Minha amiga Márcia Pereira, editora da revista Contigo! em São Paulo, da qual sou colaborador assíduo, acaba de me enviar este artigo-desabafo sobre a polêmica em torno do filme Tropa de Elite, que eu ainda não tive a chance de ver aqui pelos states. Não chegaria a defender a tortura contra os políticos de Brasília (calma aí, Marcinha!), mas acho interessantísimo o paralelo que ela faz com a reação da mídia ao ótimo filme de Helvécio Ratton, Batismo de Sangue, acusado de fazer a apologia da violência em sua postura hiper-realista ao retratar a tortura aos militantes políticos de esquerda durante a ditadura militar. Enfim, o tema é interessante, está rendendo muito bafafá no Brasil, e espero que dê pano para manga aqui no blog também.
Com vocês, Márcia Pereira:
Deixem o José Padilha em paz!!!
Por Márcia Pereira, para o edudobrooklyn
Antes de mais nada, quero deixar claro aqui que não conheço o diretor José Padilha (e nem ninguém envolvido na produção do seu longa Tropa de Elite), não vi seu documentário Ônibus 174, mas assisti ao afamado longa-metragem de ficção sobre as ações do Bope carioca numa sessão oficial, organizada pela Paramount — a distribuidora da obra em solo brasileiro — e em um cinema, como manda o figurino de uma cidadã realmente honesta.
Bom, dito isso, vamos lá.
Será que é pedir muito aos intelectuais e cineastas de plantão que, em vez de ficarem criticando, execrando, jogando na lama a obra de um colega, de um profissional que tenta ganhar a vida com o seu trabalho, produzam e continuem produzindo obras realmente significativas dentro de suas áreas? Sinceramente, não entendo porque essas pessoas canalizam sua fúria (que pelo visto é sazonal e pessoal) para cima do novo filme de Padilha, Tropa de Elite, em vez de escreverem mais roteiros contundentes ou de rodarem filmes tão atraentes e instigantes, que façam com que mais de 1 milhão de brasileiros o vejam (mesmo antes de sua estréia oficial) e saiam pelas ruas e bares comentando seus detalhes, suas cenas, seus diálogos. Filmes que surtam algum efeito, mesmo que seja simplesmente o de rir ou chorar.
Não entendo também a resistência dos profissionais brasileiros de cinema em viver a vida de seu trabalho como cineastas. Ou, para ser mais clara, de ganharem dinheiro (muito dinheiro) dirigindo e roteirizando filmes que sejam comerciais e, portanto, hollywoodianos — traduzindo mais ainda, rentáveis, lucrativos. Que eu saiba, os diretores brasileiros não possuem empregos paralelos de analistas financeiros, cabeleireiros, médicos ou mesmo de professores, para lidarem com o cinema como se fosse um hobby.
Não entendo também porque a maioria segue rotulando sua atividade profissional como arte. Pô galera, a tela do cinema não é de canvas. Cinema nasceu business, é business e vai continuar business. Cinema, como já disse o diretor Cláudio Torres – em declaração na época de lançamento de seu filme O Redentor –, é entretenimento! Não que não exista espaço para o cinema-arte, claro que tem. Mas por que só essa categoria merece os elogios rasgados da classe?
Cinema não é sala de aula — se bem que ensinar via telona é mais interessante e eficaz. Mas essa não é a vocação do cinema. Se um filme informa, educa, lindo. Mas tá no lucro. E lucro faz parte do… business. E vamos combinar que a função social do cinema é dar emprego para diretor, roteirista, ator, maquiador, preparador de elenco, dublê, motorista, produtor…
Que mania chata de impingir à deliciosa forma de entretenimento essas obrigações que pertencem a outras atividades e setores! Só porque as que deveriam se ocupar delas não as fazem? Quer dizer que se o BNDES não empresta dinheiro para um empresário construir uma fábrica de rapadura no meio do sertão nordestino, e com ela promover o desenvolvimento de uma região — bem como de quem vive nela e dela —, eu tenho que assaltar minha conta e emprestar?
Queridos cineastas, parem de julgar as intenções do diretor José Padilha — intenções estas que vocês devem desconhecer, mas discorrem sobre elas como se dividissem a alcova com Padilha. Deixem ele, seu filme e as páginas do meu jornal em paz! Deixem o filme respirar, ser degustado, ingerido, absorvido pelas pessoas. Quanto mais fizerem isso, melhor para o cinema nacional, como também bem comentou Fernando Meirelles — será que é por essas e outras declarações e atitudes que talvez só ele trabalhe fora do Brasil?
Parem de reclamar, de ficarem colocando o filme no divã e analisando sua veia fascista, de direita, de apologia ao Estado policial. Que saco!
Ah, descobri! A profissão (e vocação) paralela dos cineastas brasileiros é a de psicólogo! E depois passam — para quem tem o Tico e o Teco funcionando perfeitamente — a impressão de que são obtusos. Sim, porque, alguém aí se deu conta (ninguém menciona, pelo menos) que Tropa de Elite é uma adaptação de uma outra obra, do livro Elite da Tropa, escrito por Luiz Eduardo Soares, Rodrigo Pimentel e André Baptista? E que o senhor Pimentel, ex-policial e integrante do Bope, é co-autor do roteiro do filme?
Quer dizer, não é uma idéia original de Padilha. Por mais que ele seja diretor do longa, não o inventou sozinho. É, no máximo, co-autor da história toda. Ele retrata o que está escrito num livro, que, por sua vez, segundo seus autores, retrata uma realidade que está na cara das pessoas — pessoas, aliás, que insistem em não ver. Pior do que o olhar policial de Pimentel e Baptista é o de quem olha para o lado, para não o ver o que está acontecendo.
E também, parem de ficar pensando pela gente. Nós não queremos!!! Pô! Isso ofende!!!
Para vocês o filme do José Padilha é fascista, moralista mistificador, faz apologia do Estado policial, heroiciza e humaniza o Bope etc. etc. Nada disso! O script de vocês fica melhor assim, ó: "eu acho que o filme do José Padilha, na minha humilde opinião e vivência, enquanto colega cineasta, me parece que…"
Pois é, sei que cineastas, acostumados que estão com a ficção, também adoram imaginar coisas. Eu vi o filme e não enxerguei apologia nenhuma ao Bope, nem achei ou acho que o Capitão Nascimento seja meu herói. Credo! Um cara que sua em bicas quando a responsabilidade chama, por causa do pânico — os dois, o sentimento e a doença. E aqui, por favor, nada de me acusarem de nutrir preconceito com quem tem síndrome do Pânico —treme que nem vara verde, grita com a mulher “recém-parida” e trata seus alunos que nem bicho — se bem que todo homem pertence ao reino animal. Mas a gente tem mesmo essa arrogância de achar que é melhor que o leão ou o urubu…
E nem achei bonito enfiar um saco na cabeça de uma pessoa para obter informações. Se bem que, às vezes, é bem eficiente (e tem muita gente que merece. No Congresso Nacional, antro de covardes, tenho certeza que o uso dessa tática ia agilizar bastante as CPIs). Assim como foi eficiente torturarem os presos políticos (obviamente, não foi com todos que a tática funcionou. Eu diria até que foi com a minoria) durante a ditadura militar, como mostraram, aliás, pouquíssimos filmes (é preciso mais! Tem muuuuita gente que não sabe o que aconteceu naquele período e muita gente que sabia e parece ter se esquecido. É que fazer filme sobre ditadura militar e preso político não dá ibope e nem rende polêmica ou indicação para o Oscar, né?).
Engraçado que nenhum cineasta defendeu o excepcional e comovente Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton, quando a mídia o rotulou de ser violento demais, recheado de torturas exageradas, encharcado de sadismo cinematográfico — como se fosse possível torturar sem ser cruel, violento ou sádico. Quer dizer que fritar os testículos de estudantes (mesmo) e freis que acreditavam numa causa, que tinham consciência social (esses sim), tudo bem, só porque não eram pobres, favelados?
Torturar não é legal para ninguém. E enxerguei que o filme de Padilha mostra isso. Assim como polícia corrupta não é legal, nem políticos sacanas, nem traficante e nem quem também alimenta o tráfico — e depois tenta se redimir fazendo passeata a favor da paz.
Legal é arrumar solução, é brigar, cobrar por ela. Fazer efetivamente alguma coisa. E não ficar usando papel-jornal para lavar roupa suja. Mas fazer tudo isso dá mais trabalho e a Petrobras não vai financiar…
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Um comentário:
Parodiando a autora, qual é o problema de uma boa polêmica? Discutir, dialogar, dirvergir, concordar, discordar, elogiar, etc., são ótimos hábitos. Nada pior para uma obra de arte do que a indiferença.
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