segunda-feira, setembro 06, 2010

MUDANÇA DE ENDEREÇO

Este blog morreu. Mas renasceu em www.eduardograca.com, com design e ilustrações de William Morrisey e fotografia de Victor Affaro. Passe por lá para uma visitinha!

segunda-feira, junho 14, 2010

VALOR ECONÔMICO/Fela!




Depois de longo inverno - mais precisamente dois verões - volto a postar provisoriamente aqui até que o design do novo blog fique pronto (provavelmente na primeira quinzena de julho). Ontem, Fela! não levou o prêmio de melhor musical no Tony, mas saiu com o de melhor coreografia, do genial Bill T. Jones. Segue o texto publicado no caderno de Cultura do Valor Econômico neste finde:

Teatro: Em "Fela!", com 11 indicações para o Tony, a plateia é convidada a cantar, rebolar, rir e chorar com as muitas vidas de Fela Kuti.

Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York


"Mas como é que vivi metade da minha vida sem nunca ouvir falar de Fela Kuti?" Oito anos depois de se indignar com a própria ignorância, o produtor Steve Hendel comemora as 11 indicações para o prêmio Tony, o

Oscar do teatro americano, cuja festa ocorre neste fim de semana, com a constatação óbvia dos que passam pela Broadway: "Fela!" é o musical do momento e o espírito do criador do afro-beat nunca esteve tão

presente nas principais capitais do planeta. Em Londres, o diretor Steve McQueen (cujo polêmico "Hunger" passou na mais recente Mostra Internacional de Cinema de São Paulo) pré-produz uma cinebiografia do homem que em certo momento contou com 27 mulheres, todas vivendo na mesma casa. O tom do filme, de acordo com os executivos da Focus, o braço da Universal responsável pela produção, será mais político do que o do musical. A narrativa pós-colonialista africana trazida pelo astro nigeriano, morto em 1997 por complicações de saúde causadas pela aids,

curiosamente volta a encantar o público na Europa e nos Estados Unidos no momento em que experiências democráticas na África do Sul, no Malaui e na Libéria parecem diminuir a desatenção da grande mídia para com o continente negro.


Em Manhattan, quem se dirigir para a rua 49 encontrará o palco do Eugene O'Neill virado de pernas para o ar. Menos um teatro e mais um clube

de funk africano, uma reedição do lendário New Africa Shrine, tal qual na Lagos dos anos 70, a quizomba imaginada por Hendel recebeu do

"The New York Times" o melhor dos elogios. O temido Ben Brantley disse que "nunca se viu nada parecido na Broadway" e se espantou: "Mas

como é que não há gente dançando nas ruas do Theater District ao fim do espetáculo?"


Em "Fela!", a plateia é convidada a cantar, rebolar, dançar, rir, chorar e se deslumbrar com as muitas vidas, as muitas mulheres, os muitos

deuses e a ética una de Fela Anikulapo (Ransome) Kuti. Na utópica Kakaluta Republic, governada pelo Presidente Negro, a esperança pode até não vir das antenas de TV, mas chega, toda serelepe, por meio da coreografia de Bill T. Jones e das vozes poderosas dos dois atores que se

revezam na pele de Kuti - Sahr Ngaujah, cuja família é de Serra Leoa, e Kevin Mambo, com raízes no Zimbábue. Ngaujah é a voz do CD com a

trilha sonora do espetáculo e Mambo aparece nas faixas vendidas avulsas no mercado americano na loja virtual iTunes.


Ngaujah foi quem iniciou a trajetória vitoriosa de "Fela!", com as primeiras apresentações do musical em um espaço alternativo na rua 37. Um

de seus trunfos, desde o início, foi o entrosamento com o grupo Antibalas Afrobeat Orchestra, do Brooklyn, seguidores fiéis das emblemáticas

bandas de Kuti-Koola Lobitos, Nigeria 70, Afrika 70 e Egypt 80. Como não poderia deixar de ser, a cozinha do show é parte essencial de "Fela!",

exatamente como é impossível imaginar as emblemáticas gravações de Fela entre 1965 e 1979 sem a percussão e a direção musical inventiva

de Tony Allen.


O pulo da cena alternativa para a Broadway se deu com o auxílio luxuoso de nomes de peso do showbiz americano. O ator Will Smith e a estrela

do rap Jay-Z entraram como produtores associados da versão apresentada na Broadway, mas não transformaram um espetáculo essencialmente

subversivo em algo mais maquiado para o mainstream. A febre "Fela!" levou à ressurreição do selo alternativo Knitting Factory, que iniciou no

fim do ano passado a reedição de todo o catálogo do mestre dos sopros nigeriano, com a recuperação das capas e dos encartes originais de

cada disco.


Em recente entrevista, o diretor do selo, Brian Long, disse que não há dúvida alguma de que Kuti está fazendo pelo afro-beat o que Bob Marley

fez pelo reggae nos EUA e na Europa há três décadas. "Também houve um primeiro revival nos anos 90, logo depois da morte de Fela,

estimulada pelo mundo club. Na década passada foi a vez de o rap se identificar com seu estilo de vida antiautoritário, que o legitima entre os

hip-hoppers", acrescenta.


Um dos prazeres de se reencontrar com "Fela!" no Eugene O'Neill é a possibilidade de comunhão com personalidades retratadas no palco que

surgem na plateia, emocionadas, acompanhando uma parcela de sua trajetória sob a luzes da Broadway. No dia em que a reportagem do Valor

se juntou ao coro africano, dois dos filhos de Fela, Kunle e Seun Kuti, dançavam na fileira ao lado, como se fossem fiéis anônimos do culto feliz

do showman africano. Em uma sessão mais recente, foi a vez de as irmãs Rezende, a poeta Maria e a cineasta Júlia, dançarem com a ativista

Sandra Isidore. Voz na gravação de "Upside Down", do disco homônimo de Fela Kuti & Nigeria 70, foi ela quem apresentou a Kuti a biografia de

Malcolm X e o aproximou tanto do movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA quanto do grupo radical Pantera Negra, fundamentais para sua formação política.


"Quando ouvi as músicas todas de seu catálogo, prestei atenção nas letras e me deparei com um outro tipo de indignação - como é que Kuti

jamais foi consagrado nos EUA? Sua história é das mais emblemáticas do século XX. Retrata o comprometimento de um artista com seu país,

seu público, sua gente, e fiquei completamente obcecado em levá-la para os palcos", conta Hendel. Em Bill T. Jones, o coreógrafo responsável

por "Blind Date" e "Still/Here", ele próprio portador do vírus da aids, o produtor encontrou o parceiro disposto a combinar elementos cênicos -

desenho de cena, figurino, projeções de vídeo, texto e música - com o objetivo de quebrar o muro entre o performer e seu público,

exatamente como pregava Kuti. É o que T. Jones chama de "teatro visceral".


"Nossa ideia é que a audiência se interesse por Fela e saia pensando sobre sua vida, sobre o colonialismo, a música nigeriana, e também

aprecie a forma não linear de contar essa história. Que pense como nossa educação e exposição sobre a cultura africana é monumentalmente

limitada e míope. Em nossas pesquisas, descobrimos que 95% dos consumidores de música nos EUA não teve nenhum contato com o catálogo musical africano. Isso é um crime!", diz Hendel. O produtor James Schamus, da Focus Pictures, também quer multiplicar os fãs de Kuti, por meio de seu filme. Em entrevista ao britânico "The Guardian", ele diz que o africano é "provavelmente o artista pop com maior poder de

influência global nos últimos 50 anos depois dos Beatles".


Exageros à parte, não há dúvida de que a vida de Kuti foi bem mais trágica do que a dos quatro meninos de Liverpool. Um ano depois de Sandra

Isidore gravar na Nigéria "Upside Down", cerca de mil soldados da ditadura de Olusegun Obasanjo invadiram a comunidade Kalakuta Republic,

estupraram várias mulheres que viviam nesse refúgio símbolo da contracultura africana e jogaram da janela do segundo andar a mãe do artista, a intelectual Funmilayo Ransome Kuti, de 77 anos, renomada ativista anticolonialista, que morreu em decorrência da queda. A cena,

reproduzida no palco do O'Neill, é das mais impressionantes de "Fela!".


Trinta e três anos depois, o cenário político no país dos Kuti não é exatamente alentador. Em novembro, o presidente Umaru Musa Yar'adua, eleito em 2007 em meio a acusações de fraude, foi se tratar de problemas cardíacos na Arábia Saudita e a população não teve nenhum acesso a informações sobre seu estado de saúde. Com sua morte, pouco depois de retornar ao país, foi sucedido pelo vice-presidente Goodluck

Jonathan, cuja mulher já foi indiciada pela Justiça por lavagem de dinheiro.


Femi Kuti - astro da música internacional pelos próprios méritos - e sua irmã Yeni enfrentaram a fúria do atual governo, que tentou fechar o

novo New Afrika Shrine, por eles gerenciado, parte de um bota-abaixo nas áreas mais pobres de Lagos. Em uma entrevista no início do ano ao

"The Independent" britânico por causa da reabertura do quartel-general dos Kuti, em Lagos, Femi lembrou que tinha 12 anos quando o pai

começou sua pregação política. "Hoje sou um senhor de 48 anos e a situação na Nigéria não melhorou nem um pouco", disse.

Enquanto outros países do continente apostam em projetos ambiciosos, como a política de reconciliação nacional da África do Sul, a

redemocratização da Libéria e o movimento constitucionalista do Malaui, a Nigéria segue dependendo do petróleo e imersa em conflitos

regionais e religiosos.


Do repertório de Kuti, canções de protesto como "International Thief Thief" e "Zombie" continuam tristemente atuais. Femi não sabe se a "bobmarleyzação" de seu pai é algo positivo. "Talvez os fãs se interessem não apenas pelo ritmo, mas pela história. Talvez eles queriam saber mais deste país rico em petróleo, mas onde o povo não tem acesso à eletricidade. Fico feliz em saber que 'Fela!' é um sucesso na Broadway, mas o mais importante seria o musical vir para cá, para o Shrine, que, para nós, é mais importante do que a Broadway. Ainda não vi o espetáculo e só o farei quando ele vier para cá, quando fizer parte de fato da luta pela emancipação africana", afirmou.


Ele também acha graça de a elite africana viajar a Nova York e, a partir do segundo semestre, a Londres e outras capitais europeias, para

conferir "Fela!" nos palcos chiques das grandes metrópoles: "Eles querem ouvir o Fela tocando para eles? Tudo bem, mas ele continuará

dizendo, em suas músicas, que eles são todos uns grandes picaretas".

Para Steve Hendel, só existe um outro lugar, além da Nigéria, em que clássicos como "Water Gets no Enemy" ganhariam amplidão semelhante: o segundo país com maior população negra do planeta, onde as raízes iorubás, tão caras a Fela, também estão vivas. "Nosso sonho é levar 'Fela!' ao Brasil. Além da presença negra, há o fato de arte e cultura terem uma força orgânica, vista em poucos cantos do planeta. Imagine o que

seria para nós apresentar 'Fela!' no país que teve a coragem e a sapiência de ter um artista da estatura de Gilberto Gil como ministro da

Cultura?"


No Brasil, a biografia "This Bitch of a Life", escrita pelo professor Carlos Moore, chefe de pesquisas da Escola de Estudos para Pós-Graduação da

Universidade das Índias Ocidentais, em Kingston, Jamaica, está em processo de tradução pela editora mineira Nandyala. A ideia dos organizadores é que Gilberto Gil assine o prefácio do livro. E o Fela Day, realizado pela primeira vez no Brasil no ano passado, voltará a ser promovido em outubro com uma série de atividades em várias capitais do país. Nos dois lados do Atlântico, a música e as ideias de Fela Anikulapo (Ransome) Kuti seguem mais vivas do que nunca.


Pequeno roteiro do pop africano


Quem sentenciou foi a "Rolling Stone" americana: a maior estrela da Broadway é sexy e está morta. No rastro de "Fela!", artistas africanos tomaram de assalto o verão nova-iorquino e o relançamento de toda a discografia do Black President animou selos independentes a pôr no mercado compilações bem sacadas de diversos ritmos e estilos. Segue uma amostra de pérolas da música africana de fácil e médio alcance para os brasileiros.

Na área de shows, neste mês se apresentam em Nova York o senegalês Baaba Maal, além da Tinariwen (genial banda tuaregue do Mali). Em julho é a vez do rapper Blitz the Ambassador, que faz a ponte Brooklyn-Gana; da estrela de "Fela!", Sahr Ngaujah; de Femi Kuti com a Positive Force; dos congoleses do Konono nº 1; do cantor folk senegalês Omar Pene; da bela Chiwoniso, do Zimbábue; da banda mais africana do Brooklyn, o Antibalas; do mestre do "ngoni" (espécie de ancestral do banjo) Bassekou Kouaté, do Mali; e da eletrônica do Burkina Electric.

Entre os discos, a coletânea dupla "Best of the Black President" é ótimo primeiro contato com a obra de Fela Kuti. A versão em DVD inclui imagens raras dos anos 70 e 80 e entrevistas, oferecendo um belo contexto da Nigéria pós-independência (1960) até os anos finais do pai do afro-beat, na década de 90. Já "Confusion" (1975) o traz em estado psicodélico. O reverb na sua voz aumenta o clima fantástico do álbum e funciona como um comentário à confusão da Nigéria pós-colonial.

Outro grande do pop nigeriano é King Sunny Adé, pai da "juju music", mix de dance music e cordas tradicionais africanas que ganhou o mundo como afro-pop. É de 1982 sua obra-prima, "Juju Music", com a African Beats.

Há, ainda, a "Nigeria Special", série da Soundway Records, com destaque para o "Nigeria Rock Special", com o melhor garage rock africano, como BLO, Mono Mono e Action 13. É psicodelia com swing e batuque africano, originada da parceria de Ginger Baker, do Cream, com africanos, primeiro na banda Airforce e depois com Kuti, que em 1971 gravou o arrebatador "Fela with Ginger Baker Live!". (EG)


terça-feira, setembro 29, 2009

Honduras

Boa, do Jânio de Freitas, na Folha de hoje:

"Os opositores ao governo Lula, os de visão mais convencional e conservadora, são incessantes na opinião de que Zelaya fazer política de dentro da embaixada 'é um absurdo'. 'transformou a embaixada na casa da mãe joana', e por aí. Mas se Zelaya é o presidente legítimo de Honduras e está na embaixada apenas na condição de hóspede, como considera o governo Lula, então o absurdo estaria em tolher-lhe a palavra e o direito de usá-la em defesa da causa democrática"

domingo, setembro 13, 2009

No Valor, Distrcit 9

Hoje, no Valor:

Cinema: Neill Blomkamp estreia na direção com sucesso de bilheteria em que alienígenas têm um pé em Johannesburgo e outro no Rio.


Ficção em tempo real


  • Por Eduardo Graça, para o Valor, da Cidade do México
  • 11/09/2009


Divulgação

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"Distrito 9": filme, que trata de xenofobia, faz referência aos métodos usados pelo regime do "apartheid", às manobras de Bush no Oriente Médio e às milícias cariocas


Um filme de ficção científica recheado de analogias sociopolíticas, dirigido por um sul-africano estreante, fascinado por "Cidade de Deus", produzido pelo diretor de "O Senhor dos Anéis" e com elenco encabeçado por um amador. Essa foi a receita da surpresa do verão americano, "Distrito 9", que já faturou US$ 103 milhões em quatro semanas nos cinemas dos Estados Unidos, sem nenhuma estrela hollywoodiana como chamariz.

Camiseta e calça de pano para enfrentar o calor da Península de Yucatán, Neill Blomkamp, de 29 anos, é o responsável pelo que a crítica americana celebra como a reinvenção de um gênero. Deixe-se de lado o "E.T." delicado de Steven Spielberg, a batalha entre o bem e o mal de "Guerra nas Estrelas" de George Lucas ou as questões filosóficas kubrickianas. O protegido de Peter Jackson, até então um competente diretor de vídeos musicais e comerciais, especializado em efeitos especiais e animação em 3-D, usa a ficção científica para tratar do tempo presente em uma área que conhece bem: a África do Sul. "Este é meu primeiro filme. Sabia que se fizesse algo muito sério, muito duro, era como se estivesse entrando no ringue para perder a briga. Apostei no híbrido. Sabia que a ficção científica tornaria o filme um pouco mais leve", diz Blomkamp.

Aficionado pela "violência satírica dos filmes de horror dos anos 80", em "Distrito 9" Bloomkamp conta a história de alienígenas cuja nave emperrou nas cercanias do Cabo da Boa Esperança e são forçados pelo governo sul-africano a viver como refugiados em um acampamento na periferia de Johannesburgo. O filme, com sua quantidade colossal de sangue e assassinatos, remete às primeiras obras de Jackson, responsável por "Trash-Náusea Total" e "Fome Animal". Mas a narrativa, em estilo "fake-doc", e as cenas em que a polícia invade a favela onde os alienígenas estão confinados, leva a plateia a pensar em "Cidade de Deus".

Blomkamp é fã do filme de Fernando Meirelles e pesquisou sobre a realidade carioca antes de concretizar seu primeiro longa-metragem: "'Cidade de Deus' é um filmaço. E li tudo o que pude sobre os policiais do Bope, agora sobre as milícias. Diria que o Brasil é o país mais semelhante ao cenário retratado em 'Distrito 9', esta mistura de fatias do Primeiro Mundo mescladas com quinhões do Terceiro Mundo".

Blomkamp repete mais de uma vez, durante a entrevista, que "se alguém quiser saber como será o mundo no futuro, precisa olhar para Johannesburgo e para o Rio de Janeiro". A ficção científica de sua imaginação está mais para Malthus do que para Orwell. "A discrepância entre pobres e ricos no planeta tende a aumentar. A população cresce e os recursos diminuem. Os ricos se refugiam em condomínios fechados, em busca de proteção. Em 50 anos o mundo se parecerá mais e mais com o Rio e a Johannesburgo de minha infância."

O diretor deixou a África do Sul em 1997, pouco antes de completar 18 anos. Passou pela fase de distensão do "apartheid" e jamais deixou de retornar regularmente a seu país, observando a institucionalização de um partido único e a modificação do caráter das tensões étnicas. "Meu primeiro contato real com a pobreza sul-africana deu-se quando fui com um grupo da escola a uma favela para pintar casas de pessoas mais pobres. Era como tínhamos contato, brancos e negros. 'Distrito 9' me faz recordar ou, melhor, apertar um botão no subconsciente que me transporta para questionamentos sociais fundamentais para mim. Tentei incorporar algumas das imagens que vi, ainda adolescente, no filme."

Como se estivesse de fato filmando um documentário, Blomkamp mudou o roteiro no ano passado, quando começava a filmar, depois da implosão do Zimbábue. Milhares de refugiados atravessaram a fronteira em direção à África do Sul e, relata o diretor, "é por isso que você vê em 'Distrito 9' os negros sul-africanos querendo que os alienígenas sejam confinados, mandados embora". E completa: "Um dos piores massacres que já aconteceram em meu país foi quando sul-africanos pobres, em sua maioria negros, incendiaram em 2008 as casas dos imigrantes e mataram cerca de 50 pessoas oriundas da antiga Rodésia. Despertou minha atenção o grau de violência usado, com gente sendo queimada viva e muitos linchamentos".

A xenofobia retratada no filme deixa para trás as diferenças étnicas, para tratar de algo incomodamente humano: a repulsa ao que identificamos como diferente. Nada mais diferente do que ETs com corpo de crustáceos e fanáticos por comida enlatada para gatos. Daí a decisão de trazer a trama para os dias de hoje, aqui e agora.

"Distrito 9" nasceu a partir do curta-metragem "Alive in Joburg", que já alinhavava o tema e trazia no papel-título o funcionário-padrão vivido por Wickus van der Merwe, escalado para informar aos alienígenas que eles serão transportados para uma área mais distante de Johannesburgo, um campo de concentração disfarçado de projeto habitacional. Uma executiva da Universal viu o curta e enviou para Peter Jackson, pois achava que havia ali, além das óbvias qualidades expostas em "Distrito 9", algo que poderia ser usado em "Halo", o filme baseado no videogame de mesmo nome então desenvolvido pelo diretor da trilogia "O Senhor dos Anéis".

Jackson gostou e os dois começaram a trabalhar em "Halo", até que problemas de direitos autorais os levaram à conclusão de que já tinham o filme que queriam fazer. O novo título remete ao Distrito 6, a área mais pobre reservada para negros na Cidade do Cabo durante o "apartheid". "Queria manter a idéia de comunidades segregadas, guetos, semiprisões, já que as pessoas eram forçadas a viver lá, espaços de confinamento onde esquecemos o outro. Apenas virei o 6 de cabeça para baixo e encontrei meu Distrito 9", diz Blomkamp.

No filme, os policiais são terceirizados, contratados por uma grande corporação, um detalhe que ganha importância com a descoberta, nesta semana, de que até mesmo a CIA terceirizou agentes no governo Bush II. "A polícia privada, no filme, é tanto uma referência aos métodos usados pelo regime do 'apartheid' em minha infância quanto às manobras de George W. Bush no Oriente Médio e as milícias cariocas. A sátira, ali, é dirigida especialmente para se fazer pensar sobre a impunidade desses exércitos particulares."

O repórter viajou a convite da Sony Pictures, distribuidora de "Distrito 9"

quinta-feira, setembro 10, 2009

Eu, no Omelete: UP

Escrevendo sobre UP, um filme que adorei, aqui.

Carta Capital: Disney Compra Marvel

Na Carta Capital desta semana:

Mickey manda, Hulk obedece

04/09/2009 10:45:25

Eduardo Graça, de Nova York

Os irmãos metralha deram uma carteirada no Homem-Aranha. O Mickey Mouse, com a providencial ajuda do Tio Patinhas, arrematou, com um único lance, os direitos de uso do Wolverine (e todos os X-Men), do Thor, do Capitão América, do Homem de Ferro e do Hulk, entre outros 7 mil personagens. Por 4 bilhões de dólares a Walt Disney Company comprou, na segunda-feira 31 de agosto, a Marvel Entertainment, em um negócio que pegou de surpresa especialistas de mercado e gurus do mundo do entretenimento, impressionados com a agressividade da empresa voltada para produtos-família, como as grifes Hannah Montana e High School Musical.

Com um impressionante catálogo de desenhos animados – de destaques do cinema no século XX, como Fantasia, a novas produções, via Pixar, como o delicado Up - Altas Aventuras, passado na Amazônia, que estreia neste fim de semana no Brasil –, a Disney é uma das mais importantes corporações de mídia do planeta, dissecada nos anos 70 pelo sociólogo belga Armand Mattelart e o escritor chileno Ariel Dorfman no clássico Para Ler o Pato Donald, em que era apresentada como ponta de lança da propaganda imperialista durante a Guerra Fria. Mais: a dupla denunciava o caráter assexuado dos personagens das histórias em quadrinhos. Nada mais distante da Marvel, com personagens das mais variadas etnias, dependentes químicos e sexualidade pouco convencional.

Em artigo para a Salon, o crítico Andrew O’Hehir lembra que em sua adolescência, quando ia comprar gibis, Marvel e Disney faziam parte de universos completamente diversos. Os quadrinhos do Pato Donald e de seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luizinho ficavam na vitrine. Os deuses supermasculinizados da Marvel permaneciam escondidos no fim da loja. “A lição central dessa aquisição é a mudança radical de nossa cultura de-massas, de minha infância em Berkeley para hoje. Já imaginou os Jonas Brothers no lugar do Homem de Ferro ou do Wolverine? Ou a Pixar produzindo a batalha entre Os Incríveis e O Incrível Hulk?”, sugere.

Para Ted Magder, diretor do Conselho de Mídia e Cultura da Universidade de Nova York (NYU) e autor de Franchising the Candy Store, focado em disputas comerciais na era da globalização, não há possibilidade de a Disney infantilizar ainda mais os personagens da Marvel. Fãs, afinal, já reclamam de excessos como a adaptação do Homem-Aranha, a máxima criação de Stan Lee, para a Broadway. “Não podemos esquecer que a Disney é a dona da Miramax. Os super-heróis da Marvel não serão ‘disneyficados’ em termos de moral ou valores pessoais. Mas se submeterão à estratégia de marketing da Disney.”

Magder afirma que a aquisição do controle da Marvel pela Disney, garantida com um pagamento de 50 dólares por ação, em uma valorização de 29% do preço real, depois de três meses de negociações secretas, revela um desejo sintomático, neste momento de crise financeira global, dos grandes conglomerados de mídia norte-americanos de reduzirem os riscos criativos ao máximo. “ADisney, com longa história de produzir conteúdo próprio, saiu às compras para adquirir algo já formatado.”

Nos últimos anos, a Marvel se transformou em um estúdio de cinema, explorando seus personagens em diversos meios. Não apenas em campeões de bilheteria, que teriam totalizado 4,5 bilhões de dólares nos cinemas de todo o planeta, mas também em jogos de videogame. “A marca Marvel e seu conteúdo, que é um tesouro, só serão beneficiados por nossa extraordinária capacidade de distribuição e produção”, disse Robert A. Iger, o principal executivo da Disney, em entrevista na segunda-feira.

Magder lembra que o poder de multiplicação dos peixes é o fator mais atraente para a Marvel em sua decisão de ser englobada pelo castelo de Mickey. “A Marvel tem uma biblioteca de personagens que podem ser transformados em filmes, videogame, brinquedos, qualquer tipo de merchandising, até em parques temáticos”, diz.

Bob Iger, por sua vez, combate os que acreditam ter sido um passo em falso da Disney arrematar a gigante dos gibis em um momento de especial preocupação para a indústria de cultura de massas norte-americana, com estúdios cortando custos e índices de leitura despencando todos os meses: “Nós pagamos um preço que reflete o valor agregado pela Marvel e o potencial que podemos criar juntos. É o que chamo de preço total, mas é um preço justo”.

Os leitores atentos de Mattelart e Dorf-man não se surpreendem com o fato de a Disney pretender integrar de imediato alguns dos personagens da Marvel em seus parques na Califórnia, na França e em Hong Kong. A exceção é o Disney World em Miami, por conta de um direito de exclusividade com a Universal, que em seu parque em Orlando conta com atrações como a The Amazing Adventures of Spider-Man e a The Incredible Hulk Coaster. De todo modo, os estúdios que fecharam parcerias com a Marvel antes da aquisição da Disney (como a Fox com o X-Men, a Sony com o Homem-Aranha, a Universal com o Hulk e a Paramount com o Homem de Ferro) seguem com o direito de exclusividade de produção e distribuição desses personagens no cinema. Por isso, críticos da tacada de Iger apontam para os riscos da saturação da Marvel no mercado.

Nikki Finke, do Deadline Hollywood, foi o primeiro a revelar as ligações do comandante da Disney com o mundo dos quadrinhos. O tio de Iger, Jerry, criou, nos anos 30, juntamente com o adolescente Will Eisner, um escritório especializado na produção de gibis. Anos mais tarde, Eisner criaria personagens como The Spirit. O primeiro funcionário contratado por Iger e Eisner foi Jack Kirby, o “pai” do Capitão América.

Finke conta que, desde os anos 90, Bob Iger comandava discussões para a aquisição da Marvel, mas enfrentava resistências de executivos que a consideravam “pouco Disney”. Depois de se tornar o CEO da empresa, e de adquirir em 2006 a Pixar por 7,4 bilhões de dólares, seu sonho voltaria à tona. Em junho, teria voado para Nova York com o objetivo de conversar com Ike Perlmutter, que comprou a Marvel há uma década, quando em crise, e a transformou em máquina de fazer dinheiro. Como Perlmutter controla 37% das ações da Marvel, estima-se que ele tenha embolsado algo como 1,5 bilhão de dólares com a venda, ao mesmo tempo que teria garantido a independência da empresa no mesmo estilo da Miramax durante o período em que os irmãos Weinstein comandavam o estúdio, responsável por sucessos como O Paciente Inglês, Chicago e Shakespeare Apaixonado.

O casamento Disney-Marvel sintetizaria uma realidade em tempos de vacas magras: quem tem capital engloba empresas com potencial, mas sem possibilidade de alçar maiores voos com investimento próprio. A Marvel estaria com problemas para financiar a adaptação de filmes, pois teria de arcar com um terço das despesas de produção. Com a Disney, tudo ficará mais fácil. Analistas lembram ainda que a união é perfeita, pois, enquanto os personagens da Marvel são mais populares com meninos, produtos da Disney como A Pequena Sereia, Jonas Brothers e Hannah Montana recebem mais atenção das meninas. Uma exceção seria o mega-hit Piratas do Caribe.

Um dos poucos na mídia a não se impressionar com o negócio foi o experiente Jeffrey Wells, com passagens pela Entertainment Weekly, People, Los Angeles Times e The New York Times. Wells, há uma década o oráculo por trás do site Hollywood Elsewhere, diz que, quando uma corporação engloba outra, as mudanças são pouco significativas. Para Wells, no século XXI, todas as corporações de mídia estão viciadas nas adaptações de histórias de super-heróis para a tela grande.

“Concordo com ele apenas em parte. O conteúdo produzido pela Marvel é importantíssimo para a Disney, exatamente porque não se trata de coisas como A Pequena Sereia ou Mickey Mouse. A Disney precisava incrementar seu modelo de negócios e este é, a meu ver, um belo gol. Wells não leva em conta a extensão com que a Disney, mestre em ganhar cada dólar com a exploração de seus personagens, pretende usar os símbolos maiores da Marvel. Você já pode esperar pelo Quarteto Fantástico Adventure Weekend Park no que hoje é um estacionamento vazio em uma cidade perto de sua casa!”, diz Magder.

Não deve ser mera obra do acaso a revelação mais interessante de Nikki Finke: Bob Iger teria passado os dois últimos meses lendo sem parar a Enciclopédia Marvel, estudando com devoção exemplar cada aspecto das histórias dos personagens da máquina de sonhos dos quadrinhos.

sexta-feira, agosto 14, 2009

VALOR: Woodstock, 40 Anos

Neste fim de semana o Valor Econômico publicou, em sua revista de cultura, um especial sobre os 40 anos do Woodstock. O escriba aqui colaborou com o texto que segue abaixo:

Paz e amor, bicho!
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
14/08/2009


O show de Hendrix (centro, com faixa vermelha na cabeça): "A música de Woodstock, a guitarra de Jimi, eram humanistas. Seus temas centrais eram esperança e amor", diz Tiber, autor de livro sobre o festival


As mãos balançam freneticamente, marcando em caracol o ritmo da percussão. O sorriso, imenso, e o turbante colorido agradam à multidão extasiada com a velocidade com que a baixinha de olhos claros canta suas canções. Lá vem Carmen Miranda, recebida entusiasticamente pelos hippies de Woodstock. Não, a cena não aconteceu há exatas quatro décadas, em meio às chuvas que transformaram o imenso gramado da fazenda de Max Yasgur no lamaçal mais icônico da história do rock 'n' roll. "Mas, se faltou alguém em Woodstock, foi a Carmen", diz Elliot Tiber, autor de "Aconteceu em Woodstock", inspiração para o filme de mesmo nome dirigido por Ang Lee, suas memórias dos bastidores do maior festival de rock de todos os tempos.

O livro conta como o jovem judeu condenado a administrar um hotel de beira de estrada comprado por seus pais, imigrantes bielo-russos, se transformou em protagonista do gigantesco festival de música com uma simples ligação telefônica. Tiber informou o produtor Michael Lang - seu amigo de infância nas ruas do Brooklyn - que, por causa das muitas tentativas de revitalizar o hotel, ele recebera uma permissão da prefeitura para organizar um evento cultural na cidade de Bethel, a poucos quilômetros de Woodstock, também no Estado de Nova York, onde os organizadores do evento tentavam convencer os vereadores locais de que os jovens fãs dos Beatles e dos Rolling Stones (duas bandas que não marcariam presença no fuzuê) não destruiriam suas propriedades.

Quando era criança, Tiber costumava atravessar a Ponte do Brooklyn para se divertir, nos cinemas de Times Square, com os filmes da Brazilian Bombshell. "Foi ali que descobri o sorriso de Carmen. Ela seria um mega-hit em Woodstock", afirma, pontuando não acreditar ser mera coincidência a presença da cantora no movimento contracultural brasileiro desencadeado na mesma época, especialmente em sua vertente musical, com a Tropicália.

Para além dos balangandãs, o colunista Clyde Haberman, do jornal "The New York Times", brinca que é inevitável, neste verão nova-iorquino marcado por temperaturas amenas e muita chuva, deparar com brigadas de sessentões, vestidos com roupas de incrível mau gosto, evocando um certo festival realizado no norte do Estado de Nova York, responsável direto por uma nova era de harmonia, compreensão e honestidade. "Tá bem, a Era de Aquário acabou não saindo como estava programada, mas a música foi inegavelmente sensacional", provoca. Janis Joplin e Jimi Hendrix ainda estavam vivos e marcaram presença ao lado de The Who, Greateful Dead, The Band, Jefferson Airplane, Joe Cocker, Carlos Santana, Sly and the Family Stone, a banda Crosby, Stills & Nash e 24 outras atrações.

O Festival de Música e Artes foi sintetizado no discurso do fazendeiro, contactado por Tiber, que inicialmente alugou seu gramado por míseros 50 dólares/dia, depois aumentou para 5 mil dólares/dia e, finalmente, quando percebeu a dimensão do evento, fechou o acordo com o produtor Michael Lang por um pacote de 50 mil dólares por três dias, ainda assim uma pechincha se levarmos em conta o lucro obtido pelos organizadores com a marca Woodstock nos anos que se seguiriam.

Presente no histórico e excelente CD lançado pela Rhino, intitulado "Woodstock, 40 Anos Depois: de Volta à Fazenda de Yusgur", o fornecedor dos melhores produtos de laticínios orgânicos da região saúda, do palco a ser ocupado por lendas vivas da música pop americana, a experiência que está por começar: "Vamos provar que meio milhão de pessoas podem se juntar e se divertir durante três dias e contar com nada mais do que o poder da música". Daí o filme de Ang Lee, a reedição de DVDs e CDs, a publicação de livros, a venda de relíquias pela internet e os muitos festivais comemorativos neste mês. Há 40 anos a música popular tinha um poder de transformação comportamental inconcebível no universo do download instantâneo e do YouTube.

A trilha sonora do último ano da década de 60 foi, para Tiber, o solo de guitarra de Jimi Hendrix, reproduzindo o hino nacional americano em Woodstock na manhã de segunda-feira, atração derradeira do evento. Bandana cor-de-rosa na cabeça, bata azul-e-branca e imensos brincos dourados, o artista sintetizava o horror e o nonsense do Vietnã com sua arma mais cara. "A música de Woodstock, a guitarra de Jimi, eram humanistas. Seus temas centrais eram esperança e amor", diz Tiber. Mas, para os protagonistas da grande aventura musical dos anos 60, o que ficou de Woodstock? "Bem, eu fiquei. As pessoas ficaram. Recebi vários e-mails de jovens dizendo que minhas memórias os inspiraram", revela o autor de "Aconteceu em Woodstock".

Já Lang, que acaba de lançar "The Road to Woodstock", crê que a revolução de costumes dos anos 60 não desapareceu com os yuppies e o mundo corporativo. "Ao contrário, nossa mensagem frutificou. O fato de que temos um presidente negro na Casa Branca, o movimento ecológico e a ênfase na alimentação orgânica mostram que essa identidade nascida no tempo de Woodstock está mais viva do que nunca", repete, tal qual um mantra, nas aparições para o lançamento de seu livro de memórias.

Para os protagonistas da história de Tiber é na transformação pessoal que o ideário de Woodstock deixa sua marca mais forte. Ele encerra seu livro escrevendo que a música o ajudou a descobrir quem de fato era. Como se vê no filme de Lee, os bastidores de Woodstock foram o cenário de processos de liberação intensos.

Wayne Rodgers - um dos personagens mais engraçados do documentário "Woodstock" (1970, vencedor do Oscar em 1971), em que aparece saindo de um banheiro químico e oferecendo maconha para a equipe de filmagem - conta em recente entrevista que viajou de carona em um caminhão repleto de pêssegos e laranjas para acampar com milhares de hippies na versão Costa Leste do Verão do Amor. Depois de trabalhar como ajudante de palco de Joan Baez, mudou-se para as montanhas da Virginia, em uma cidade também de nome Woodstock ("mas nada a ver com a de Nova York, aqui há muitos republicanos"). Lá, Rodgers se voltaria para a luta contra a invisibilidade da pobreza americana, sendo reconhecido por seu trabalho nos rincões dos EUA com a ONG Coalizão contra a Fome.

Um dos mais interessantes projetos de memória da cultura popular nos Estados Unidos, o The Woodstock Memories Project, iniciativa do "The Poughkeepsie Journal" e do site Footnote.com, vem amealhando, além de uma impressionante coleção de jornais locais, depoimentos de pessoas que viajaram ao condado de Sullivan para os três dias de farra musical. Em um deles, Michael Gabrielli lembra que chegou a Woodstock no seu jipe azul fabricado em 1962, inteiramente decorado com flores pintadas, na quinta-feira. E, até o fim do evento, o jipe ficou estacionado atrás do palco. "Com o passar dos anos, enquanto a maioria dos pais se orgulhava de seus filhos serem doutores ou advogados, minha mãe sempre contava, cabeça erguida: "Meu filho Michael estava em Woodstock", escreve.

Tiber ainda se emociona com depoimentos de anônimos sobre Woodstock. Mas diz que ele e Lang jamais imaginaram que o festival se transformaria em algo monumental, símbolo da contracultura e apogeu da filosofia hippie de paz e amor, diametralmente oposta à Guerra Fria e à oposição direita e esquerda, um culto à liberdade individual que afetava, de forma indireta, a sociedade como um todo.

Para o autor de "Aconteceu em Woodstock", o festival foi o catalisador que o levou a assumir sua homossexualidade e rumar para a Europa, onde se tornou dramaturgo residente do Teatro Nacional da Bélgica. "Hoje trabalho com o grupo Gay American Heroes, voltado para o combate da violência contra homossexuais. Jovens das metrópoles do planeta veem cidadãos do mesmo sexo aproveitando a noite e andando de mãos dadas em suas ruas e acham que isso é parte do status quo, mas a geração Woodstock apanhou muito para conseguir valer esses direitos. Hoje lutamos pelos direitos civis dos gays, exatamente como a comunidade afro-americana naquela época. Além do direito ao casamento, queremos maior proteção contra crimes hediondos, não apenas nos EUA, mas, por exemplo, em países com grande população de homossexuais, como o Brasil de Carmen Miranda."

Na première de "Aconteceu em Woodstock", no fim do mês em Nova York, Ang Lee pediu a palavra pouco antes do início da sessão: "Quarenta anos atrás Elliot Tiber deu um telefonema. Quarenta anos depois eu finalmente atendi aquela ligação". Woodstock, como se vê, apenas começou. De novo.

domingo, agosto 02, 2009

TERRA: Crise no Senado, lá e cá

Batendo recordes de comentários no Terra Online com reportagem política. Gostei:

De Nova York a Brasília, democracia pan-americana vive crise

31 de julho de 2009 • 07h51 • atualizado às 10h01
Fac-símile da capa do conservador New York Post do dia 24 de junho último que mostra uma imagem alterada do Senado estadual de NY ocupado por ...
Fac-símile da capa do conservador New York Post do dia 24 de junho último que mostra uma imagem alterada do Senado estadual de NY ocupado por parlamentares com rosto de palhaços
31 de julho de 2009
New York Post/Reprodução

Eduardo Graça

Direto de Nova York


Um senador da velha-guarda com métodos políticos para lá de duvidosos. Uma campanha popular para a substituição imediata do comando do Senado, incluindo presidente, vices e secretários. O governo ameaçando não pagar mais os custos exorbitantes das viagens dos legisladores para fora da capital. O jornal de maior vendagem na cidade apresentando em sua primeira página a imagem de senadores no plenário com seus rostos pintados como se fossem palhaços.

Não, o cenário acima não é a terra de Kubitschek. Trata-se do verão nova-iorquino. Albany, a sede do legislativo de Nova York - nos Estados americanos, como no Brasil, os parlamentos locais são bicamerais - virou de pernas para o ar quando o senador Pedro Espada, acusado de corrupção e de receber propina de lobistas, decidiu deixar os democratas a ver navios e se juntar aos republicanos. A correlação de forças do Senado do Estado de Nova York mudou completamente.

Depois que os legisladores democratas decidiram vetar a verba de US$ 2 milhões que Espada - apelidado de Dino, tanto por conta de seus modos pré-históricos de fazer política quanto pela forma física - pretendia usar na capitalização de um plano de Saúde organizado pelo próprio senador, ele simplesmente mudou de lado, deixando o Senado em um empate de 31 votos para situação e oposição e interrompendo por um mês o funcionamento do Legislativo até que se chegasse a uma solução para um impasse.

No que já é considerada uma edição histórica, o conservador New York Post publicou foto em sua primeira página modificando graficamente o rosto dos senadores em plenário: todos apareciam maquiados tal qual palhaços em um estranho circo. Uma das reações mais interessantes - e indignadas - veio do ex-secretário municipal de Comunicações de Nova York, Bill Cunningham.

Cientista político que comandou a campanha de vários medalhões da cena política nova-iorquina, Cunningham escreveu um editorial em que protesta "em nome dos profissionais do circo, especialmente os palhaços. Comparar estes trabalhadores honestos e dedicados com os políticos de nosso Senado estadual é um insulto. Um insulto a qualquer trabalhador de nome Bozo ou Clarabelle. Na verdade, Jerry Lewis, nosso símbolo cômico mais famoso, deveria comandar um protesto em Albany. Estes senadores espertalhões estão jogando o nome de comediantes e palhaços na lama".

Curiosamente, a crise no Senado nova-iorquino somente chegou ao fim depois que o controlador-geral do Estado de NY anunciou que os contra-cheques dos senadores seriam sumariamente cortados, juntamente com vouchers de viagens no valor total de US$ 560 mil. O salário médio de um senador no estado de NY é de US$ 6,7 mil, sem contar os incentivos. A pensão vitalícia ultrapassa os US$ 8,3 mil dólares.

Em editorial, o The New York Times lembrou, em texto duro, que os eleitores não podem esquecer que o Senado estadual será renovado novamente no ano que vem :"E se esta gangue quiser reconquistar seus eleitores, terá de reformar o sistema corrupto que gerou esta crise, a desgraça total do financiamento das campanhas, a falta de disputa real pelas cadeiras do Senado e a completa falta de transparência no exercício do legislativo. Nós não estamos otimistas".

O Instituto Gallup anunciou na semana passada que 48% dos americanos tem uma imagem negativa da presidente do Congresso - e terceira cidadã na linha de sucessão de Barack Obama - a democrata Nancy Pelosi. E que apenas 33% dos eleitores tem uma imagem positiva do Poder Legislativo.

A reportagem do Terra conversou com o cientista político Cristian Klein, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), sobre a crise da democracia representativa que assola o mundo democrático ocidental e as semelhanças entre a crise no Congresso brasileiro - uma das campanhas de caráter político mais difundidas na internet é a "Fora Sarney", que pede a renúncia do presidente do Senado, o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-MA) - e o total descrédito dos norte-americanos em relação ao poder legislativo em todos os níveis.

No Brasil e nos EUA há uma clara insatisfação da população com deputados, senadores e vereadores. No México, as eleições legislativas tiveram um recorde de votos em branco. Em Honduras vive-se a maior crise política das Américas. Vivemos uma crise da democracia representativa no hemisfério ocidental?
A democracia representativa sempre foi suscetível a críticas e crises agudas. Vide a Alemanha do entre-guerras, quando o governo da República de Weimar foi solapado tanto pelas armas dos grupos paramilitares quanto pelas idéias de pensadores como Carl Schmitt. O Parlamento, coração da democracia representativa, era visto como um aglomerado de políticos sem brilho e voltado para discussões longas e inócuas. Rogava-se por um líder forte, carismático. Quase todas as crises envolvendo o Legislativo carregam, em certo grau, críticas semelhantes. É o poder em que as decisões demandam mais tempo, mais negociação e cujos membros não representam a maioria da população, mas fragmentos do eleitorado. Na América, continente formado por países que adotaram majoritariamente o sistema presidencialista, o contraste entre um presidente popular e um Parlamento abalado por escândalos pode sugerir um quadro de desolação. Mas é preciso lembrar também que o Legislativo é por princípio um poder mais aberto, mais transparente que o Executivo.

O historiador Alejandro Velasco disse há algumas semanas que o golpe em Honduras foi a primeira conseqüência real de uma luta entre duas visões que vão se tornando homogêneas na América Latina: uma mais à esquerda, outra mais à direita no modelo da Europa Ocidental e dos EUA. Você concorda?
A centralização, o fortalecimento do Executivo, tradicionalmente é um tema mais caro à esquerda do que à direita, pois é o poder cuja fonte de legitimação vem da maioria da população. E cuja intervenção em políticas de redistribuição de renda pode se dar de modo imediato. Mas isso não significa, para a esquerda, que ao chegar ao Executivo ela controle o Estado ou a maioria de seus aparelhos. Como apontou corretamente Poulantzas, o Estado não é um bloco monolítico, mas um campo estratégico. Uma vez que tenha perdido o poder central, a classe dominante pode trocar os lugares de poder real e poder formal, deslocando o centro de decisões de um aparelho para outro, como o Judiciário e o Exército. Honduras parece ser um caso exemplar de como, no limite, a luta política se dá neste campo estratégico.

Há algum novo modelo apresentado aos brasileiros para substituir o atual, com um Congresso desrespeitoso e desrespeitado? Há salvação para o Legislativo no Brasil?
Há quem defenda, de modo radical, a extinção do Senado. Há países que são unicamerais. Mas será que essa é uma opção factível? Se a cada crise, em qualquer casa legislativa do país, a solução fosse defenestrar a instituição, onde iríamos parar? É preciso melhorar a qualidade dos representantes, e mais do que isso, reprimir a cultura política arcaica, nepotista, fisiológica, que ainda persiste. A contínua pressão da imprensa, com a revelação dos escândalos, pode surtir algum efeito sobre o comportamento dos políticos. Mas sem um sistema de punição eficiente, com o fim das imunidades parlamentares, por exemplo, de pouco adiantará.

Especial para Terra