domingo, junho 05, 2005

Diretinho da Redação (17)


O texto abaixo está lá no www.diretodaredacao.com e trata de triste ironia. Ao mesmo tempo em que dois jornalistas – Bob Woodward e Carl Bernstein – são festejados por proteger durante três décadas sua fonte confidencial, outros 18 – entre eles Judith Miller, do “The New York Times” e Matt Cooper, da “Time” – podem parar na cadeia pelo mesmíssimo motivo. Sinal dos tempos.


Ele não podia ter aparecido em melhor hora. Garganta Profunda era W.Mark Felt, o número dois do F.B.I. na segunda metade dos anos 70. Foi ele quem ajudou os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do The Washington Post, a iniciar a queda irreversível do governo Nixon. Poderia hoje a imprensa repetir com qualquer membro do alto-escalão do governo Bush a seqüência de denúncias e provas inconstestáveis de sérias irregularidades que levaram à renúncia daquele outro governo republicano? Provavelmente não.

Nas últimas semanas a Casa Branca vem batendo na tecla de que a reportagem da Newsweek sobre a utilização de métodos nada ortodoxos – incluindo jogar o Corão privada abaixo – para conseguir informações de prisioneiros muçulmanos na base naval de Guantânamo, na ilha de Cuba, é o tipo de história que deveria ser banida do jornalismo sério e responsável. Principalmente porque a fonte principal da reportagem pediu que seu nome não fosse revelado. Ironia ou não, a Newsweek é a revista do mesmo grupo que publica o The Washington Post. E atinge novamente um governo extremamente conservador, comandado pela linha-dura do Partido Republicano.

A reportagem de Michael Isikoff e John Barry – dois sérios e premiados repórteres – gerou protestos em todo o mundo islâmico, notadamente no Afeganistão e no Paquistão. Uma das funções mais importantes – e raramente alcançada – das boas hostórias jornalísticas é justamente a de mexer com os leitores, chacoalhar o status quo, tornar-se o ponto de partida para a modificação da realidade. O governo Bush acha que este ‘jornalismo irresponsável’ representa nada mais do que uma ‘propaganda negativa’ para os Estados Unidos em uma região estratégica como o Oriente Médio.

Propaganda política e jornalismo não devem se misturar, a não ser em casos extremos. São como água e vinho. Mas tanto a denúncia da tortura de seres humanos praticada sistematicamente por soldados que representam um país reconhecido pela O.N.U. quanto a revelação do esquema fraudulento da eleição do principal mandatário da nação são traduzidos pelo neo-cons como anti-patriotismo. Não por acaso, neste exato momento, 18 jornalistas respondem a processo aqui nos Estados Unidos por conta de reportagens com graves denúncias em que o informante ajudou o trabalho do repórter, com a condição de que permaneceria anônimo. Na maior parte dos casos acredita-se que a fonte faz parte do establishment governamental – exatamente como no caso do Garganta Profunda.

Neste mês os donos dos principais jornais do país, incluindo o The New York Times, concordaram em diminuir progressivamente as reportagens que não apresentem todas as fontes ‘on the record’. O U.S.A. Today chegou ao cúmulo de banir para sempre de suas páginas histórias baseadas em informantes anônimos. Pena. Histórias como a do Garganta Profunda dependem de os capitães da imprensa confiarem mais em seus empregados do que nas benesses do governo federal. Mas também não deixa de ser revelador o motivo final pelo qual Felt decidiu, quase três décadas depois, revelar sua identidade. Glória e dinheiro. Busca de reconhecimento e de segurança financeira. Duas metas mais do que fundamentais na receita batida de se encontrar a felicidade ao modo norte-americano.

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