Na Folha de S.Paulo de hoje (aqui, para assinantes do jornal ou do UOL) saiu minha entrevista com Ken Watanabe, brilhante no filme de guerra As Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood, um dos fortes concorrentes ao Oscar do dia 25.
O ator japonês, que começou a carreira nos grupos de teatro de vanguarda de Tóquio nos anos 70, foi simpaticíssimo e só encrencava quando uma das duas tradutoras convocadas para o conversê tentava explicar detalhadamente alguma pergunta mais encorpada do entrevistador aqui.
Divertido, mas extremamente sério, Watanabe não deixou de falar da pressão da extrema-direita para que a chamada Consituição Pacifista (imposta pelos norte-americanos depois da rendição de 1945) seja modificada, com o Japão, hoje fiel aliado dos EUA, voltando a contar com forças armadas regulares. Este é, afinal, o tema central da política japonesa neste momento.
A entrevista e um comentário exclusivo aqui do blog seguem abaixo. Uma bela visão do que acontece no Japão hoje é a do documentarista John Junkerman, que escreveu um artigo interessantíssimo, infelizmente apenas em inglês, aqui.
O ator Ken Watanabe fala à Folha das dificuldades para encarnar o protagonista de "Cartas de Iwo Jima"
"Não sabemos lidar com nossos fracassos"
EDUARDO GRAÇA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK
Cartas de Iwo Jima conta com um elenco quase exclusivamente japonês, centrado na figura do general Tadamishi Kuribayashi. Para encarnar o homem que conseguiu conter as forças americanas por mais de 36 dias, Clint Eastwood escolheu Ken Watanabe, 47, o mais importante ator japonês de seu tempo, conhecido por O Último Samurai e Memórias de uma Gueixa. Leia a seguir a entrevista que o ator concedeu à Folha.
KEN WATANABE - Sim, mas, como ator, com a visão de quem estava dentro do filme, posso dizer que o sucesso se deve também à maneira calma como Clint comanda um set de filmagem. Ele estava lidando com um elenco exclusivamente japonês e teve de usar três tradutores, o que é um trabalho extra, mas não perdeu a delicadeza jamais.
FOLHA - Vocês conseguiram a permissão para filmar na ilha, considerada solo sagrado pelos japoneses. Como foi a sensação?
WATANABE - Durante quatro anos eu me preparei como nunca para encarnar o general Kuribayashi. Visitei a cidade em que ele foi criado, uma localidade pequenina e tradicional nos cafundós do Japão. Li tudo o que pude sobre ele. Mas fundamental mesmo foi ter ido a Iwo Jima. A ilha não é um lugar muito cultuado por nós, japoneses, que temos uma dificuldade endêmica em lidar com nossos fracassos. O governo de Tóquio nos deu apenas um dia para ir lá. No fim de um dia intenso, fomos todos, americanos e japoneses, até o monte Suribachi, cume da ilha, onde erguemos um memorial para os mortos. Foi uma experiência intensa, pude de fato sentir o espírito dos soldados que lá pereceram e percebi que tínhamos a obrigação de contar a história daqueles homens. E que tínhamos de fazê-lo juntos, americanos e japoneses. Foi ali que encontrei o sentido mais profundo para fazermos as Cartas de Iwo Jima.
FOLHA - Há hoje um grande debate no Japão opondo os defensores da Constituição pacifista do país e os que consideram fundamental a militarização nacional. O senhor tem alguma opinião sobre o tema?
WATANABE - Minha posição está explicitada no filme. Espero que todos os muitos japoneses que foram aos cinemas ver o filme tenham refletido muitíssimo bem sobre se é mesmo tão fundamental assim incrementarmos a corrida armamentista no Extremo Oriente.
WATANABE - Eu acho tudo isso muito engraçado. No fim, honestamente, acaba me dando mais receio do que prazer. Sou uma pessoa que cultiva diariamente a humildade e que, no momento, por exemplo, está mais preocupado em saber como a comunidade japonesa no Brasil vai receber Cartas de Iwo Jima. Tenho grande interesse sobre esta faceta da história japonesa, a imigração para São Paulo, e adoraria produzir algo no Brasil.
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As constantes visitas do então primeiro-ministro Junichiro Koizumi a um memorial dedicado a 14 criminosos de guerra japoneses enfureceu os governos vizinhos da China e da Coréia do Sul que nos últimos anos protestaram veementemente sobre a 'reconstrução da História' desenhada por Tóquio. Outra medida polêmica foi a criação da cadeira obrigatória de ‘estudos nacionalistas’ na rede pública de ensino japonesa. E o novo primeiro-ministro, Abe Shinzo, é neto e devoto fiel de Kishi Nobusuke, o primeiro político nipônico a defender abertamente a modificação do Artigo 9, base da ‘constituição pacifista’ que proíbe a militarização do país.
O exame de consciência pelo qual passa o Japão não está refletido nas telas apenas nas Cartas de Iwo Jima. No mesmo dia em que o filme de Eastwood chega aos cinemas brasileiros estréia em Tóquio o documentário Gai Shanxi e Suas Irmãs, do chinês Ban Zhongyi, que revive a triste história das chinesas da província de Shanxi, tornadas escravas sexuais pelos militares japoneses. Mês passado, no Festival de Sundance, um dos destaques foi Nanking, com Woody Harrelson, tratando de forma crítica, a partir de uma narrativa em primeira pessoa, dos 70 anos da brutal invasão japonesa à China continental. E Satoro Mizushima, dono de um canal de tevê nacionalista em Tóquio, anunciou que termina ainda este ano o documentário A Verdade Sobre Nanjing, em que defende a tese de que o massacre de 1937 é obra de ficção, apesar de historiadores considerarem o episódio um dos mais terríveis banhos de sangue de todos os tempos, em que entre 140 e 300 mil civis chineses (incluindo mulheres e crianças) foram massacrados pelos japoneses na então capital da China nacionalista.
Um dos principais entusiastas do documentário é o governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, de extrema-direita, que defende a ‘importância de se combater a propaganda anti-japonesa no mundo e a necessidade de se corrigir esta página da história escrita pelos vencedores’. Curiosamente, foi justamente Ishihara quem inspirou Eastwood a produzir as Cartas, ao liberar o solo da ilha (considerada parte de Tóquio, apesar da distância) para as filmagens de Conquista da Honra desde que ele ‘respeitasse os japoneses que morreram de forma heróica naquele solo’.
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