras de teor filosófico escritas por cientistas e usei o que fui achando mais interessante para tentar entender as escolhas de Helen durante o filme. Parte do prazer de criá-la é justamente descobrir quem é este ser ficcional, e deixar a Jennifer de lado, jamais pensei em como eu reagiria se encontrasse com um E.T. Mas uma coisa posso garantir: ela é muito mais inteligente do que eu!"

Duas Mães: Helen & Connely
"Helen é especialmente paciente com o Jacob, ainda muito revoltado pela morte do pai, um cientista a serviço do governo americano. Eu amo meus filhos imensamente. Sou muito paciente, mas não tolero determinadas coisas. Acredito piamente em limites, dou a eles muito tempo, mas é importante saber que os estou criando, guiando, sabe?"

Moda
"Admiro design em todos os sentidos, móveis, arte, utensílios e roupas também. Adoro trabalhar com a Casa Balenciaga, mas não sinto nem um pouco a pressão de ter de estar sempre fabulosa. Adoro também conforto, sabe? Não sou especialmente boa naquela coisa de se produzir até para ir comprar pão na esquina, sabe? No inverno eu me visto, em casa, com as roupas mais confortáveis, imensos suéteres, bem largões, moletons. Quando não estou trabalhando, estou quase sempre zanzando para cima e para baixo com meus meninos. Levando-os ao parque ou à escola, e seria ridículo fazer isso toda emperequetada."

ENTREVISTA/Andrew Yarrow

O Terra Online publicou neste fim de semana duas matérias minhas. Uma é a entrevista que segue com o jornalista e historiador Andrew Yarrow, da American University, que tem a interessante tese de que os três nomes fundamentais de nosso mundo moderno são Sarkozy, Obama e, quem diria, Luiz Ignácio.

Segue o conversê, que deu o que falar com dezenas de comentários no reformulado site do Terra:

Obama, Lula e Sarkozy são modelos do século XXI, diz especialista

Eduardo Graça, Direto de Nova York


Vice-Presidente do think-thank Public Agenda e autor de Forgive Us Our Debts: The Intergenerational Dangers of Fiscal Irresponsibility, publicado nos Estados Unidos pela editora da Universidade de Yale, Andrew L. Yarrow defendeu, em artigo publicado na página de opinião do The Baltimore Sun, que a apologia da impossibilidade funcional dos governos está com os dias contados. E que um trio de líderes - formado pelo recém-eleito Barack Obama, o presidente francês Nicolas Sarkozy e o brasileiro Luiz Ignácio Lula da Silva - representam a ascendência, no mundo ocidental, do idealismo, do ativismo e da cooperação supra-partidária sobre o unilateralismo, a política mais convencional e o apadrinhamento de aliados característico da administração Bush.

Professor da American University e consultor do centrista Brookings Institution, Yarrow vai além e propõe o estabelecimento de uma nova era, calcada na imagem dos presidentes de Brasil, França e EUA. "Prestando atenção no simbolismo político dos três estadistas, vê-se que o mundo democrático está entrando em um novo período, tão definitivo e transformador quanto o pacto social-democrático de Franklin Delano Roosevelt após a Segunda Guerra Mundial, o chamado Consenso Liberal, ou a Ascensão Conservadora das últimas três décadas, marcadas pelas políticas de Ronald Reagan e Maragareth Thatcher", escreve.

Para o historiador, que deixou a reportagem do The New York Times para investir na vida acadêmica, completando a pós-graduação Universidade de Harvard e trabalhando no governo Bill Clinton, o comprometimento com a Justiça Social dos três líderes está um passo à frente da Terceira Via de Clinton e Tony Blair, representada no Brasil pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. O cerne do sucesso dos três líderes, diz Yarrow, está na idéia de compaixão social condicionada à responsabilidade pessoal - no Brasil, com as contrapartidas exigidas pelo Bolsa Família, nos EUA, com o discurso de Obama voltado para o ativismo social dos mais abastados e a necessidade de a comunidade afro-americana voltar a investir nos valores de fortalecimento familiar - e em uma visão internacionalista comprovada pela movimentação de Paris e Brasília durante a mais recente crise no Oriente Médio, trabalhando ativamente por uma trégua entre Israel e os palestinos.

O Terra conversou com o professor da American University sobre sua previsão de que os próximos anos no mundo ocidental serão moldados pela ação de Lula, Obama e Sarkozy. Yarrow só não quis emitir opinião sobre a sucessão presidencial no Brasil, tema que acompanha de longe e com enorme atenção - a se julgar por seus questionamentos sobre a possível candidatura da ministra Dilma Roussef em 2010.

O senhor diz que o Lula, Obama e Sarkozy desafiam, cada um a seu modo, a política convencional. Pode explicar melhor esta sua observação?
Lula, Obama e Sarkozy são, os três, líderes políticos pós-partidários. Eles combinam um comprometimento com a inclusão e a justiça social com um crescimento econômico que beneficie ao mesmo tempo trabalhadores e empresários. Eles refutam os moribundos modelos advindos do "Consenso de Washington", o capitalismo neo-liberal pós-Reagan e Thatcher, calcado na desregulamentação dos mercados. Mas também não são estatizantes per se, não se aproximam de modelos socialistas tal qual os conhecemos. Lula com o PT, Obama com os Democratas, e Sarkozy com os gaullistas e os democrata-cristãos, estabeleceram rupturas com as culturas políticas mais características de seus grupos partidários.

O senhor fala do Consenso Liberal dos anos 30 e da Revolução Conservadora dos 70-80. O que esperar da era de Lula-Obama-Sarkozy?
A era de Lula-Obama-Sarkozy é marcada por um retorno, em âmbito interno, das políticas de crescimento econômico emparelhadas com a busca de Justiça Social. Os três também representam, não apenas através de seus atos, mas por suas próprias trajetórias de vida, um mundo mais multi-cultural, mais globalizado. Em política externa, talvez menos com Obama, embora ele tenha se comprometido com a tese durante a campanha eleitoral, os três são arquitetos de um novo internacionalismo, que acredita na intervenção em casos de emergências humanitárias, em casos de genocídio e grandes epidemias, por exemplo.

O senhor diz também que os três são "figuras ultra-públicas". Pode explicar melhor esta idéia?
Lula, Obama e Sarkozy são três figuras extremamente carismáticas. E, embora manchados um pouco por problemas relacionados às suas atividades pessoais, especialmente o líder francês, os três restauraram a fé na vida pública e fizeram com que os cidadãos de seus países acreditassem na eficácia do governo novamente. Obama e Lula, particularmente, inspiram esperança e conseguiram trazer para o tabuleiro político parcelas do eleitorado que não tinham voz em seus respectivos países. E os três são figuras públicas dispostas a atos dramáticos, que chamam atenção para aspectos críticos tanto de situações internas quanto de crises internacionais.

Quando o senhor fala de Lula em seu artigo, um dos destaques é a noção de 'responsabilidade condicional' colocada novamente na mesa a partir da fórmula do Bolsa Família. Por que acredita que este aspecto é tão fundamental na consolidação do fenômeno Lula?
É a idéia de que, não esquecendo que o governo deve ajudar a incrementar o bem-estar da população, e provê-los segurança, os indivíduos devem assumir uma maior responsabilidade pessoal pelas suas vidas. Lula e Obama defendem um novo contrato social - diferente tanto do liberal do pós-guerra quanto do consenso conservador dos anos 80 - que oferece um balanço entre as responsabilidades do Estado e as do cidadão comum.

Como o senhor definiria cada um destes três líderes que, de acordo com o senhor, estariam redefinindo ideologicamente o mundo ocidental?
Lula, Obama e Sarkozy são homens que chegaram à liderança política emergindo de áreas distantes das elites tradicionais de Brasil, Estados Unidos e França. Eles chegaram ao poder através de seu carisma, da capacidade de fazer com que a população acreditasse em seus esforços em relação a melhoria da vida em seus países, e da coragem de abraçarem novas filosofias, calcadas em extraordinária capacidade de organização e mobilização política.

LITTLE JOY/No One's Better Sake

O que se ouve e se vê por aqui. Amarante está em todas. E é divertido tentar encontrar Devendra Banhart (Deveeeeeeeeeeendra!) e Nick Valensi, dos Strokes, fazendo ponta neste vídeo da banda que é o projeto paralelo do baterista Fabrizio Moretti e que se apresenta este ano no Brasil.

Ó só se não é divertido:

CARTA CAPITAL/OS PRIMEIROS TROPEÇOS DE OBAMA

A trabalheira tem sido tão intensa que finalmente inauguro 2009 aqui no blog. nas duas últimas semanas a Carta Capital publicou duas reportagens do escriba aqui. A primeira foi sobre a série de escândalos que já assolam a admnistração Barack Obama, que oficialmente, só começa amanhã.

Aliás, amanhã completo 35 anos e presente melhor de aniversário para quem vive em Nova Iorque não existe - lá se vai Bushlândia, que não volte mais. Veremos agora o que o reinado de Obama I nos oferecerá. Abaixo, a reportagem da semana passada na CARTA CAPITAL:

Nosso Mundo

EM HORA ERRADA

EUA Denúncias de escândalos envolvendo a equipe democrata atrasam definições às vésperas da posse de Obama

POR EDUARDO GRAÇA,
DE NOVA YORK


Há pouco mais de uma semana de uma inauguração histórica, em que a oposição retoma a Casa Branca após oito anos de predomínio republicano, as câmeras seguem o político negro de Illinois por todos os cantos em Washington. Mas ele não é alto, seu sorriso é nervoso e não há como deixar de notar os óculos retrô de aro branco e o bigodinho ralo. Indicado pelo governador Rod Blagojevch para ocupar a cadeira de Barack Obama no Senado, Roland Burns é a estrela principal de uma novela que não poderia estrear em pior hora para o Partido Democrata. Como Blagojevich está sendo investigado pelo F.B.I. pela tentativa de leiloar a segunda vaga de senador do estado do meio-oeste, o Congresso usou de um subterfúgio legal para impedir a posse de Burns na quarta-feira. Outros escândalos forçaram um membro do novo gabinete a desistir de ocupar um cargo estratégico na administração democrata e a futura Secretária de Estado, Hillary Clinton, a deixar de lado nomeações importantes que terão seu teste de fogo na crise no Oriente Médio para responder a acusações de ter aprovado legislação no Senado beneficiando um importante doador da fundação comandada por seu marido.

Um dos mais saudados analistas políticos dos EUA, o democrata James Carville, famoso por cunhar a expressão “é a economia, estúpido”, razão-mor da vitória de Bill Clinton sobre Bush pai em 1992, disse que na política norte-americana escândalos vêm em bando: “Os matemáticos acreditam que um evento infeliz não tende a se repetir. Isso só não vale para analistas políticos e maus atiradores. Como estou nas duas categorias e os democratas estão vivendo uma sucessão de escândalos, minha previsão, e me dói fazê-la, é a de que enfrentaremos mais problemas éticos em 2009”. Curiosamente, durante a campanha eleitoral, o presidente eleito recebeu de correligionários a alcunha de No Drama Obama, por conta de sua capacidade de evitar fofocas e intrigas típicas da política norte-americana, presentes em grande escala nas candidaturas fracassadas de John McCain e Hillary Clinton. Poucos apostavam que o período de transição de seu governo seria marcado por tantas trapalhadas.

Nenhuma custou tão caro, até agora, quanto a falta de atenção dada, pela equipe de transição, às acusações de uso da máquina pelo governador do Novo México, Bill Richardson, o mais importante político de origem latino-americana (um grupo fundamental na vitória democrata) dos EUA. Apelidado em seu estado de ‘teflon’, pela quantidade de denúncias envolvendo corrupção que nunca grudaram em sua imagem, o ex-secretário do Comércio de Bill Clinton ganhou destaque no ano passado ao desistir de sua candidatura presidencial para apoiar Obama, sendo chamado de “Judas” por Carville, um dos mais entusiasmados defensores de Hillary. Richardson está sendo investigado por conta de dois contratos, no valor de 1.4 milhão de dólares, assinados com a CDR Financial Products, uma consultoria baseada em Beverly Hills, na Califórnia. A CDR, que por sua vez está sendo investigada pelo FBI em uma consultoria a um município do Alabama resultante na maor falência pública da história norte-americana, doou 100 mil dólares para a campanha de Richardson, em ações voltadas para o registro eleitoral de cidadãos de origens indígena e hispânica.

“É como aquela alegoria do cheiro estranho que subitamente toma conta do recinto. Você primeiro acha mesmo esquisito, até prende o nariz, mas depois vai se acostumando e começa a lidar com o fedor”, disse a jornalista Anne Marie Cox, que foi editora da edição eletrônica da revista Time, e criou um dos blogs mais influentes da capital norte-americana, o Wonkette. Cox criou sua imagem pensando na inusitada figura de Roland Burns, que disse ‘ter sido indicado ao Senado pela vontade de Deus’, mas ela é a ilustração exata, ainda que ingrata, da antevéspera do governo Obama. No momento em que precisa lidar com a maior crise financeira dos EUA em um século – “precisaremos enfrentar a realidade de um déficit público de trilhões de dólares nos próximos anos”, anunciou esta semana, em tom sério – e com o Oriente Médio em ebulição por conta do conflito na Faixa de Gaza (sobre o qual permaneceu calado até o fechamento desta edição), Barack Obama começa, antes mesmo de sua posse, a responder sobre virtuais deslizes éticos que prometeu combater em sua administração.

No caso de Hillary Clinton, o empreiteiro Robert J. Congel estava interessado em criar uma brecha na lei que o impedia de utilizar recursos financeiros isentos de taxa na ampliação de seu Destiny USA – uma ampliação do Carousel Center, um dos maiores centros de lazer e compras do estado de Nova Iorque – na cidade de Syracuse. Pois na mesma época em que doou 100 mil dólares para a Fundação Clinton, comandada pelo ex-presidente, ele recebeu a assistência federal que precisava, com a promoção e o voto decisivo de Hillary no senado. E com um bônus: mais 5 milhões de dólares para as obras de uma rodovia Destiny USA, facilitando o acesso ao complexo comercial. A modificação na legislação se deu em outubro de 2004, semanas antes da doação ser embolsada pela Fundação Clinton. E só chegou ao conhecimento público porque a equipe de transição de Obama exigiu transparência total dos políticos em seu time de governo, levando o presidente Bill Clinton a revelar todos os colaboradores financeiros de sua organização não-governamental, dedicada a causas diversas como a prevenção contra a AIDS, o aquecimento global e combates à pobreza no planeta. A senadora Clinton negou qualquer relação entre a doação e seu empenho em um projeto comercial voltado ao ‘desenvolvimento do estado de Nova Iorque’.

Mas a realpolitik do novo status quo ganhou sua imagem definitiva na fotografia produzida pela Associated Press e publicada nos maiores jornais do país na quarta-feira. Nela, as mãos de uma sorridente Nancy Pelosi eram postadas suavemente na face do colega Charles Rangel. A democrata mais poderosa na hierarquia política norte-americana até o dia 20, que acabara de ser reeleita para o que seria o equivalente à Presidência da Câmara Federal no Brasil, celebrava um dos mais poderosos políticos de Nova Iorque, acusado de usar seu poder – ele é justamente o comandante da Comissão de Ética do congresso – para ocupar quatro apartamentos de luxo no Harlem a custos irrisórios, cortesia de um empreiteiro de Manhattan, deixar de pagar impostos no apartamento de quatro quartos em Washington, de sonegar o lucro de aluguel de sua villa na República Domonicana e de receber 1,9 milhão de dólares para a criação de um Centro de Serviço Público em seu nome. A doação foi feita por um executivo do setor de petróleo interessado na liberação de uma área de proteção para futura prospecção.

Em uma edição dedicada exclusivamente às ‘idéias para uma nova era progressista’, a The Nation que chega às bancas nesta segunda-feira pede que Rangel abandone seu posto imediatamente. “Rangel é exatamente como Blogojevich, um tipo de político que Obama & Cia. precisam se distanciar se os democratas quiserem manter o apoio da classe média que acreditou nas promessas de nosso novo presidente. Tirar o poder de Rangel mostraria para o país o quão séria administração Obama é sobre transformar Washington e sua tóxica cultura de auto-enriquecimento. Na minha terra, chamamos esta prática de Política de Deus e Lucros”, atacou o colunista Eric Alterman.

Professor da Universidade de Nova Iorque (NYU), o sociólogo Stephen Duncombe lembra que em uma primeira análise os democratas estão arriscando, antes mesmo de tomarem o poder no dia 20, perder a aura de transformação que os levaram à Casa Branca. Mas, por outro lado, os índices de aprovação de Obama, lembra, seguem em alta histórica, com 79% dos entrevistados aprovando suas escolhas de acordo com as mais recentes pesquisas de opinião. “As dúvidas sobre a real implantação da ‘mudança’, bandeira maior de Obama, que agora se concentram nas questões éticas, já estavam sendo questionadas pelos setores mais progressistas pela quantidade de cargos entregues a remanescentes da Era Clinton. Ironicamente, durante a campanha Obama foi severamente criticado por se apresentar como um idealista, um sonhador que teria dificuldades em governar de forma efetiva. Mas suas ações, com o que pode ser visto como o sacrifício da ética pela experiência, sugerem exatamente o oposto, não?”, provoca o acadêmico.

O cientista político Cristian Klein, do IUPERJ, diz que a transição norte-americana chama a atenção pelo aura redentora da candidatura Obama: “Curiosamente, estes escândalos têm raízes institucionais semelhantes ao que estamos acostumados a presenciar no Brasil. Os problemas relacionados ao financiamento das campanhas eleitorais e uso da máquina pública são idênticos. E o modelo da escolha do senador pelo governador do estado é ainda pior do que o suplente, no caso brasileiro, lembrando os senadores biônico da ditadura. Mas é importante enfatizar que este grau de realismo não pode implicar uma redução de pressupostos éticos. Aqui, só há duas saídas: mudam-se os homens e sua cultura política, algo mais moroso, ou as instituições, a saída mais viável, que, no entanto, depende quase sempre, da ação dos próprios políticos”.