sexta-feira, março 04, 2005

Diretinho da Redação (6)


O texto abaixo é a coluna da semana no www.diretodaredacao.com

Gary, Eu Te Amo!

Eu ia escrever sobre a falência do sistema penitenciário nos Estados Unidos. Juro. Mas aí um amigo do Brooklyn me perguntou se eu já tinha deixado minha mensagem para o Gary e se nas grandes cidades brasileiras havia algum caso de tratamento anti-depressivo tão eficiente quanto o que fora testado no moço do East Village.

Já explico. Não faz muito tempo e começaram a aparecer uns panfletos na Union Square, em Manhattan, e também em alguns pontos manjados do Village com uma mensagem pra lá de esquisita. Você olhava o papelzinho e se deparava com um número de telefone e um pedido direto: "Por favor, diga 'Gary, eu amo você' depois do bipe. Obrigado". E mais nada. Assim só.

Seria um trote? Uma propaganda de algum produto para a pele? Uma nova banda indie-rock surgindo no pedaço? Um novo serviço de encontro amoroso? Que nada. Neste último domingo o mistério foi revelado pela repórter Jennifer Bley, do The New York Times.

O tal Gary era o sujeito que tinha uma piada para todos os momentos, uma graça para cada dia da semana, a alegria da 'rapêize'. Mas, como ninguém é de ferro, depois de uma decepção amorosa, ficou recluso em casa, desligou o telefone e simplesmente sumiu do mapa. O pior é que, sem Gary, os amigos da turma do Village foram ficando, eles mesmos, também deprimidos.

Foi aí que o designer Thomas Ng, um estudante de 26 anos da Escola de Artes Visuais de Nova Iorque, resolveu soltar os tais panfletos em uma última tentativa de reanimar o pobre coitado do Gary. O resultado foi surpreendente. Centenas de nova-iorquinos responderam ao chamado e ligaram para o número informado na propaganda. Que, é claro, não era o telefone de Gary e sim uma caixa de mensagens alugada a US$ 6 por Thomas, que tem horror a malas e gravou as mensagens em um CD, devidamente editado e enviado para a casa de Gary.

Mal que assola os grandes centros urbanos, a depressão, ao menos aqui neste conto de fadas de Nova Iorque, está sendo vencida com calor humano. O teor das mensagens varia muito, mas há um ponto comum: ninguém obedece o pedido à risca. Todos querem personalizar o I Love You. Há o rapaz que diz "Eu amo você, Gary. Este é o som do Brooklyn aqui ao fundo. Paz". Há os que criaram poemas especialmente para o cidadão que não conhecem. Há a menina que, ao fim da mensagem, diz que o panfleto encontrado no chão da rua em um fim de tarde frio lhe deu saudades de seus pais e que ela vai ligar em seguida para eles.

A repórter Jennifer Bley não conseguiu falar com Gary. Ele não está totalmente recuperado, mas, garantem os amigos, encontrou forças para sair da depressão. Quanto ao meu amigo do Brooklyn, ele ficou sem resposta. Não sei se alguém teve idéia parecida nas muito mais solícitas capitais brasileiras para ajudar um amigo de farol baixo. Por via das dúvidas, quem vier para Nova Iorque por estes dias e quiser deixar seu recado para o Gary, o número mais quente da cidade é o (212) 560.2306. Só não pode esquecer de dizer o "Eu Te Amo".

quarta-feira, março 02, 2005

Do Meu iPod 01



Brazilian Girls

Elas não saem do meu iPod. A primeira vez em que me deparei com as Brazilian Girls, elas eram a atração mais corriqueira das noites de sábado no Nublu, um clube da moda no East Village, em Manhattan. Não se enganem, elas são aqui do Brooklyn. Não se enganem novamente, apesar do nome, não há qualquer menina brasileira na banda. Mais: a única mulher aqui é a bela Sabina Sciubba, dona de uma voz peculiaríssima, que nos chega aos ouvidos em cinco idiomas.

O disco, homônimo, que aterrizou na primeira semana de fevereiro nas melhores lojas do ramo da zona norte do mundo, já alcançou o sexto posto nos mais vendidos na seção de música eletrônica da Billboard. Calma. As Brazilian Girls navegam sim pelo eletro, mas do mesmo modo em que namoram o reggae, flertam com o jazz e ficam com a bossa nova sem culpa alguma e, o que é melhor, sem cair no pastiche boboca. Por estas e outras, já teve crítico deslumbrado escrevendo que o som do grupo dá uma idéia do que estaremos ouvindo na cena pop na metade do século XXI.

As Brazilian Girls atendem pelos nomes de Didi Gutman (teclados e efeitos especiais diretamente de Buenos Aires, namoradão de dona Sciubba e o único a tocar com uma brasileira de verdade, ainda que nascida em Nova Iorque, sua amiga Bebel Gilberto), Jesse Murphy (baixo, da Califórnia), Aaron Johnston (bateria, de Kansas City) e la Sciubba, cantando em francês, espanhol, inglês, alemão e italiano, ao bel prazer do ouvinte. A moça nasceu em Roma, cresceu em Nice e Munique e, seguindo a trilha da ciganada que forma a parte mais groovy desta cidade, acabou parando no Brooklyn.

Quando os quatro se juntaram e começaram a dar canjas no Nublu – também casa do Wax Poetic, o grupo em que dona Norah Jones começou a afiar sua vozinha – alguns engraçadinhos acharam as curvas de nossa Sciuba para lá de apetitosas e começaram a falar daquela banda da ‘garota brasileira’. O nome pegou e a Verve logo sacou que eles eram o grupo perfeito para dar um gás no lado mais alternativo-pop da gravadora, o selo Verve Forecast.

O disco transformou a lânguida Lazy Lover (Lazy Lover/ Casanova/ You roll over/when I want more/ I want moooooore) em favorita do povo chillout. A faixa, gerada na mesma fôrma fabricada pelos favoritos franceses do Air, ganhou um remix do house-expert Herbert e tocou a valer nas danceterias da cidade.

Agora os head-phones da megastore Virgin, na Union Square, são disputados à tapa. A galera mais antenada quer se deleitar com outros petardos poderosos: Pussy, um dancehall do bom a partir da história de uma menina sapeca enrolada com traficantes de drogas e cafetões, Ships In the Night, uma homenagem a Marlene Dietrich (!) com vibrafone e sampler de guitarra havaiana, e Die Gedaken Sind Frei (Thoughts Are Free), um rap em alemão com violino ao fundo mesclado com barulhinhos percussivos. Bom demais.

Dia 16 de março tem show das Brazilian Girls no Bowery Ballroom. Não perco. É que no palco elas são ainda mais saidinhas. Sciubba adora fazer uma performance enquanto entoa uma canção de protesto do campesinato alemão ou saboreia uma poesia de Pablo Neruda. Sim, ela é fanática por Neruda.

Muito mal comparando, as Brazilian Girls poderiam ser criaturas imaginadas por um DJ completamente esquizofrênico, obcecado por faixas que não têm absolutamente nada a ver umas com as outras, ao menos em uma primeira audição. Mas este mesmo DJ batuca o samba da brasileira doida dentro do maior bom gosto. Ah, claro, não dá para esquecer que Sciubba, antes de se tornar uma Brazilian Girl, lançou dois discos de jazz, You Don’t Know What Love Is (com o pianista Chris Anderson) e Meet Me In London (com o guitarrista Antonio Forcione), encomendas do ‘cool’ selo inglês Naim. A moça pode até não ser a garota de Ipanema, mas como Brazilian Girl ela convence o mais incauto dos ouvintes.