quarta-feira, abril 27, 2005

Diretinho da Redação (12)



(Mais) uma história americana



Em cartaz nos cinemas do Brasil, “O Lenhador” não é nem esta coca-cola toda. O filme conta, em quase uma hora e meia, a história de Walter, um pedófilo que acaba de ser libertado da prisão e revela seu dia-a-dia entre visitas ao psiquiatra e passeios em parques de uma pequena cidade do estado da Pensilvânia, também freqüentado por meninas de 10 a 12 anos, fixação sexual do personagem. Disponível em DVD aqui nos Estados Unidos, o filme vem enfrentando uma desproporcional campanha de setores conservadores que consideram a produção simpática à pedofilia e não entendem o motivo pelo qual um casal de nova-iorquinos simpáticos com filhos pequenos - os atores Kevin Bacon e Kyra Sedgwick - aceitou o convite da estreante diretora Nicole Kassel para estrelar seu controverso filme.

Levar “O Lenhador”, adaptado de uma peça teatral alternativa, para as telas, não foi fácil. Depois de inúmeras negativas, Kassel só encontrou apoio financeiro nos mesmos produtores de “Monster’'s Ball”, o filme que rendeu o Oscar de melhor atriz para Halle Berry em 2002. O Walter de Bacon é uma de suas melhores criações e Kassel evita cacoetes maniqueístas, tão ao gosto dos americanos. Ao contrário, ela apresenta a violência contra crianças como um fato corriqueiro nos Estados Unidos. É justamente ao se deparar com crianças e mulheres vítimas de outros abusos, ao atinar com a dimensão da doença social, que Walter considera, talvez, quem sabe, a possibilidade de uma recuperação. Não há santos, demônios, receitas de auto-ajuda ou garantia de cura aqui.

Nas muitas entrevistas em que Bacon e Sedgwick tiveram de explicar o porquê de se envolverem em “O Lenhador”, o casal, junto há 16 anos, sempre apontava para a responsabilidade social de tratar de algo que não pode, na visão dos atores, ser tratado de forma convencional. No processo de pesquisa para encarnarem seus personagens - Sedgwick faz a mulher vítima de abuso de seus três irmãos mais velhos que se apaixona por Walter - o casal se deparou com doença, vício, falta de amor, crime.

Nesta mesma semana em que o filme - com severas restrições - chegou à casa dos americanos, aqui em Nova Iorque uma história de abuso de crianças em uma escola pública ganhou destaque no noticiário local. Investigadores do sistema municipal de educação pública acusaram a professora-assistente Nancy Miller, de uma escola em Queens Village, de violentar filhos de imigrantes haitianos em uma semana de março último.

Irritada com o comportamento dos alunos de famílias oriundas do Haiti - crianças entre 9 e 11 anos - ela os obrigou, ao contrário dos outros estudantes, a comer no chão, sem talheres, “como hatianos, como animais que vocês são”, no depoimento das vítimas. Ainda segundo os estudantes, outras crianças riam, de modo debochado, enquanto comiam sua merenda normalmente na mesa da sala de aula. A escola anunciou ontem que, embora não tenha conseguido provas de ‘discriminação étnica ou racial’ (as crianças são negras, a senhora Miller não é), a professora já foi afastada da escola e será demitida por justa causa. Depois de entrevistarem 27 testemunhas - entre alunos, pais e outros professores - os investigadores não têm dúvida de que as crianças do Queens foram violentadas. Para os produtores de “O Lenhador”, trata-se de mais uma evidência de que o abuso de crianças permanece, infelizmente, longe de ser tema esgotado no dia-a-dia da América.

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