sexta-feira, setembro 07, 2007

ENTREVISTA/Ridley Scott

O Valor publicou hoje minha segunda entrevista com Sir Ridley Scott. A primeira foi aqui em NYC, por conta do lançamento de Um Bom Ano. Na época ele já estava filmando O Gângster, filme que estréia no Brasil em janeiro, com Denzel Washington e Russell Crowe nos papéis principais, e que é uma das primeiras apostas do mercado para o Oscar-2008. Eu vi e gostei muito. A conversa da semana passada, em Los Angeles, segue abaixo:

O Herói e a Heroína
Por Eduardo Graça, para o Valor
06/09/2007

No penúltimo encontro entre a reportagem do Valor e sir Ridley Scott, de 69 anos, o diretor britânico responsável por pérolas da indústria do entretenimento como "O Gladiador", "Alien", "Thelma & Louise" e "Blade Runner" estava às voltas com as filmagens, em pleno Harlem, de "O Gângster". Ao mesmo tempo ajudava a divulgar seu projeto anterior, "Um Bom Ano", sobre os vinhedos do sul da França. Mais paradoxal impossível. Agora, no saguão de um hotel em Los Angeles, cidade que adotou, ele se lembra com uma mescla de carinho e alívio do período em que se radicou em Manhattan para levar ao cinema a história do traficante Frank Lucas e seu confronto com o policial Richie Roberts.

Lucas trazia heroína do Sudeste Asiático, durante a Guerra do Vietnã, escondida nos caixões dos soldados americanos mortos no confronto armado. Ele chegou a amealhar uma fortuna de US$ 50 milhões até ser pego por Roberts, já uma lenda em Nova Jersey por ter recusado um suborno de US$ 1 milhão em dinheiro vivo. Depois de prender o Rei do Harlem, Roberts concordou em defender Lucas nos tribunais, desde que ele entregasse os policiais de Manhattan que faziam parte de seu esquema criminoso. O resultado é impressionante e este talvez seja o filme mais violento de Scott. "Você achou mesmo? Olha que ele poderia ter sido muito mais cru", desconversa o diretor, felicíssimo com as escolhas que fez para os papéis principais: Denzel Washington (desde já um favorito ao Oscar, soberbo como Lucas) e, mais uma vez, Russell Crowe. O filme estréia no Brasil em 25 de janeiro.


Valor: "O Gângster" seria inicialmente dirigido por Antoine Fuqua ("Dia de Treinamento") e com Benicio del Toro no papel do mulherengo Richie Roberts, até ser cancelado pelo estúdio, assustado com um orçamento de mais de US$ 90 milhões...
Ridley Scott: É verdade, e depois o filme seria dirigido pelo Terry Hughes, mas era um projeto abandonado quando entrei nele. Estava em Jerusalém filmando "Cruzada", quando recebi o roteiro do Steve Zaillan [o mesmo de "A Lista de Schindler"], li correndo, adorei e quando fui filmar "Um Bom Ano" com o Russell mostrei para ele. Ele então me disse que havia adorado e queria muito fazer o Frank Lucas. Eu tive de explicar-lhe que seria impossível, pois o Rei do Harlem, afinal de contas, era negro.

Valor: Já que o sr. citou essa incompatibilidade óbvia, como foi mergulhar no universo das gangues nova-iorquinas sendo um lorde da coroa britânica? O sr. acha que um outsider, às vezes, vê nuanças que os mais próximos daquela realidade deixam de perceber?
Scott: Não. Veja bem, moro a 20 minutos deste hotel, estou há 25 anos inserido na vida deste país. De fato, tento, sempre que posso, filmar fora dos Estados Unidos, tento observar o mundo de uma perspectiva diferente da que minha rotina me ofereceria, mas esse não era o caso.




Valor: Tanto Frank quanto Richie estão vivos. Até que ponto eles ajudaram o sr. na composição dos personagens?
Scott: Assim que terminei de ler o roteiro, quis conversar com Frank. Marcamos um papo de duas horas que acabou durando mais de seis. Ele é fascinante. Chegou em uma cadeira de rodas, efeito dos anos em que passou na cadeia. Ele quase não anda.

Valor: Denzel o apresenta como um bandido charmoso, cheio de classe, ainda que brutal. Admite que acabou gostando de Frank?
Scott: Mas é claro! Se você conversar com ele, se esquecerá completamente do que ele foi capaz e se concentrará na sua capacidade de entreter o interlocutor, no seu charme. O que, provavelmente, revela o sociopata que ele é. Aliás, lembro-me de que disse a ele o quão assustador me parecia. Ele me devolveu: mas por quê? Eu disse, ora, alguém que viaja para o Camboja em meio à Guerra do Vietnã, encontra um fornecedor chinês de heroína e transporta a droga para os EUA nas barbas das Forças Armadas ianques? E ele me disse: mas e daí? (risos) Ou seja, ali tive a certeza do quão perigoso ele era.


Valor: Ele e Richie viraram grandes amigos?
Scott: Oh, mais do que isso! Richie não estava nem aí para o encarceramento dos gângsteres. Ele queria era colocar os policiais corruptos na cadeia. E por isso, assim que se tornou um promotor público, trocou de lado especificamente para defender Frank. Sabe, teríamos um outro fim, que acho que não funcionaria tão bem, mas mostra bem essa relação.

Valor: Como seria?
Scott: Frank sai da prisão e Richie o convida para um café. Ele descobre que agora tem de tomar um latte por US$ 2,50 (risos). E diz a Richie: basta eu dar um telefonema para voltar aos negócios, para ouvir, de volta, um não, você não fará isso. Frank então vê alguns jovens na rua ouvindo hip-hop e pensa que eles são os novos gângsteres. Mas esse fim, que todos acharam hollywoodiano demais, você só vai ver no DVD (risos). É que fizemos um teste com a seqüência final que está no filme, incluindo a cena-surpresa depois dos créditos, e ninguém piscou na platéia. O que me leva a pensar que ela chega mais perto da verdade que eu queria passar para o público, sem manipulações. Aprendi que, em um filme como este, você precisa descobrir qual é a sua verdade e se agarrar a ela até o fim. Acho que fiz isso.

Valor: Que exame que o sr. faz da violência urbana em "O Gângster"?
Scott: Não centrei o filme na questão da violência, mas na história de um negociante. O filme apresenta Frank como um senhor homem de negócios e esse ponto, aliás, foi minha grande modificação no roteiro original, especificamente na cena em que Richie explica a ele a revolução que havia feito no mercado das drogas, ao ser um negro no comando da organização. Um homem que começou dirigindo o carro de um bandido e se transformou em um milionário do crime e, durante seis anos, teve toda a máfia da cidade trabalhando para ele.

Valor: O sr. viaja para o Marrocos em duas semanas para filmar novamente...
Scott: Sim,vou adaptar para o cinema o livro de espionagem "Body of Lies", de David Ignatius, que trata, no fim, da brutal americanização do mundo nas últimas décadas e, do mesmo modo, de como os muçulmanos penetraram os EUA. Estou muito animado e espero que não aconteça o mesmo que vi em "Cruzada", quando as pessoas esperavam uma história de ação de príncipes e princesas e não uma conversa sobre fanatismo religioso. Agora vamos falar de política e religião nos dias de hoje, tendo como pano de fundo a relação entre os personagens de Leonardo DiCaprio e, novamente, o Russell.

Valor: Essa é uma parceria que chega ao quarto filme...
Scott: Russell é tão inteligente e creio que hoje o entendo mais do que nunca. Diria que já não precisamos mais dançar a valsa, sabe? (risos). E acho que ele entendeu que "Body of Lies" trata de um tema fascinante, até porque estou certo de que sofreremos outro ataque terrorista aqui nos Estados Unidos.

Valor: De onde vem essa certeza?
Scott: Não faça esta cara de medo! É óbvio. Os terroristas estão se organizando cada vez mais, a invasão do Iraque deu-lhes mais um campo de batalha e acredito que estejam mais fortes do que nunca, nada foi feito no Paquistão para deter a Al-Quaeda de uma vez por todas. Estamos apenas aguardando, mas o ataque virá.

Valor: A retirada das tropas americanas do Iraque, como defendem os líderes do Partido Democrata, não diminuiria o risco de novo ataque?
Scott: De modo algum. Seria um desastre completo, teríamos um banho de sangue sem proporções, civis seriam chacinados diariamente. Nós começamos esta confusão e não podemos simplesmente pedir desculpas, dizer que cometemos um erro e abandonar o país.

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